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ANTROPOFAGIA COMO METÁFORA DE RESISTÊNCIA CULTURAL: CO-MO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS, DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS
Inspirado na história do alemão Hans Staden, capturado por indígenas no início da colonização do Brasil, Nelson Pereira dos Santos realiza Como era gostoso o meu francês. Falado em Tupi, o filme narra as aventuras de um explorador europeu que, prisioneiro dos Tupinambás, incorpora-se à vida cultural da tribo até ser devorado em um rito antropófago. Em sintonia com a releitura tropicalista da cultura antropófaga, o longa-metragem compartilha a tese modernista que identifica no confronto entre colonizado e colonizador a relação entre cultura brasileira e cultura estrangeira. Pretendendo discutir alguns aspectos da representação do indígena no filme, tentaremos indicar a idealização de um passado original como matriz da identidade nacional, cuja defesa simbólica se projeta no mito do canibal devorador de colonizadores
Martírio, rito e fetiche em Body Art e A refeição, de Newton Moreno
For Reception Aesthetics theorist Hans Robert Jauss, the writer is first and foremost a reader, situated in a chain of receptions. Considering the experience of reading as an activity capable of generating a creative response, Jauss understands the literary tradition as a process of continuous exchange between the old and the new, in which the present may reread the past, attributing new meanings to it. From this point of view, we approach the process of literary reception that, in Brazil, is established as an interpretative tradition around the theme of anthropophagy, constantly revisited to assume different meanings in diverse historical moments. In this tradition, we locate the production of Newton Moreno, a playwright from Pernambuco, who with Body Art and Meal: essays on cannibalism, stages the body as an expressive prop of rites in which the tribal practices of anthropophagy resonate. On the one hand, we will try to demonstrate the points of contact of this dramaturgy with the national literary past and, on the other, the ruptures brought about by a rereading that integrates the theme of cannibalism with the idea of the body in sacrifice in Body Art and Artaud’s theater of cruelty.Para Hans Robert Jauss, teórico de la estética de la recepción, el escritor es en primer lugar un lector, situado en una cadena de recepciones. Considerando la experiencia de la lectura como una actividad capaz de generar una respuesta creativa, Jauss entiende la tradición literaria como un proceso de intercambio continuo entre lo viejo y lo nuevo, donde el presente relee el pasado, dándole nuevos significados. Desde este punto de vista, abordamos el proceso de recepción literaria que consolida, en Brasil, una tradición interpretativa en torno de la antropofagia, constantemente recuperada para asumir diferentes significados en diferentes contextos históricos. En esta tradición, situamos la producción del dramaturgo Newton Moreno, de Pernambuco, Brasil, que en Body Art e Refeição: ensaios sobre o canibalismo, representa el cuerpo como un soporte expresivo de los ritos en que resuenan las prácticas tribales de antropofagia. Trataremos de demostrar, por un lado, los puntos de contacto de esta dramaturgia con el pasado literario nacional y, por otro lado, las rupturas provocadas por una relectura que integra el tema del canibalismo con la idea del cuerpo sacrificial del Body Art y el teatro de la crueldad de Artaud.Para Hans Robert Jauss, teórico da estética da recepção, o escritor é antes de tudo um leitor, situado em uma cadeia de recepções. Considerando a experiência da leitura como atividade capaz de gerar uma resposta criativa, Jauss entende a tradição literária como um processo de contínuo intercâmbio entre o velho e o novo, em que o presente relê o passado, atribuindo-lhe novas significações. Deste ponto de vista, abordamos o processo de recepção literária que consolida, no Brasil, uma tradição interpretativa em torno do tema da antropofagia, constantemente recuperado para assumir diferentes significados em diversos presentes históricos. Nesta tradição, colocamos a produção do dramaturgo pernambucano Newton Moreno que, com Body Art e A refeição: ensaios sobre o canibalismo, encena o corpo como suporte expressivo de ritos em que ressoam as práticas tribais da antropofagia. Tentaremos demonstrar, de um lado, os pontos de contato dessa dramaturgia com o passado literário nacional, e, do outro, as rupturas trazidas por uma releitura que integra o tema do canibalismo à ideia de corpo em sacrifício da Body Art e do teatro da crueldade de Artaud
