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Implementação de um sistema experimental e aplicação metrológica para a materialização do OHM e calibração de resistências-padrão
Tese de doutoramento, Física (Física), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2011O tema deste trabalho insere-se no domínio da Metrologia Eléctrica a nível
primário, consistindo na especificação, implementação e optimização de um sistema
experimental de Efeito Hall Quântico (EHQ) e sua aplicação metrológica à calibração
absoluta de resistências-padrão. Integra-se na actividade de um Laboratório Primário de
Electricidade, que tem como principais objectivos a manutenção de padrões e o
desenvolvimento de novas capacidades, garantindo e assegurando a rastreabilidade
nacional.
Sendo, até ao momento, a rastreabilidade nacional no domínio da resistência DC
assegurada pela calibração de artefactos efectuada no Bureau International des Poids et
Mesures, foi considerada para a calibração absoluta de padrões convencionais, a definição
de um padrão quântico nacional, através do Efeito de Hall Quântico e a implementação de
um Sistema Potenciométrico, tendo como base um padrão quântico de tensão de Josephson.
Isto permite a materialização da unidade ohm, com incertezas típicas da ordem de algumas
partes em 108.
O Efeito Hall Quântico é um padrão intrínseco que proporciona a obtenção de uma
referência imutável de resistência DC relacionando-a com constantes fundamentais. É
actualmente utilizado pela maioria dos NMI para manter, disseminar e definir a unidade
nacional de resistência, permitindo ainda ultrapassar as questões da não uniformidade da
rastreabilidade internacional. A reprodutibilidade actualmente alcançada é
aproximadamente de duas ordens de grandeza superior à incerteza da determinação do ohm
no Sistema Internacional de Unidades (SI).
A descoberta do EHQ, em 1980, veio permitir basear a representação do ohm em
constantes fundamentais, e, assim, a materialização de um padrão primário de resistência
eléctrica através de um padrão quântico. O EHQ é observado em amostras de
semicondutores, nas quais os electrões portadores de corrente eléctrica se encontram
confinados no interior de uma camada gasosa bidimensional (2DEG), quando submetidas a
campos magnéticos intensos (alguns tesla) e arrefecidas a temperaturas da ordem de 1 K.
Nestas condições e representando graficamente a variação com o campo magnético das
diferenças de potencial, medidas longitudinal e transversalmente numa amostra de Hall,
percorrida longitudinalmente por uma corrente constante, verifica-se que em determinados
intervalos de campo magnético, a primeira se reduz a valores próximos de zero, enquanto a
segunda se mantém constante. Nestes intervalos, em que o valor da resistência de Hall, dado pelo quociente entre a diferença de potencial transversal à amostra e a corrente, se
mantém constante, designados por patamares de Hall, observa-se a seguinte relação:
2
K
H ie
h
i
R
R (i) = =
sendo RK a constante de von Klitzing, i um número inteiro característico da identificação do
patamar, h a constante de Planck e e a carga elementar. Da relação anterior, obtém-se que
RK é igual ao valor da resistência quantificada, correspondente ao patamar i = 1,
RH (1)= h / e2.
De acordo com a 6ª Resolução da 18ª Conferência Geral de Pesos e Medidas
(CGPM) e das Recomendações 1 e 2 do Comité Internacional dos Pesos e Medidas (CIPM),
a partir de 1 de Janeiro de 1990 a representação do ohm passou a basear-se no valor
convencionalmente adoptado para a constante RK−90 igual a (25 812,807 ± 0,005) W.
O método implementado neste trabalho para a transferência de valores óhmicos de
amostras de Hall quantificadas para resistências-padrão convencionais baseia-se na
utilização de um padrão quântico de tensão DC, obtido através do Efeito Josephson (EJ),
para a medição de quedas de potencial no método potenciométrico.
O efeito Josephson, descoberto em 1962 é observado quando dois eléctrodos
supercondutores, separados por uma camada isoladora de pequena espessura, junção de
Josephson, são arrefecidos abaixo da sua temperatura de transição (T @ 4,2 K). Quando uma
junção de Josephson é exposta a radiação de microondas de frequência f (@ GHz) e se varia
o valor da corrente de polarização, a sua curva característica tensão/corrente apresenta uma
série de degraus de tensão. Em cada um destes degraus o valor da tensão de Josephson, VJ,
é dado por:
2e
n f h
V (n) J =
sendo n (inteiro) identificativo do número de degraus. O valor da tensão quantificada de
Josephson é função da frequência, cuja medição é efectuada actualmente com valores de
exactidão da ordem de 10-13.
