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Para não ser uma bicha da favela: uma etnografia sobre corpo, sexualidade e distinção social
Tanto na literatura científica disponível sobre pessoas trans quanto no senso comum, é frequente a referência a um corpo que mescla características convencionalmente masculinas e femininas como um corpo prototravesti ou pretransexual. Este trabalho, que tem o propósito de pôr em revista tal premissa, consiste em um estudo etnográfico com um jovem negro de classe popular cuja apresentação visual se enquadra nesse perfil (de inconformidade de gênero). No curso da pesquisa foi possível observar, a partir da compreensão do corpo como um capital, um processo de desfeminilização levado a cabo por meu interlocutor, orientado pela necessidade de inserção no mercado de trabalho e por um ávido desejo de ascender socialmente. Esta etnografia, ao complicar a linearidade do chamado modelo progressivo ou etapista de identidade trans, termina por lançar luz para as possíveis condições de emergência da identidade gay em um contexto periférico. Enquanto uma atribuição respeitável, esta é acionada em oposição às vexatórias categorias de bicha e viado, e reclama um expediente de afastamento moral de seus vizinhos da favela por parte do sujeito etnográfico. Articula-se nessa laboriosa fabricação de identidade sexual não apenas o gênero como também a classe e o poder de consumo. Por fim, argumento que o projeto de mobilidade ascendente é a chave para a mediação e compreensão da transformação corporal operada. Através de um roteiro por vezes claudicante, meu colaborador de pesquisa busca recursos para perseguir o sonho de um diploma universitário, apostando em um poderoso encontro entre capital corporal e cultural.Both in the available scientific literature regarding transgender persons and in common sense, we find reference to a body, which mixes conventionally masculine and feminine characteristics like a pre-transsexual. The present research, which aims to reconsider such a premise, consists in an ethnographic study of a black working class young whose visual self-presentation fits this profile (of gender nonconforming). In the course of the research, it was possible to observe, based on an understanding of the body as capital, a process of defeminization undertaken by my interlocutor, aimed to fulfill a need to integrate themselves into the labor market and from an avid desire for social ascension. This ethnography, by complicating the linearity of the socalled progressive or step-by-step model of transgender identity, ends up shedding light on the possible conditions of emergence of gay identity on the urban outskirts. As a respectable attribution, it is used in opposition to the derogatory categories of faggot/queer (“bicha”, “viado”), and claims an imperative of moral withdrawal from his neighbors in the shantytown (“favela”) on the part of the ethnographic subject. Not only gender but also class and buying power are articulated in this laborious fabrication of sexual identity. Finally, I argue that the project of ascendant mobility is the key to the mediation and understanding of the bodily transformation operated. Through an at times uneven script, my research partner seeks the resource to pursue the dream of a university diploma, betting on the powerful meeting point between bodily and cultural capital
Para não ser uma bicha da favela: uma etnografia sobre corpo, sexualidade e distinção social
Tanto na literatura científica disponível sobre pessoas trans quanto no senso comum, é frequente a referência a um corpo que mescla características convencionalmente masculinas e femininas como um corpo prototravesti ou pretransexual. Este trabalho, que tem o propósito de pôr em revista tal premissa, consiste em um estudo etnográfico com um jovem negro de classe popular cuja apresentação visual se enquadra nesse perfil (de inconformidade de gênero). No curso da pesquisa foi possível observar, a partir da compreensão do corpo como um capital, um processo de desfeminilização levado a cabo por meu interlocutor, orientado pela necessidade de inserção no mercado de trabalho e por um ávido desejo de ascender socialmente. Esta etnografia, ao complicar a linearidade do chamado modelo progressivo ou etapista de identidade trans, termina por lançar luz para as possíveis condições de emergência da identidade gay em um contexto periférico. Enquanto uma atribuição respeitável, esta é acionada em oposição às vexatórias categorias de bicha e viado, e reclama um expediente de afastamento moral de seus vizinhos da favela por parte do sujeito etnográfico. Articula-se nessa laboriosa fabricação de identidade sexual não apenas o gênero como também a classe e o poder de consumo. Por fim, argumento que o projeto de mobilidade ascendente é a chave para a mediação e compreensão da transformação corporal operada. Através de um roteiro por vezes claudicante, meu colaborador de pesquisa busca recursos para perseguir o sonho de um diploma universitário, apostando em um poderoso encontro entre capital corporal e cultural.Both in the available scientific literature regarding transgender persons and in common sense, we find reference to a body, which mixes conventionally masculine and feminine characteristics like a pre-transsexual. The present research, which aims to reconsider such a premise, consists in an ethnographic study of a black working class young whose visual self-presentation fits this profile (of gender nonconforming). In the course of the research, it was possible to observe, based on an understanding of the body as capital, a process of defeminization undertaken by my interlocutor, aimed to fulfill a need to integrate themselves into the labor market and from an avid desire for social ascension. This ethnography, by complicating the linearity of the so-called progressive or step-by-step model of transgender identity, ends up shedding light on the possible conditions of emergence of gay identity on the urban outskirts. As a respectable attribution, it is used in opposition to the derogatory categories of faggot/queer (“bicha”, “viado”), and claims an imperative of moral withdrawal from his neighbors in the shantytown (“favela”) on the part of the ethnographic subject. Not only gender but also class and buying power are articulated in this laborious fabrication of sexual identity. Finally, I argue that the project of ascendant mobility is the key to the mediation and understanding of the bodily transformation operated. Through an at times uneven script, my research partner seeks the resource to pursue the dream of a university diploma, betting on the powerful meeting point between bodily and cultural capital.CAPES - FAPES