29 research outputs found

    Etnografia visual e narrativa oral: da fabricação à descoberta da imagem

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    Ainda como iniciante na pesquisa etnográfica, tomei conhecimento da memória oral que se relaciona às ilhas de Porto Alegre, através de pesquisa exploratória que seguia a metodologia utilizada pela equipe do BIEV: escolhíamos espaços públicos significativos para o cotidiano da cidade (nesse caso, as ruas à beira do Lago Guaíba nas ilhas), para a realização de gravações em vídeo. Enquanto contemplávamos paisagens da cidade tantas vezes representadas por fotógrafos, pintores, cronistas, novas representações surgiam sobre elas: a voz de moradores, freqüentadores, admiradores de ruas, prédios, beiras de rio e outros tantos lugares da cidade. Tinha início a descoberta de narradores de itinerários de grupos urbanos, dos muitos “começos” das atuais formas da paisagem da cidade.   Foi em meio a esse trabalho que nos deparamos com uma memória da cidade de Porto Alegre muito diferente, relacionada às ilhas e águas do Bairro Arquipélago. O Arquipélago é formado por 16 ilhas, circundadas pelas águas dos rios Jacuí, Gravataí, Sinos, Caí e pelo Lago Guaíba. Elas encontram-se à entrada da cidade, à noroeste do centro da capital. No atual contexto urbano-industrial da cidade, as pequenas propriedades rurais na margem das ilhas passaram a dar lugar a grandes residências e clubes náuticos destinados ao lazer de classes economicamente privilegiadas (as chamadas “mansões” das ilhas), enquanto que sua parte mais próxima das pontes e estradas de acesso transformou-se em periferia, vila de classes populares de baixíssima renda.   Esse processo de transformação da paisagem do Arquipélago, em meio ao desenvolvimento da Região Metropolitana de Porto Alegre, é narrado de forma muito particular pelos chamados moradores “antigos” das ilhas, que nos contaram suas trajetórias pessoais em meio a um repertório de estórias em que figuras míticas e lendárias eram recorrentes, reconfigurando essa paisagem das ilhas. Colocava-se o desafio de representar no vídeo essa paisagem da cidade, vista das ilhas, a partir das imagens que essas narrativas iam nos revelando.   Trabalhando em equipe, sob a direção das antropólogas Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert, iniciei a pesquisa sobre esse tema, junto a esse grupo, e acabei desenvolvendo minha dissertação de mestrado e a minha formação como antropólogo, a partir do duplo lugar de pesquisador e documentarista (gravando e editando em vídeo imagens da pesquisa) que se constituiu sobretudo em ouvinte/narrador das estórias descobertas no trabalho de campo. Nesse artigo, pretendo discutir como questões próprias da produção de um documentário sobre o tema da narrativa oral e da representação da paisagem em vídeo puderam ser recolocadas como um problema de pesquisa e representação da alteridade, como uma etnografia, cujo problema de interpretação é realizado a partir da imagem, e pela imagem.   Ao falarem sobre a paisagem do Arquipélago, sobre as ilhas, banhados e canais de navegação, a memória dos narradores trazia outras imagens que transformavam a representação dessa paisagem. Ao invés de tentar inserir os relatos dessas pessoas em um roteiro pré-dado, era preciso mergulhar nessas estórias, ouvi-las muitas vezes, para descobrir uma estrutura e um sentido que não estava oculto, mas expresso na fala dessas pessoas, e que traziam ao seu ouvinte uma outra imagem desse espaço, atravessada pelos muitos tempos que a narrativa revela

    A baía de todas as águas: conflito e territorialidade nas margens do Lago Guaíba

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    Este artigo tem como objetivo esclarecer como a questão ambiental tensionada pelos usos e cuidados com a água permite uma abordagem diferenciada da territorialidade urbana, ao situar determinados territórios urbanos atravessados por diferentes esferas éticas no contexto de uma bacia hidrográfica. Ao mesmo tempo, pretendo demonstrar como a temática dos conflitos de uso da água  têm a força socializadora de agregar muitas outras dimensões éticas da vida na cidade. Para tal, apresentarei alguns dados relativos ao evento Romaria das Águas realizado em 2003, em Porto Alegre, RS, assim como dados de pesquisa nas ilhas que compõem o Parque Estadual Delta do Jacuí, quanto a eventos, manifestações e situações em que pude acompanhar a dimensão política da questão da ocupação do solo e das águas do Delta do Jacuí