Si gira...: os cadernos de um operador na era da reprodutibilidade técnica
It is observed, in Luigi Pirandello’s novel Si gira..., the presence of evidences which document and question the irruption of cinema in the pantheon of the arts in the early twentieth century. By pointing similarities between Pirandello’s and Benjamin’s conceptions about the mechanical reproduction of art, the conservative point of view of Pirandello is outlined, and he laments the end of the traditional means of aesthetic production and reception.Observa-se, no romance Si gira..., de Luigi Pirandello, a presença de indícios que documentam e problematizam a irrupção do cinema no panteão das artes no início do século XX. Ao apontar para similaridades entre a concepção de Pirandello e a de Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica da obra de arte, demarca-se a visão conservadora do primeiro, que lamenta o fim dos meios tradicionais de produção e recepção estéticos
A ambiguidade artístico-industrial do cinema: discussões em torno de estética, mercado, indústria e autoria
In this paper, we aim to pursuit some of the transformations on the concept of cinema, to which the notions of art, market, industry, and author were aggregate during the 20th century. From the silent film, we allude to the first attempts of “cultural elevation” of the cinematographic form and, among those, to the theoretical propose of Ricciotto Canudo, who attributed to cinema the double condition of scientific and esthetic event. We also describe the authorial ambiguity of the classic Cabiria, today credited to Giovanni Pastrone while, in the past, it was credited to Gabriele D’Annunzio. Then, we point to the affirmation of the art-industry binomial in the theoretical discussions made by the Cahiers du Cinéma and the Nouvelle vague, indicating its reverberations in the underground and New Hollywood cinema of United States. Based on those premises, we show Alberto Moravia’s critical resistance to the conciliation between art and market, signalizing the dichotomy between what he considered author cinema (made by Morrissey, Markopoulos, and Warhol) and commercial cinema (made by Kubrick, Coppola, Altman). By the end, we confront Moravia’s to Jameson’s thinking, observing the confluence of both around the idea of reification, a mark of the consumer society pictured by Andy Warhol.Buscamos, neste artigo, percorrer algumas das transformações pelas quais passou o conceito cinema, ao qual agregaram-se, ao longo do século XX, as noções de arte, mercado, indústria e autor. Partindo do filme mudo, aludimos às primeiras tentativas de “elevação cultural” da forma cinematográfica e, entre elas, à proposição teórica de Ricciotto Canudo, que atestava ao cinema a dupla condição de evento científico e estético. Descrevemos também a ambiguidade autoral na origem de Cabiria, clássico hoje creditado a Giovanni Pastrone e, no passado, a Gabriele D’Annunzio. Em seguida, acenamos à afirmação do binômio arte-indústria nas discussões teóricas realizadas pelos Cahiers do Cinéma e pela Nouvelle vague, indicando suas reverberações no cinema underground e na New Hollywood americanos. Com base nessas premissas, delineamos a resistência crítica de Alberto Moravia à conciliação entre arte e mercado, assinalando a dicotomia entre o que considerava filmes de autor (os de Morrissey, Markopoulos e Warhol) e filmes comerciais (os de Kubrick, Coppola e Altman). Enfim, chegando à obra de Andy Warhol, contrapomos o pensamento de Moravia ao de Frederic Jameson, observando a confluência de ambos em torno da ideia de reificação, marca da sociedade do consumo fotografada pelo artista americano
O indígena como lugar comum nas disputas retóricas coloniais: uma abordagem comparativa dos relatos de Staden, Thevet, Léry e Knivet
Este artigo toma como objetos os relatos de Hans Staden, André Thevet, Jean de Léry e Anthony Knivet sobre suas passagens, no século XVI, pelas terras do que viria a ser o Brasil. Analisando comparativamente tais textos, observamos como as diferentes realidades histórico-culturais em concorrência na Europa moldaram perspectivas ora convergentes ora conflitantes sobre um mesmo tema: o indígena, seus hábitos e costumes. Para a análise, mobilizamos as ideias de topoi ou tópicas do discurso, baseando-nos em Hansen (2013; 2021), assim como a noção de lutas de representação, teorizada por Chartier (1991; 2002), articulando-as a estudos sobre a história e mentalidade coloniais, entre outros. Concluímos que, nos discursos