[Excerto] Há uma verdadeira profusão de representações e de discursos sobre os
monstros, reais ou imaginários, físicos ou morais, humanos ou maquinados,
nos domínios da arte, da literatura, do cinema e dos media interactivos.
Num momento em que as linhas de demarcação que separavam as
categorias do normal e do patológico, do permitido e do proibido, do racional
e do irracional se diluem, as novas tecnologias ressuscitam monstros
de todo o tipo. Parece haver mesmo, na nossa pós-modernidade, «um verdadeiro
impulso para a imagem» (Hamon, 2001: 9). Para parafrasear Philippe
Hamon, diríamos que a pós-modernidade, caracterizada pelo estiolamento
da crença numa razão emancipadora e progressista, deu lugar «a
uma nova imagética» (ibidem: 13), consagrando novos objectos, novos lugares,
novas técnicas e por último novas combinações.Na medida em que as
imagens são transversais a estes objectos, lugares, técnicas e combinações,
é suficiente lê-las para apreender o que a pós-modernidade tem de específico.
Por conseguinte, as imagens fazem-nos tomar consciência da inanidade
da separação entre o Homem e a natureza ou ainda entre o Homem
e o artifício, separação que é amarca distintiva da épistémèmoderna. Compreender-
se-á assim que as imagens possam tornar-se o indício de uma
fusão dos seres, de um reencantamento do mundo que faz da técnica «o
motor do ambiente místico» (Maffesoli, 2004: 100). Na multiplicação das
imagens que encenam de maneira virtual as monstruosidades joga-se a
absorção do real pelo simulacro (Baudrillard, 1981: 1-4), da existência pelo
inorgânico (Perniola, 2003: 7-10), do material pelo imaterial (Cauquelin,
2006: 131). A imagem do monstro é, por conseguinte, precisamente o que nos permite questionar o presente das nossas sociedades