    A arte de dizer e a arte de crer: estudo antropológico de narrativa oral e sistemas de crença da Ilha Grande dos Marinheiros - Porto Alegre

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    Esse depoimento, na verdade, uma fala bem ensaiada e repetida muitas vezes, é um texto que Ricardo, um menino de 18 anos (na época) compôs para introduzir o tema de um documentário etnográfico1, produzido a partir de uma oficina de vídeo para adolescentes de classe popular, moradores da Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre. Fruto de um ano de trabalho, essa oficina de vídeo, e a produção desse documentário são a forma como iniciei minha etnografia (como professor da oficina) entre os moradores da ilha.   Hoje, já não sou o “professor”, nem pesquiso em conjunto com a equipe que realizou o vídeo (moradores da ilha e colegas de pesquisa em antropologia visual). Meu tema de pesquisa se desenvolve junto a velhos moradores da ilha, entre uma memória das transformações espaciais da ilha e o acompanhamento de suas práticas cotidianas. Parte dessa memória, e desse cotidiano, essas histórias “de arrepiar” continuam sendo recorrentes nas conversas do campo, e há mesmo um prazer (não só do pesquisador, mas dos narradores) em dar um lugar destacado a essas histórias nas conversas.   A partir de algumas reflexões surgidas com a disciplina de “Religião e Sociedade”, da qual participei no Programa de Pós-Gradução em Antropologia Social da UFRGS, muitas das práticas e sistemas de crenças de meus informantes começaram a ter maior relevo no contexto da pesquisa. Proponho aqui uma reflexão primeira em torno do conteúdo das histórias, de alguns temas recorrentes, com os sistemas de crença aos quais se encontram relacionadas as pessoas que narram essas histórias. Catolicismo popular, espiritismo kardecista, pentecostalismo se encontram então com as assombrações, com os lobisomens, com as bruxas, e outros.   Num segundo momento, proponho uma reflexão em torno da crença enquanto prática, relacionada com a trajetória religiosa dessas pessoas (e seus “usos da fé”), de encontro a prática da narrativa oral, da tessitura da narrativa, do próprio fazer que envolve não só a prática das formas modernas de crer, mas também da arte de narrar. Minha intenção, devido ao fato do presente estudo ser fruto de uma etnografia ainda em andamento, não é tanto formular grandes conclusões, mas buscar novas possibilidades de reflexão, a partir do pensamento antropológico sobre o tema da religião, junto a estudos de performance e narrativa.

    Apresentação

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    "Pra lá pra aquele lado lá tudo é assombrado": memória, narrativa, espaço fantástico e as questão ambiental

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    Esse trabalho apresenta, de forma resumida, algumas questionamentos que surgiram com a realização de minha dissertação de mestrado, quanto ao tema dos cruzamentos entre memória coletiva, narrativa oral e práticas cotidianas em contextos urbanos. A partir das lembranças narradas por antigos moradores da Ilha Grande dos Marinheiros, uma das dezesseis ilhas que formam o Bairro Arquipélago em Porto Alegre, pude investigar o ponto de vista de seus moradores sobre as transformações ocorridas na paisagem dos lugares em que moram e circulam na cidade. A pesquisa é parte do Projeto Integrado CNPq “Estudo Etnográfico sobre Memória Coletiva, Itinerários Urbanos e Formas de Sociabilidade no Mundo Urbano Contemporâneo” e também do projeto “Banco de Imagens e Efeitos Visuais”, coordenados pelas profs. Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha. Junto a essa equipe de pesquisa, composta por bolsistas e pesquisadores da graduação e da pós-graduação, venho comparando as investigações sobre memória e narrativa nas ilhas com as pesquisas em outros territórios da cidade de Porto Alegre