dos viajantes, o lugar comum do indígena é sede de argumentação em prol do grupo ao qual pertence o enunciador do discurso, que lança mão de opiniões pré-concebidas e aceitas pela sua comunidade como verdadeiras.This article investigates the accounts by Hans Staden, André Thevet, Jean de Léry and Anthony Knivet of their travels in the 16th century through what would later become Brazil. By analyzing these texts comparatively, we note how different historical and cultural circumstances in Europe determined converging or diverging views on the same subject: Indigenous peoples and their cultures. For the analysis, we adopted the ideas of topoi or discourse topic, based on Hansen (2013; 2021), as well as the struggle of representations, as theorized by Chartier (1991; 2002), relating them to colonial studies, among others. We conclude that, in the travelers' discourse, indigeneity is a commonplace that serves as an argument favoring the group to which the speaker belongs and shares preconceived opinions accepted as true by that community
Chanson Douce e Petit Pays: literatura migrante em evidência nos prêmios Goncourt 2016
O presente artigo discute as obras premiadas pela Academia Goncourt em 2016: Chanson Douce, de Leïla Slimani, e Petit Pays, de Gaël Faye. Acenando ao sistema francês de premiação literária, objetiva-se indicar a crescente importância da literatura migrante no país, procurando identificar, nos romances citados, algumas das características desta nova categoria literária. Ao observar que se desenvolve em contemporaneidade com a Europa como lugar de chegada de ondas diaspóricas, indica-se na literatura produzida por imigrantes um papel representativo das discussões sobre a imigração, que se desenvolvem em torno de questões como alteridade e identidade. Considerando as premiações como elementos da recepção literária, apoiamo-nos nos estudos de Jauss; Iser e Jouve sobre recepção e leitura; Ducas sobre as premiações literárias francesas; White, Pourjafari e Vahidpour e Sabo sobre literatura migrante, entre outros aportes teórico-críticos
Martírio, rito e fetiche em Body Art e A refeição, de Newton Moreno
For Reception Aesthetics theorist Hans Robert Jauss, the writer is first and foremost a reader, situated in a chain of receptions. Considering the experience of reading as an activity capable of generating a creative response, Jauss understands the literary tradition as a process of continuous exchange between the old and the new, in which the present may reread the past, attributing new meanings to it. From this point of view, we approach the process of literary reception that, in Brazil, is established as an interpretative tradition around the theme of anthropophagy, constantly revisited to assume different meanings in diverse historical moments. In this tradition, we locate the production of Newton Moreno, a playwright from Pernambuco, who with Body Art and Meal: essays on cannibalism, stages the body as an expressive prop of rites in which the tribal practices of anthropophagy resonate. On the one hand, we will try to demonstrate the points of contact of this dramaturgy with the national literary past and, on the other, the ruptures brought about by a rereading that integrates the theme of cannibalism with the idea of the body in sacrifice in Body Art and Artaud’s theater of cruelty.Para Hans Robert Jauss, teórico da estética da recepção, o escritor é antes de tudo um leitor, situado em uma cadeia de recepções. Considerando a experiência da leitura como atividade capaz de gerar uma resposta criativa, Jauss entende a tradição literária como um processo de contínuo intercâmbio entre o velho e o novo, em que o presente relê o passado, atribuindo-lhe novas significações. Deste ponto de vista, abordamos o processo de recepção literária que consolida, no Brasil, uma tradição interpretativa em torno do tema da antropofagia, constantemente recuperado para assumir diferentes significados em diversos presentes históricos. Nesta tradição, colocamos a produção do dramaturgo pernambucano Newton Moreno que, com Body Art e A refeição: ensaios sobre o canibalismo, encena o corpo como suporte expressivo de ritos em que ressoam as práticas tribais da antropofagia. Tentaremos demonstrar, de um lado, os pontos de contato dessa dramaturgia com o passado literário nacional, e, do outro, as rupturas trazidas por uma releitura que integra o tema do canibalismo à ideia de corpo em sacrifício da Body Art e do teatro da crueldade de Artaud.Para Hans Robert Jauss, teórico de la estética de la recepción, el escritor es en primer lugar un lector, situado