À semelhança da unidade ohm, a partir de 1 de Janeiro de 1990 a representação do
volt passou a basear-se no valor convencionalmente adoptado para a constante de Josephson
KJ-90 igual a 483 597,9 GHz · V-1. Para a implementação dos sistemas experimentais referidos, bem como para a
obtenção de um padrão primário quântico de resistência DC que melhor se adequasse ao
desempenho e às características pretendidas foi necessário:
• Especificar os parâmetros técnicos para a implementação do sistema de EHQ;
• Efectuar a montagem, integração e teste dos equipamentos de per si e do sistema
global;
• Realizar estudos comportamentais e de caracterização de heteroestruturas de
GaAs/AlGaAs, utilizadas neste trabalho como amostras de Hall, avaliando os seguintes
parâmetros: corrente crítica, resistência de contactos, temperatura, campo magnético e
exactidão do valor quantificado do patamar;
• Implementar o método potenciométrico de Josephson, permitindo efectuar a calibração
absoluta de resistências-padrão e a sua disseminação para os restantes valores óhmicos;
• Desenvolver e implementar uma fonte de corrente contínua de elevada estabilidade
(» 10-8), recorrendo a pilhas de mercúrio e referências electrónicas de tensão (tipo
zener);
• Desenvolver algoritmos para a implementação de módulos aplicacionais para a
completa automatização e controlo dos referidos sistemas, com vista à execução da
aquisição, processamento, análise e gestão de dados;
• Definir modelos matemáticos para a determinação de incertezas associadas aos
sistemas considerados, avaliando as diversas componentes presentes no respectivo
balanço de incertezas de acordo com os princípios e os requisitos estabelecidos quer
pela metodologia expressa no documento Guide to the Expression of Uncertainty in
Measurement – GUM quer considerando o método probabilístico de simulação
numérica de Monte Carlo.
O desenvolvimento deste trabalho contou, numa fase inicial, com os recursos
laboratoriais que o Laboratório de Medidas Eléctricas (LME) do INETI obteve através do
financiamento proporcionado pelo projecto POE 3/00200, Medida 3.1, Acção B2 –
“Modernização do Laboratório de Medidas Eléctricas”.
A conclusão do trabalho, nomeadamente, a implementação do sistema experimental
relativo ao potenciómetro de Josephson, para a calibração absoluta de resistências-padrão
convencionais, tendo como referência o valor quantificado de uma amostra de Hall, e para a
realização da comparação de padrões permitindo a sua disseminação, beneficiou da instalação de duas câmaras blindadas nas novas instalações do Laboratório de Electricidade,
operacionais desde Janeiro de 2009, no Instituto Português da Qualidade (IPQ).
A realização deste trabalho tornou possível a definição nacional da unidade de
resistência eléctrica através de constantes fundamentais, assegurando, a nível primário, a
sua rastreabilidade, materializada por um padrão intrínseco e universal, e permite a
calibração de resistências-padrão convencionais e a disseminação da unidade com valores
de incerteza da ordem de 10-8.
A dissertação está organizada em sete capítulos:
Capítulo 1 – descreve a actual situação metrológica, os objectivos considerados e as opções
adoptadas.
Capítulo 2 – efectua um enquadramento histórico do SI, da evolução das unidades no
domínio eléctrico, da sua definição e representação.
Capítulo 3 – apresenta alguns dos aspectos teóricos relativos aos efeitos quânticos de
Josephson e Hall, bem como as respectivas aplicações metrológicas.
Capítulo 4 – descreve os sistemas experimentais implementados e o seu controlo e
automatização.
Capítulo 5 – introduz as duas abordagens consideradas para a determinação da incerteza da
medição associada aos sistemas implementados, exemplificando a sua
aplicação aos modelos matemáticos definidos.
Capítulo 6 – sintetiza e analisa os resultados obtidos.
Capítulo 7 – apresenta as conclusões, salientando possíveis opções de desenvolvimento
futuro, nomeadamente para a obtenção de melhores incertezas associadas à
representação nacional da unidade de resistência eléctrica