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    Caça de subsistência e conservação na Amazônia (reserva extrativista rio Xingu, Terra do Meio, Pará) : ecologia da caça e avaliação de impactos na fauna

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    Tese (doutorado)—Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia, Programa de Pós-Graduação em Ecologia, 2013.Investigamos a caça e avaliamos os efeitos desta atividade e da presença humana em populações de mamíferos. O estudo foi realizado na Reserva Extrativista Rio Xingu (RESEX), com densidade demográfica de cerca de 0.08 pessoas/km2. Ela localiza-se na Terra do Meio, região inserida num vasto mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, alvo de conflitos fundiários e de crescente desmatamento pela expansão da fronteira agropecuária. Avaliamos o efeito da caça na estrutura etária de queixadas (Tayassu pecari) em sete áreas (a RESEX e outras seis Terras Indígenas próximas) que diferiam no número de habitantes, que utilizamos como indicativo de pressão de caça. Obtivemos 486 crânios de animais caçados e os classificamos em quatro faixas etárias, com base na erupção e desgaste dentário. Não encontramos diferenças na estrutura etária relacionada aos níveis de exploração de caça. As diferenças nos níveis de pressão podem ter sido insuficientes para alterar a estrutura etária ou os queixadas, por características de sua ecologia comportamental (como estrutura social e mobilidade), podem minimizar possíveis efeitos da caça em sua estrutura etária. Investigamos também as atividades de caça e consumo de animais silvestres na RESEX, avaliando a composição de espécies caçadas, a extensão das áreas utilizadas e o efeito das distâncias percorridas à partir das residências na captura de queixadas. Obtivemos 155 entrevistas de recordação de caçada (279 animais caçados de 13 espécies) e 162 entrevistas de consumo (486 refeições e 515 itens animais consumidos). O consumo de pescado diminuiu de importância no período chuvoso (localmente chamada de inverno), passando de 45% para 34%, na época de menor precipitação (verão). Com uma variação oposta, a caça aumentou no inverno, variando de 28% (verão) a 34% dos itens animais consumidos.Em relação às espécies caçadas, os queixadas compuseram 63% dos animais caçados no inverno e 31% no verão. Já as pacas (Cuniculus paca) variaram no sentido oposto (3% e 27%, respectivamente). As atividades de caça concentraram-se nas proximidades das residências (até 4.1km de distância) e do rio Xingu, já que as residências localizam-se às margens deste. A caça de um número pequeno de espécies, alta dominância de queixadas e a aparente inexistência de variação do número de queixadas (a espécie mais importante) e biomassa capturados por caçada em relação à distância das residências sugerem um impacto de caça relativamente baixo. Além disso, utilizamos armadilhas fotográficas (1818 armadilhas-dia) e modelos de ocupação pra investigar os efeitos da caça e o uso do espaço pelas pessoas (distância das residências e densidade demográfica) em queixadas, antas (Tapirus terrestris) e cutias (Dasyprocta leporina). Avaliamos também covariáveis relacionadas à sazonalidade (precipitação e nível dos rios), distância do rio Xingu e vegetação (terra firme ou sazonalmente inundável). Encontramos pouco efeito das variáveis relativas à presença humana na ocupação e probabilidade de captura das espécies avaliadas. Os queixadas tiveram uma menor probabilidade de captura nos locais próximos às residências (até 2km) e as antas apresentaram uma menor probabilidade de ocupação nas áreas próximas ao rio Xingu, que pode estar relacionada à caça ser mais intensa nestes locais. O efeito da pressão antrópica na cutia foi ambíguo e baixo. Em conjunto, nosso dados apontaram para um efeito relativamente baixo da caça nas populações exploradas. Isto deve estar relacionado à baixa densidade demográfica, à existência de extensas áreas não caçadas nas proximidades e à oferta de pescado. No entanto, a caça ocorreu principalmente nas proximidades do rio Xingu. Na Amazônia, áreas próximas aos grandes rios normalmente são mais produtivas e possuem uma maior biomassa de mamíferos. Isto pode ter minimizado ou mascarado os impactos da caça. Sugerimos que