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Vera e Fábio: novas pinceladas nos Frescos de Pompeia
Lívia Borges apresenta um
segundo romance da saga
Frescos de Pompeia. Digo
«um» segundo e não «o» segundo,
pois, como a autora
tem revelado nas apresentações,
quer de Julia Felix,
o seu primeiro romance (v.
Cultura.Sul, de agosto de
2011), quer deste, os seus
livros foram desenhados
como fazendo parte de um
todo (alguns já estão mesmo
completamente escritos),
constituindo, no final,
um vasto fresco da vida em
Pompeios*, na época imperial.
Este segundo romance
de Lívia Borges tem como
personagem principal uma
escrava, que aparecia muito
secundariamente no
primeiro romance. Por seu
lado, Julia Felix entra aqui,
não como protagonista, mas
como antagonista e propiciadora
de muitas situações
difíceis que Vera tem de viver
e suportar. Uma forma
inteligente de nos prender
a uma coleção e de nos fazer
ansiar pelo volume seguinte.
E, apesar de haver uma relação
lógica entre eles, a nossa
ordem de leitura pode ser
variável. Um desafio
Quando a transgressão é norma: a religião grega em progresso
Este trabalho é o resultado de uma reflexão sobre a relação entre homem
e divindade e as questões que a partir desta se levantam, nomeadamente
a relação tomada quer de um ponto de vista individual, quer de um ponto
de vista de grupo.
Dentro das possibilidades que esta equação permite, interessa-me
sobretudo a relação que o homem estabelece com o divino através de rituais
de iniciação que, por sua vez, implicam a participação colectiva. Esta forma
de relacionamento homem/divindade ultrapassa (apesar das necessárias
coincidências) as aventuras dos deuses que as histórias da mitologia nos
trouxeram. A ênfase deste artigo será dada aos aspectos transgressores dos
cultos. Isto é, o que devia ser considerado como transgressão é norma em
determinadas e delimitadas circunstâncias
Contos recontados
Cidália Bicho conhece academicamente
muito bem os contos
tradicionais, pois foi esse
o tema do seu mestrado em
Literatura Oral e Tradicional,
porém, o seu interesse, com
este livro, é poder passar a outros
(em primeiro lugar, ao seu
filho Gonçalo) as histórias que
lhe contaram em criança, que
fizeram parte da sua formação.
E como «quem conta um conto
acrescenta-lhe um ponto», este
livro é a sua forma de contribuir
para a tradição. Numa época em
que muitos pais e avós, tantos
destes jovens e ainda ativos profissionalmente,
não têm capacidade
para continuar essa cadeia
– que se esperaria inquebrável –
de transmissão oral desse material,
o aparecimento desta obra
faz todo o sentido.
O livro tem quatro contos,
todos eles passados no tempo
em que os animais falavam, protagonizados
por um lobo matreiro
e uma raposa vaidosa que
vivem várias aventuras.
Como contar estas histórias,
que eram tradicionalmente ouvidas?
Que tipo de linguagem
escolher? Terá de haver uma
moral evidente?
Consciente ou não destes desafios,
o livro de Cidália Bicho
tem em conta estas preocupações
O Diário Oculto de Nora Rute, de Mário Zambujal
É sempre um prazer e um
desafio ler os livros de Mário
Zambujal. Desde o marco que
foi o sucesso do seu primeiro
romance, Crónica dos bons malandros,
que o deslocou da referência
como jornalista (que
nunca deixou de ser) e o colocou
no rol dos nossos autores
de literatura, a sua produção
tem continuado a dar-nos
bons momentos
A criação literária e o Algarve, no Algarve ou do Algarve? Reflexões sobre literatura regional(ista)
Em resultado da conversa informal que foi o Quintas de Cultura – Criar Letras, foi-me sugerido que desenvolvesse
algumas reflexões das quais resultou este trabalho, que intitulei, inicialmente, «A criação literária e o Algarve». Porém, várias
questões se foram levantando e, no final, o título alongou-se para «no Algarve ou do Algarve», em forma de interrogação.
O verbete «Algarve», da autoria de David Mourão-Ferreira,n’ O Dicionário de Literatura, serviu de ponto de partida para
ajudar a equacionar a problemática: «Para uma estimativa geográfica da literatura portuguesa foi assaz tardia, embora muito
característica, a contribuição do Algarve, quer como berço de grandes escritores, quer como tema, tópico ou motivo de obras significativas» (Coelho, 1987, p. 37)
A Ilíada de Homero adaptada para jovens por Frederico Lourenço
É sempre um prazer
ler o que Frederico Lourenço
(professor de clássicas da Universidade
de Coimbra) escreve.
E escreve muito bem, seja como
académico, seja como romancista,
poeta, tradutor de autores
gregos, reconhecido e premiado
pelas suas magníficas traduções
dos poemas homéricos Ilíada e
Odisseia. A editora Livros Cotovia,
que tem publicado a sua obra, é
quem agora também apresenta
esta sua adaptação para jovens
do mais antigo texto literário da
cultura ocidental.
A Ilíada é uma obra do séc. VIII
a.C., atribuída a Homero, descrita
assim pelo tradutor, na introdução
(p.7) à sua edição de 2005:
«no fim de uma longa tradição
épica oral, surge este canto de
sangue e lágrimas, em que os
próprios deuses são feridos e os
cavalos do maior herói choram».