    Uma aventura no tempo: reflexões sobre a produção de um documentário etnográfico e os desafios de uma etnografia da duração

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    A intenção que moveu a escrita deste ensaio é o de refletir, após 10 anos, sobre o processo de produção do vídeo-pesquisa  A cidade e suas ruínas, que, nos primórdios do BIEV, se constituiu como um espaço paradigmático de “provocação” para os realizadores pensarem as poéticas sonoras e visuais na produção de novas narrativas etnográficas, em particular, de vídeos etnográficos sobre memória coletiva e patrimônio no mundo contemporâneo. O documentário aqui apresentado resulta, por parte dos pesquisadores, de numa tentativa de reunir as imagens captadas no trabalho de campo realizado em Porto Alegre, de 1997 a 1998, sobre os casarios e os sobrados antigos, em processo de demolição ou abandono, os quais, diante deste compasso de espera, em sua maioria foram re-apropriados por moradores ocasionais que se tornaram os cuidadores destes lugares. A pesquisa de campo ocorreu em inúmeros bairros da cidade de Porto Alegre (Centro, Menino Deus, Cidade Baíxa, Bonfim, etc.) e, no processo de registro destas edificações desde seu lugar numa rua ou avenida, foi acompanhada do registro dos testemunhos de personagens que ali encontravam. Para guiar esta viagem imersiva nos desígnios que acompanham as ruínas de antigos casarios e sobrados numa grande metrópole que se transforma no interior de uma tempo vertiginoso, habitam alguns destes casarios entrevistados ao longo do processo de etnografia, e para orientar nossos diálogos com seus moradores, a etnografia visual ( mais do que sonora) encontrou sua inspiração nas leituras da obra de G. Bachelard, A poética do espaço (1989) e a poética do devaneio (1993). Mais do que a realização de um vídeo-documentário, estamos aqui tratando de um documentário que se origina num vídeo-pesquisa, cujo principal sentido foi o desencadear, por meio do tratamento da imagem videográfica do fenômeno das ruínas e das forças de erosão e desagregação da matéria, um processo de reflexão sobre os modos de composição de narrativas sonoras e visuais sobre as feições da agitação temporal nas modernas sociedades contemporâneas, desde a perspectiva dos estudos da Antropologia urbana e da imagem

    A cidade e suas ruínas, pensando as ambições racionalistas de narrativas visuais

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    A intenção que move este artigo é de apresentar o vídeo-pesquisa A cidade e suas ruínas como um espaço de  provocação” para se discutir as poéticas visuais que sustentam uma narrativa etnográfica sobre os significados dos gestos e atos de destruição da paisagem urbana no quotidiano dos habitantes da cidade.O trabalho aqui apresentado se constitui numa tentativa de reunir as imagens captadas de sobrados antigos abandonados, os depoimentos de personagens sociais que habitam alguns destes casarios e as leituras da obra de Bachelard (1989) que compõem o Projeto Estudo antropológico de itinerários urbanos, memória coletiva e patrimônio etnológico no mundo contemporâneo1 num vídeo-documentário cujo principal objetivo é trazer à reflexão os modos de composição de narrativas audiovisuais sobre memória no campo das produções da Antropologia Visual.Segundo Simmel (1934), se as ruínas abandonadas revelam uma “passividade positiva”, “porque o homem se faz cúmplice da natureza, “permitindo a destruição” e “adotando uma maneira de agir que é oposta a sua verdadeira essência”, as ruínas habitadas “tomam o aspecto problemático, inquieto, muitas vezes insuportável, de lugares onde a vida se retirou e que, sem dúvida, entretanto, aparecem como recintos e  arcos de uma vida”.É, assim, nas fronteiras entre a alma que aspira uma transcendência”e o pensamento que se dirige à captura do mundo que os jogos da memórias se configuram. Obra humana, as ruínas de uma cidade e os seus moradores ocasionais, verdadeiros guardiães da memória de tais lugares, como no caso de Andriana Bohrer Maciel.Enquanto parte integrante dos registros documentais recolhidos ao longo da pesquisa, em particular no corpo do sub-projeto “Banco de Imagens e efeitos visuais: coleções etnográficas, patrimônio etnológico e itinerários urbanos” , com a coordenação de Ana Luiza Carvalho da Rocha, a obra gerada reflete sobre as metamorfoses da intriga gerada pela figura de Kronos devorador no como parte da operação configurante das narrativas contemporâneas sobre a Crise no mundo rbano-industrial. Da mesma forma, pertence ao campo de reflexão da obra produzida uma necessidade de ser refletir sobre a tradição literária do Ocidente2 que impregna a narrativa etnográfica em Antropologia, em particular, no caso da Antropologia Visual, mesclada das influências do romance e do cinema