seja implementado um programa participativo de monitoramento de fauna e se inicie a discussão de regras de uso com os moradores. Sugerimos também o monitoramento da pesca e estoques pesqueiros, já que os moradores manifestaram preocupação com a diminuição da produtividade pesqueira. _______________________________________________________________________________________ ABSTRACTWe investigated hunting and assessed the effects of this activity and the human presence on the population of mammals. The study was conducted at the Xingu River Extractive Reserve (XER), where the human population density is around 0.08 inhabitans/km2. It is located in the ‘Terra do Meio’, which is inserted into a large mosaic of Protected Areas and Indigenous Lands. This region is affected by land tenure conflicts and increasing deforestation. We evaluated the effects of hunting on the age structure of white-lipped peccaries (Tayassu pecari) in seven sites (the XER and six surrounding Indigenous Lands). We used the number of inhabitants per site as an indicator of hunting pressure. We classified 486 skulls of hunted animals in four age groups, using teeth eruption and wear. No age differences related to exploitation levels were found. The differences in hunting pressure among sites may be insufficient to produce changes on age structure. Beside that some aspects of behavioral ecology of peccaries (specially related to social structure and mobility) seems to minimize possible effects of hunting. We also investigated hunting activities and consumption of wild animals in the XER, evaluating the species hunted, the extension of the hunted areas and the effect of the distance from household to hunting location on biomass and number of whitelipped peccaries caught per hunting activity. We made 155 interviews on hunting activities (279 animals caught, 13 species) and 162 on daily consumption (486 meals and 515 animal items consumed). Fish consumption decreased in relevance in the rainy season (locally called winter), from 45% to 34% of animal items consumed. The hunting showed an opposite variation, responding to 34% of animal items consumed in winter and 28% in summer (drier period). In relation to animals hunted, the white-lipped peccaries represented 63% of total animal hunted in winter and 31% in summer whereas pacas (Cuniculus paca) showed an opposite variation (3% and 27%, respectively). Hunting activities were concentrated in the areas next to households (not far than 4.1 km) and to the Xingu river. The hunt of a small number of species, high predominance of peccaries and apparent lack of relation between the distance from residences and the amount of white-lipped peccaries or biomass caught suggest a relatively low impact of hunting. We also used camera traps (1,818 trapping-days) and occupancy models to investigate the effects of hunting and the use of space by people (distance and density of households) on white-lipped peccaries, Brazilian tapirs (Tapirus terrestris), and agoutis (Dasyprocta leporina). We also assessed the effects of covariates related to seasons (rainfall and river level), distance to Xingu River and vegetation (“terra firme” or seasonally flooded forests). The species most affected by human presence was the white-lipped peccary. Tapirs had a lower occupancy nearby the Xingu River, which might be related to a higher hunting pressure in these areas. The effects of anthropic pressure on agoutis were both ambiguous and small. Our results indicated a relatively low effect of hunting on the harvested populations. This could be related to low human density, to large non-hunted areas that might act as source of animals, and to the importance of fish as source of food. Moreover hunting occurred mainly in the areas close to the Xingu River. In the Amazon, the areas close to the big rivers tend to have greater productivity and higher mammal biomass. This may have minimized or masked the impacts of hunting. We suggest the implementation of a participatory monitoring program of hunting activities and also of faunal use regulation, to be discussed with all stakeholders. The monitoring of fishing and fish stocks is also needed. The local population have expressed their concerns with the decrease of fishing productivity

