Portal de Periódicos da Unochapecó (Univ. Comunitária da Região de Chapecó)

Portal de Periódicos da Unochapecó (Universidade Comunitária da Região de Chapecó)

Portuguese

  Estudos sobre violência – ISSN 2175-0173Revista on-line: https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rccApresentaçãoAna Paula Galvão de Meira*Jaisson Teixeira Lino**“As pessoas podem desligar a tevê não só porque umaconstante dieta de imagens de violência tornou-asindiferentes, mas porque têm medo. Como todos jáobservaram, existe uma curva ascendente daviolência e do sadismo aceitáveis na cultura demassa: filmes, programas de tevê, quadrinhos, jogosde computador. Uma imagística que teria feito opúblico encolher-se e virar a cara de nojo quarentaanos atrás é vista sem sequer um piscar de olhos porqualquer adolescente nos cinemas. De fato, paramuitas pessoas na maioria das culturas modernas,a brutalidade física é antes um entretenimento doque um choque. Mas nem toda violência é vista comigual distanciamento. Algumas desgraças são maispassíveis de ironia do que outras.”Susan Sontag em Diante da dor dos outros, 2003.A escritora, ensaísta e ativista estadunidenseSusan Sontag (1933-2004) re etiu durante parte dasua trajetória intelectual, de modo plural einesgotável, sobre os usos da violência comoespetáculo a ser consumido pela sociedade,transformado em mais um produto da modernidade(SONTAG, 2003). Existem inúmeros caminhosinterpretativos para nos debruçarmos sobre ofenômeno da violência, aliás, e melhor colocado, dasviolências em suas dimensões experienciadas. ODossiê Estudos sobre Violência fora pensado comoextensão dessas dimensões; a violência no campoteórico do conhecimento.Nosso intuito, com o dossiê, esteve pautadona busca por pesquisadores e pesquisadoras das maisvariadas regiões do país, os quais possuem como  ocondutor de seus objetos de análise, as experiênciasda violência na sociedade brasileira. Comosublinhado pelo sociólogo Michel Ma esoli (1987)as variáveis das práticas de violência são constantesnas sociedades e possuem relações íntimas com aprópria estrutura do ser humano, tratando-se de umfenômeno da humanidade. Para o teórico há umatríade que sustenta as manifestações da violência nasorganizações humanas: violência banal, violênciaanômica e violência totalitária.Ao analisar a violência que se apresenta nasrelações cotidianas, há a possibilidade devisualizarmos os aspectos salientados por MichelMa esoli, em relação à violência banal, a qual secaracteriza por elementos astuciosos daquele quepratica a violência. A violência como fenômenosociocultural é um caminho possível de análise paraidenti car o cotidiano e as relações sociais. Por estatônica, entende-se que a violência: “[...] do homemnão está na sua natureza, está no ajustamentocultural, que se dá na ordem da cultura, de certasrelações de ordem con itual.” (PERUZZOLO,1990, p. 95).Sobre esta temática, não podemos nosdistanciar das inquietações em relação às produçõesde verdade, tangenciadas pelo e no discurso, a partirdos estudos de Michel Foucault (1926-1984). De* Doutora em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professora substituta na Universidade Federal doMato Grosso do Sul, Campus Nova Andradina. E-mail: ana.g.meira@ufms.br.** Pós-Doutor em Arqueologia pela Universidade de Amsterdã (Holanda). Professor Associado da Universidade Federal da Fronteira Sul(UFFS), campus Chapecó-SC. E-mail: lino@u s.edu.br.Apresentação – Ana Paula Galvão de Meira, Jaisson Teixeira Linocerto modo, as re exões que compõem a fasearqueo-genealógica1 do  lósofo tornaram-se basilaresnos estudos das manifestações do poder nas esferaspúblicas e privadas, o que abrange a violência emsuas mais dimensionadas formas. A contribuição dopensamento de Michel Foucault para os estudossobre violência, é inquestionável. A partir delereverberam as problematizações sobre os usos daviolência nas instituições, nos espaços de ordem e naspróprias relações banais e cotidianas entre ossujeitos.Assim, o seguinte dossiê apresenta-se na ânsiaem ampliar o diálogo sobre as práticas de violência,suas signi cações e ressigni cações nos diferentessaberes. Abre o dossiê Lucas Pereira de Oliveira como artigo A justiça, a violência e a micro-história deum crime: o caso de Eudócia e Porfírio na Comarca deSenador Pompeu/CE (1920-1922). O texto convidao/a leitor/a a re etir sobre os usos da violência natentativa de resolução de con itos, além deevidenciar as nuances da ação penal dentro da justiçabrasileira. Ao voltar sua lupa teórica damicro-história para o crime de homicídio, ocorridonos primeiros dias do ano de 1920, o autor acionare exões sobre honra e as noções de verdade quecontornavam os discursos de magistrados no iníciodo século XX. A violência latente na trajetória dospersonagens Eudócia Ponciano, Porfírio Ponciano eIsmael Benigno na espacialidade sertaneja dasprimeiras décadas da República Brasileira, adquirepor meio da narrativa sensível do autor, o caráternodal das intempéries dos sujeitos comuns quetiveram suas vidas atravessadas pelo campo jurídico eo direito penal.O artigo A morte de Sabina Thereza de Jesus:crime, cor e relações verticais no Acarape (CE)oitocentista é uma análise de Alan Philipe MoreiraSilveira, que partindo de um crime brutal ocorridono mês de novembro de 1876, amplia suaperspectiva re exiva para os descaminhos de ManoelFranklin de Araújo, o Manoel Vovó personagemrecorrente