    “Habitantes do Arroio”: Environmental Memory of the Urban Waters

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    This work discusses the theoretical and methodological advances of the project “Habitantes do Arroio”.This research investigates conflict and interdependence situations between different social groups,institutions and technicians using the waters of Arroio Dilúvio in Porto Alegre, Brazil. The researchuses documentary films about the environmental conditions of the basin, the socio-cultural diversity,ethos and world vision of its inhabitants. From the sources in the slope of the hills, passing by IpirangaAvenue until the Guaíba Lake, we found many of the contradictions and contemporary challenges aboutthe usage of and care for the water in the city. The memory of the transformation of the landscape of Arroio Dilúvio shows the relations among the socio-environmental realities of high-class neighborhoods,slums and working class neighborhoods. The research shows the urban environment by evoking imagesof conflict and contrast.Este trabalho apresenta os avanços teórico-metodológicos do projeto “Habitantes do Arroio”. Investigam--se as situações de conflito e interdependência entre grupos sociais diversos, instituições e técnicos daárea ambiental envolvidos cotidianamente com os usos das águas do Arroio Dilúvio, em Porto Alegre,RS, Brasil. A pesquisa se vale da produção e da exibição de documentários e narrativas visuais sobreas condições ambientais dos recursos hídricos, a diversidade sociocultural de representações simbólicas,ethos e visão de mundo das populações que habitam a bacia do Arroio Dilúvio. Das nascentes naencosta de morros, passando pela Avenida Ipiranga e chegando ao Lago Guaíba, encontramos muitasdas contradições e desafios contemporâneos dos usos e cuidados com a água na cidade. A memória datransformação da paisagem com a canalização do Arroio Dilúvio revela muitas inter-relações entre asrealidades socioambientais de bairros nobres, vilas e favelas, zonas comerciais e operárias, que podemser evocadas em imagens de um ambiente urbano que se percebe pelo conflito, pelo contraste

    "Pra lá pra aquele lado lá tudo é assombrado": memória, narrativa, espaço fantástico e as questão ambiental

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    Esse trabalho apresenta, de forma resumida, algumas questionamentos que surgiram com a realização de minha dissertação de mestrado, quanto ao tema dos cruzamentos entre memória coletiva, narrativa oral e práticas cotidianas em contextos urbanos. A partir das lembranças narradas por antigos moradores da Ilha Grande dos Marinheiros, uma das dezesseis ilhas que formam o Bairro Arquipélago em Porto Alegre, pude investigar o ponto de vista de seus moradores sobre as transformações ocorridas na paisagem dos lugares em que moram e circulam na cidade. A pesquisa é parte do Projeto Integrado CNPq “Estudo Etnográfico sobre Memória Coletiva, Itinerários Urbanos e Formas de Sociabilidade no Mundo Urbano Contemporâneo” e também do projeto “Banco de Imagens e Efeitos Visuais”, coordenados pelas profs. Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha. Junto a essa equipe de pesquisa, composta por bolsistas e pesquisadores da graduação e da pós-graduação, venho comparando as investigações sobre memória e narrativa nas ilhas com as pesquisas em outros territórios da cidade de Porto Alegre
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