    Unidades de conservação e proteção contra incêndios florestais: relação entre focos de calor e ações articuladas pelas brigadas contratadas

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    A efetividade das unidades de conservação (UCs) na proteção contra incêndios florestais relaciona-se à capacidade destas em impedir a ocorrência de queimadas com causas antrópicas em seu interior. A formação de brigadas de prevenção combate a incêndios, programa iniciado em 2001, reforçou a estrutura de proteção existente previamente. Para avaliar o efeito da criação das brigadas, comparamos a densidade de focos de calor (focos / km2, satélite NOAA-12) no interior e em uma faixa de 10 km no entorno das unidades. Avaliamos 37 UCs, cujos critérios de seleção foram: ter área mínima de 10.000 hectares e brigada formada entre 2001 e 2004, logo pós a criação do programa. Utilizamos dois períodos nas análises: anterior (1999-2000) e posterior (2005-2006) à criação das brigadas. Não encontramos evidência no período anterior que a densidade de focos no interior das UCs fosse diferente de seu entorno (Z=1,027, p=0,304). Já no período posterior, foi registrada densidade 76% menor nas UCs que em seus entornos (Z=-2,663, p=0,008). A avaliação da evolução temporal, por outro lado, não evidenciou qualquer redução do número de focos de calor nas UCs entre os dois períodos (Z=0,854, p=0,393), mas um aumento na densidade de focos ocorridos nos entornos das UCs (Z=-2,617, p=0,009). Estes resultados evidenciam um aumento da proteção a incêndios florestais conferido às UCs após a criação das brigadas, quando comparada às densidades de interior e entorno das áreas, mas não quando comparamos a evolução das densidades de focos no interior das mesmas. Isso se deve ao fato deste método não incorporar mudanças causadas por fatores extrínsecos às Unidades (ex. clima e aumento da pressão antrópica). Com isso, a variação de focos de calor parece ser um indicador pouco preciso para a avaliação das ações de proteção implementadas. A comparação das densidades de focos no interior e fora deve ser utilizado preferencialmente, quando o entorno atender a premissa de representar o grau de pressão regional a que a UC está sujeita

    A caça e o caçador: uma análise crítica da Legislação Brasileira sobre o uso da fauna por populações indígenas e tradicionais na Amazônia

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    A caça, além de prover o sustento de populações tradicionais, indígenas e não-indígenas, em áreas remotas, vem também assumindo função socialmente estruturante nessas sociedades. Neste artigo, conceituamos a caça de subsistência para além da visão preservacionista, preponderante nos campos das ciências ambientais e jurídicas, e oferecemos uma perspectiva integrada que contempla aspectos ecológicos, sociais, econômicos e legais. Apesar de os impactos demográficos e ecossistêmicos frequentemente atribuídos à caça de subsistência serem bem documentados, mecanismos naturais intrínsecos de recuperação populacional, tais como taxa reprodutiva, dinâmica fonte-sumidouro ou acordos locais, demonstram a resiliência dos sistemas socioecológicos à extração da fauna, constituindo uma grande janela de oportunidades para a conservação de espécies cinegéticas em sistemas de manejo in situ. Embora legalmente o “caçador de subsistência” seja explicitamente definido apenas no Estatuto do Desarmamento (Lei n° 10.826/2003), o direito à caça de subsistência é (ou deveria ser) respaldado pelo princípio universal de dignidade da pessoa humana, previsto, mais amplamente, na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas e na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Tal direito também é reconhecido pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), abrangendo populações humanas rurais em constante estado de necessidade, seja pela imediata necessidade de saciar a fome (conforme definição na Lei de Crimes Ambientais), seja porque tais populações residem em regiões onde caça e pesca são  geralmente as principais fontes de proteína de origem animal. Por se tratar de uma das mais antigas práticas de obtenção de alimento, inerente à reprodução física e cultural das populações tradicionais, o direito de caçar encontra respaldo, no Brasil, em um arcabouço legal amplo, incluindo a adesão à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo Decreto n° 5.051/2004, à Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT – Decreto n° 6.040/2007) e ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei n° 9.985/2000). No entanto, as contradições legais (entre leis preservacionistas e as que promovem os direitos humanos e o uso sustentável dos recursos naturais) e sua discricionariedade interpretativa sobre termos que carecem de conceituação ou definição (“caça de subsistência”, “estado de necessidade”) permanecem, prevalecendo o caráter proibitivo e repressivo à caça de subsistência desde a publicação da Lei de Proteção à Fauna (Lei n° 5.197/1967). O resultado é a perpetuação do quadro de inseguridade social, nutricional e jurisdicional dos caçadores de subsistência. A ausência de regulamentação da prática da caça de subsistência impede o desenvolvimento de ferramentas efetivas e participativas de conservação e manejo da fauna, e a consequente valorização dos recursos e ecossistemas naturais
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