en una cadena de recepciones. Considerando la experiencia de la lectura como una actividad capaz de generar una respuesta creativa, Jauss entiende la tradición literaria como un proceso de intercambio continuo entre lo viejo y lo nuevo, donde el presente relee el pasado, dándole nuevos significados. Desde este punto de vista, abordamos el proceso de recepción literaria que consolida, en Brasil, una tradición interpretativa en torno de la antropofagia, constantemente recuperada para asumir diferentes significados en diferentes contextos históricos. En esta tradición, situamos la producción del dramaturgo Newton Moreno, de Pernambuco, Brasil, que en Body Art e Refeição: ensaios sobre o canibalismo, representa el cuerpo como un soporte expresivo de los ritos en que resuenan las prácticas tribales de antropofagia. Trataremos de demostrar, por un lado, los puntos de contacto de esta dramaturgia con el pasado literario nacional y, por otro lado, las rupturas provocadas por una relectura que integra el tema del canibalismo con la idea del cuerpo sacrificial del Body Art y el teatro de la crueldad de Artaud
Literatura colonial como espaço de disjunção: a historiografia literária brasileira no contexto latino-americano
Drawing on the ideas of Walter Mignolo, Thomas Pollock, Philippe Caron, and Juan Hansen, we examine the semantic transformations that gradually brought the term “literature” close to the notion of literary art. Observing the predominance of nationalist-aesthetic criteria in Brazilian literary historiography, we highlight the resistance to Candido’s historiographical approach on the part of Hansen, Haroldo de Campos, and Teixeira Gomes, taking into account Jauss’ reflections on literary histories that pursue the Romantic objective of national fulfilment. On the basis of Eni Orlandi’s considerations on the official prevalence of Portuguese and Spanish in the former colonies, we reflect on her proposal regarding colonial language as a disjunction between an actual difference and a homogenizing imaginary. We then transfer that proposal to the field of literature in order to establish points of contact among the ideas of dichotomy of the colonial world (Fanon), the heterogeneity and fragmentation inherent to that world (Cornejo), and the semantic compensation that, in colonial discourse, leads the difference to the recognizable (Hansen).Apoyándonos en Walter Mignolo, Thomas Pollock, Philppe Caron y João Hansen, investigamos las transformaciones semánticas que acercaron la palabra “literatura” a la noción de arte literario. Observando la predominancia de criterios estético-nacionalistas en la historiografía literaria brasilera, puntuamos la resistencia de Hansen, Haroldo de Campos y Teixeira Gomes a la perspectiva historiográfica de Antonio Candido, considerando las reflexiones de Jauss acerca de las historias literarias que persiguen la finalidad romántica de la plenitud nacional. Tomando las consideraciones de Eni Orlandi sobre la vigencia oficial del portugués y el español en las antiguas colonias, se reflexiona sobre su propuesta acerca de la lengua colonial como punto de disyunción entre una diferencia real y un imaginario homogeneizante. Transponiendo esta proposición para el terreno de la literatura, enlazamos puntos de contacto con las ideas de dicotomía del mundo colonial (Fanon), la heterogeneidad y fragmentación constitutiva de este mundo (Cornejo) y la compensación semántica que, en el discurso colonial, conduce la diferencia a lo reconocible (Hansen).Apoiando-nos em Walter Mignolo, Thomas Pollock, Philppe Caron e João Hansen, investigamos as transformações semânticas que vincularam a palavra “literatura” à noção de arte literária. Observando a predominância de critérios estético-nacionalistas na historiografia literária brasileira, pontuamos a resistência de Hansen, Haroldo de Campos e Teixeira Gomes à perspectiva historiográfica de Antonio Candido, trazendo as reflexões de Jauss acerca das histórias literárias que perseguem a finalidade romântica da plenitude nacional. Tomando as considerações de Eni Orlandi sobre a vigência oficial do português e do espanhol nas ex-colônias, refletimos sobre a sua proposição acerca da língua colonial como ponto de disjunção entre uma diferença real e um imaginário homogeneizante. Transpondo essa proposição para o terreno da literatura, tecemos pontos de contato com as ideias de dicotomia do mundo colonial (Fanon), da heterogeneidade e fragmentação constitutiva desse mundo (Cornejo) e da compensação semântica que, no discurso colonial, conduz a diferença ao reconhecível (Hansen)