Quem a leu, imagina o que terá
sido o desafio de a adaptar para
jovens. Quem a não leu, pode
supor que adaptar uma longa
obra de guerra e emoções não
deverá ser fácil, sem que se percam
elementos fundamentais
que já foram perpetuados por
mais de 2.500 anos de leitores e
leituras sucessivas. Mas Frederico
Lourenço consegue fazer esse difícil
trabalho com muito sucesso
Lisboa revisitada por Teolinda Gersão n’A Cidade de Ulisses
Ultimamente, neste espaço
do Cultura.Sul, tenho escrito
sobre livros publicados há
pouco tempo, mas isso tem
acontecido por pura obra do
acaso. Hoje, ao percorrer as
prateleiras da minha biblioteca,
parei na lombada azul de
A Cidade de Ulisses, de Teolinda
Gersão, datado de 2011 (o que,
para quem gosta de livros com
mais de 2000 anos, convenhamos
que até pode ser considerado
muito recente).
Dividido em três capítulos, é
o último (da p.159 à 206) que
dá o nome ao livro, como se a
cidade fosse o ponto de partida
(o título) e de chegada
(o capítulo final), como um
ciclo que se completa, depois
de muitas voltas e reviravoltas
no percurso das personagens.
Este é um livro muito interior,
em forma de carta, onde
o narrador expõe a sua vida, os
seus amores, os seus mais íntimos
pensamentos e ações. Inclusivamente,
confessa vilezas,
algo pouco comum, como já
Fernando Pessoa ironizava no
seu «Poema em Linha Recta»:
Quem há neste largo mundo que
me confesse que uma vez foi vil?
Fernando Pessoa que também
apadrinha a exposição que o
narrador, um artista plástico,
elabora com/para aquela
que pensa ter sido a mulher
da sua vida, «Lisbon Revisited,
numa nova versão, assinada
por nós» (p.16)
Percorrendo as capelinhas: comida e afetos
O ato de comer está intimamente
ligado aos afetos.
Os bebés sabem disso muito
bem, tal como nós, que vamos
acumulando, ao logo da
vida, memórias de momentos
saborosos, que valeram pelo
paladar, sim, mas muito mais
pela companhia.
Chegaram à minha biblioteca,
recentemente, dois livros
que me fizeram recordar um
terceiro que aqui estava já há
uns anos. Como gosto de cozinhar,
tenho muitos livros de
culinária, mas estes três são
especiais: todos eles falam de
comidas e de receitas, é certo,
mas, têm muito mais do que
isso e, a mim, todos eles, por
razões diferentes, me falam ao
coração
Os rostos de Jano: reflexões sobre a avaliação nas aulas de latim
O título desta comunicação cita o prefácio de um livro, onde se afirma que a natureza da avaliação é essencialmente dupla. Foi precisamente o autor desse livro, o Professor Figari (doutorado em Ciências da Educação e especialista em avaliação), após uma conversa informal, quem me incentivou a escrever sobre o modo como avaliava os alunos. Não vou entrar em pressupostos teóricos nem pretendo estabelecer um modelo, mas tão só apresentar o sistema de avaliação que tenho vindo a construir ao longo de dez anos no ensino e as reflexões que tenho vindo a fazer da minha experiência pessoal (como docente e discente no Ensino Superior) e dos que me rodeiam
"A beleza é o grau mais elevado da verdade", "Os Memoráveis", de Lídia Jorge
Foi um prazer ler o último
romance de Lídia Jorge, editado
em março último, pela
Dom Quixote.
E as razões foram muitas.
Porque fala de um dia da
nossa história que me diz
bastante: o 25 de abril de
1974. Apesar de ter dele apenas
uma vaga ideia, foi sendo
sempre falado na minha
família e faz parte do meu
presente.
Porque reconheço grande
parte da história ali contada,
fazendo-me sentir cúmplice,
quer do texto, quer dos
acontecimentos.
Porque o romance é um
género que faz falta para
contar a História. É um modo
de chegar a muito mais gente
que, depois de o ler (ou enquanto
o vai lendo), vai ter
vontade de ir procurar os
outros livros – os de História
não romanceada – para
aprender sobre as horas daquela
noite de 24 para 25 e
sobre os seus protagonistas.
Apesar da «transfiguração literária
», como se lê na nota
de edição, quem sabe se não
os reconhecerá?
E saltando muitas outras
razões, porque é um livro
muito bem escrito. As pontas
que vão sendo soltas ao
longo da narrativa juntam-se
em outros momentos, completando
quadros de sentido.
Ana Maria Machada, a narradora,
como participante da
história, sabe tanto como nós
sobre o que pensam as outras
personagens, mas sabe um
bocadinho mais do que, em
certos momentos, conta. Por
exemplo, quando a equipa
de reportagem entrevista a
viúva de um dos capitães de
Abril (que percebemos ser
Salgueiro Maia, apesar de
apenas ser referido pela sua
«alcunha doméstica», isto é,
pelo nome que a mãe de Ana
Maria lhe dera: Charlie 8) e
tenta conseguir que esta diga
quem queria mal ao marido,
perante a relutância em acusar
alguém, a «Machadinha»
afirma «Nós sabíamos, mas
não tão bem como ela, que as
vinganças de que foram vítimas
ele e os outros como ele,
tinham tido autores concretos,
nomeáveis,
intérpretes e responsáveis,
colocados no topo das
estruturas criadas num país
onde passara a haver liberdade
para legitimar tudo e o
seu contrário» (p. 249)
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