na feira do Acarape, o qual durante umadas suas incursões na aguardente, no ano de 1881,descarrilou a falar sobre sua participação na morte deSabina. O cotidiano rural do norte cearenseoitocentista, é palpável com as escolhas narrativas doautor, que assim como seu conterrâneo LucasPereira de Oliveira, nos provoca a re etirmos sobreoutras maneiras de existências, que pelos infortúniosda vida, ladearam as páginas criminais do Ceará.O terceiro artigo do dossiê trata daPenitenciária da Pedra Branca, em Florianópolis-SC,no período do Governos Vargas no Brasil, e emparte, durante o governo estadual de Nereu Ramos,em Santa Catarina, com recorte temporal centradona década de 1930. Intitulado A penitenciária deFlorianópolis (Pedra Branca) no governo NereuRamos (1935-1945): a implantação do sistema penalmoderno em Santa Catarina, o autor, Antonio LuizMiranda, apresenta um estudo, com uso deinteressante documentação primária (como osrelatórios da referida penitenciária), de como, aindadurante a década de 1930, a prisão da Pedra Brancasofreu transformações, tanto físicas (com osmelhoramentos de sua estrutura), comoinstitucionais, acompanhando, a partir de 1935, osideais totalitários paulatinamente implantados noBrasil pouco tempo antes do golpe do Estado Novo,onde iniciou-se um maior controle, repressão eeugenia dentro das instituições prisionais do país,acompanhando as ideias internacionais de maiorcontrole (e menor tolerância) da comunidadeprisional. Entrementes, também apresentaelementos do cotidiano e de resistências (como fugase rebeliões), em resposta aos atos repressivos láimpostos.O uso da violência como mantenedor daordem do Estado moderno, e suas apropriações peloimaginário alegórico da espetacularização da morte,é o tema do artigo Cabeças cortadas e o “fim docangaço” em cores: imaginação e memória a partir dotrabalho de colorização de imagens, de autoria deFrancisco Wilton Moreira dos Santos. Por meio daanálise da fotogra a das “cabeças cortadas”, despojosdo bando de Lampião em 1938, o autor se debruçasobre o processo de colorização do artista plásticoRubens Antonio da Silva Filho, e as ressigni caçõesdo cangaço suscitadas pelos meios digitais.Emerson Neves da Silva apresenta o artigoDependência, contrarreforma e violência agrária naAmérica Latina: o conflito no campo brasileiro emperspectiva (2000-2020), onde, a partir da teoria dadependência marxista aplicada à América Latina,discorre sobre os processos históricos dessesubcontinente que levaram, em um primeiromomento, no século XX, à governos populares e08Cadernos do CEOM, Chapecó (SC), v. 35, n. 56, p. 07-09, Jun/2022progressistas, e, como resposta, as contrarreformasneoliberais e, em certos casos, conservadoras, que seacentuaram a partir do início do século XX, empaíses como Paraguai, Argentina, Bolívia, Equador eBrasil, sendo este último país, colocado em estudo decaso, na associação dos golpes neoliberais com aviolência inerente do capitalismo latifundiárioimposta sobre as populações do campo, comoagricultores familiares, indígenas, quilombolas, etc,sendo que, na parte  nal do texto, analisa açõesinstitucionais, como a “Medida Provisória daGrilagem”, que foram sendo criadas a partir do golpeque destituiu a presidenta do Brasil Dilma Rousse ,em 2016.Encerrando os textos que compõem o dossiê,Roberta Guimarães Peres e Ana Carolina Alves daSilva discorrem no artigo O enfrentamento daviolência de gênero a partir da Educação Básica sobreo cenário atual de assincronias entre as políticaspúblicas e os estudos de gênero direcionados para aeducação básica. As autoras nos instigam a re etirsobre o caráter fundamental da educação, comoagente social impulsor da desconstrução dopatriarcado, e por conseguinte, da violência degênero.Em síntese, o dossiê apresenta seis artigos comuma pluralidade de temas, mostrando como o tema“violência” permeia os mais diferentes aspectos davida humana, e consequentemente, re ete namiríade de possibilidades de estudos nos campos dosconhecimentos diversos das chamadasHumanidades. Desse modo, pensamos ter o dossiêcumprido o seu papel primordial: reunir trabalhoscom diversidade não apenas temática, mas tambémcom diferentes recortes temporais e espaciais, alémda variação de aspectos teóricos, metodológicos e defontes.Além dos artigos temáticos do Dossiê Estudossobre Violência, a edição número 56 da RevistaCadernos do CEOM elenca ainda na seção deartigos de  uxo contínuo, os seguintes títulos: NovaMuseologia: aspectos históricos e características, deautoria de Sidélia S. Teixeira e Ser caboclo no oestecatarinense: representações de professores dos anosiniciais do ensino fundamental, de Maria de Souza,Luci dos Santos Bernardi e Jorge Alejandro Santos.Nota1 A obra de Michel Foucault foi organizada por seusestudiosos em três momentos fundamentais: fasearqueológica, fase genealógica e a fase ética/estética. Paraalguns apontamentos sobre essa análise, veri car Gomes(2012).ReferênciasGOMES, Daniel de Oliveira. O último Foucault e oretorno transversal aos gregos. Archai, n. 9, p.37-44, jul-dez, 2012.MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais; EdiçõesVértice, 1987.PERUZZOLO, Adair Caetano . Violência, Direitose Cidadania. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, n.100. p. 83-102, 1990.SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. SãoPaulo: Companhia das Letras, 2003.09

Not a member yet

2,439

3,094