Tese de doutoramento em Psicologia (área de conhecimento em Psicologia Clínica)As experiências traumáticas desintegram os esquemas cognitivo-emocionais e as estruturas de
significado utilizadas pelos indivíduos na relação com o eu, o mundo e os outros, tornando a
reconstrução dos significados das memórias autobiográficas traumáticas psicologicamente vital (Janoff-
Bulman, 2006). O confronto com as memórias autobiográficas traumáticas pode levar os indivíduos a
reescreverem as suas estórias de vida com ou sem “argumentos” psicopatológicos. A análise
qualitativa das modalidades de atribuição de significado às memórias traumáticas torna-se
fundamental quer para aprofundar a compreensão das perturbações psicopatológicas,
nomeadamente, a PSPT, quer para clarificar as percepções de crescimento pessoal desenvolvidas por
muitos sujeitos após o confronto com as memórias autobiográficas da tragédia (Calhoun & Tedeschi,
1995/2004).
Com este estudo pretendemos conhecer, compreender e comparar as organizações de
significado construídas pelos ex-combatentes com e sem PSPT para as suas histórias de vida nos
períodos pré, péri e pós militares.
Participaram nesta investigação 26 sujeitos do sexo masculino, ex-combatentes da Guerra
Colonial Portuguesa durante o período compreendido entre 1963 e 1974, sendo que 15 apresentavam
critérios suficientes para que lhes fosse atribuído o diagnóstico de PPST de, acordo com os critérios do
DSM-IV-TR (APA, 2002), e 11 eram assintomáticos. A idade dos participantes variou entre os 54 e os
67 anos (M=60; dp=4,1). Os sujeitos estiveram mobilizados em combate na Guiné, Angola e
Moçambique entre 1963 e 1974, por períodos variáveis entre os 24 e os 48 meses (M= 32,6,
dp=7,3).
Os participantes responderam aos instrumentos Questionário Sócio-Demográfico (Maia,
McIntyre, Pereira & Fernandes, 2004), Questionário da História Militar (Maia, McIntyre, Pereira &
Fernandes, 2004). e Escala de Avaliação da Resposta ao Acontecimento Traumático - E.A.R.A.T.
(McIntyre, 1993; McIntyre & Ventura, 1996) e foram entrevistados de modo semiestruturado com base
no guião Entrevista Auto-biográfica (Sendas & Maia, 2005).
Os resultados dos instrumentos relativos à sintomatologia pós exposição traumática permitiram
a constituição de dois grupos contrastantes com base nos quais se realizou a grounded analysis das
transcrições integrais das entrevistas autobiográficas, com recurso ao software ATLASti.5.2, de acordo
com as modalidades de codificação aberta, axial e selectiva (Glaser & Strauss, 1967). Os resultados da grounded analysis das 26 entrevistas transcritas (15 de participantes com
PPST e 11 de participantes assintomáticos) fizeram emergir teorias distintas para cada grupo, em
cada período da história de vida considerada. Tendo em conta a comparação grupo PPST versus
Assintomático, as estórias emergentes foram, Sofrer para (sobre)Viver versus Cuidado Austero
(referente ao período pré militar), Operar em Modo Besta-Guerreiro versus De Militar a Guerreiro
(período périmilitar) e Mudar para (Des)Integrar versus Mudar para (re) Integrar (período pós militar).
Foi-nos possível concluir a existência de especificidade e continuidade nas diferentes estórias
referentes aos diferentes períodos de vida dos participantes. As estórias dos participantes com PPST
fizeram emergir a Guerra como fronteira, marco inquestionável que aprisionou qualquer possibilidade
de ponte com a identidade percebida antes e após a Guerra ao ponto de ser, essa mesma Guerra,
quem dá sentido à existência destes homens. Pelo contrário, as estórias dos sujeitos assintomáticos
sugerem uma temática de permanente proactividade independentemente do capítulo que
consideremos, bem como a capacidade de amadurecer e dar continuidade à vida antes e após a
Guerra.
Concluindo, fica-nos a percepção de continuidade nas estórias de ambos os grupos, dado que
os participantes assintomáticos parecem permanentemente ocupados em processos “delicados” de
construção de significados provisórios para as memórias autobiográficas bélicas e envolvidos em
relações mais ou menos adaptativas com as mesmas o que, em coerência com a linha de
pensamento da abordagem bio-psico-social evolutiva do trauma (Christopher, 2004), nos fez perceber
que, após a vivência de um acontecimento potencialmente traumático, combinações diferentes de
factores intrapsíquicos, e sócio afectivos podem, em qualquer momento fazer oscilar o equilíbrio psicoafectivo
dos sujeitos entre a patologia, a resiliência e o crescimento pós-traumático (Calhoun &
Tedeschi, (2004)The traumatic experiences disintegrate the cognitive-emotional schemes and the structures of
significance used by individuals regarding their relation with their self, the world and others, making the
reconstruction of the meanings of the autobiographical traumatic memories psychologically vital.
(Janoff-Bulman, 2006). The confrontation with the autobiographical memories may lead individuals to
rewrite their life stories with or without psychopathological “points of view”. The qualitative analysis of
the modes of giving a meaning to the traumatic stories becomes crucial whether to intensify the
understanding of the psychopathological disturbances, namely PTSD, or to clarify the understanding of
personal growth developed by many subjects after confronting with the autobiographical tragic
memoires (Calhoun and Tedeschi, 1995/2004).
With this study we intend to acknowledge, understand and compare the organization of meaning
made up by the former veterans with and without PTSD for their life stories in the pre, peri and post
military periods.
26 male subjects took part in this survey; all were war veterans of the Portuguese Colonial War
during the period of 1963 to 1974. 15 of these individuals showed enough criteria to be diagnosed
PTSD, according to the DSM-IV-TR criteria (APA, 2002), and 11 showed no symptoms. The
participants’ ages varied between 54 and 67 years old (M=60; dp=4,1). The subjects were positioned
in war scenarios in Guinea, Angola and Mozambique between 1963 and 1974, for variable periods
from 24 to 48 months (M= 32,6, dp=7,3).
The participants have answered the social demographical questionnaire (Maia, McIntyre, Pereira
& Fernandes, 2004), the Military History Questionnaire (Maia, McIntyre, Pereira & Fernandes, 2004)
and the Scale for Assessing the Response to the Traumatic Event - E.A.R.A.T. (McIntyre, 1993;
McIntyre & Ventura, 1996) and were interviewed in a semi structured manner, based on the
Autobiographical Interview Script (Sendas & Maia, 2005).
The results of the tools referring to the symptoms of post traumatic exposure have allowed two
contrasting groups to be formed, on which the grounded theory of the integral transcriptions of the
autobiographical interviews was based, using the ATLASti.5.2 software, in accordance to the modes of
open, axial and selective codification (Glaser & Strauss, 1967).
The results of the grounded analysis for the 26 transcribed interviews (15 of PPST subjects and
11 asymptomatic subjects) have made different theories for each group emerge; for any period in the
considered life story. Considering the comparison PPST group versus Asymptomatic group, the emerging stories were Suffer to Survive versus Strict Care Giving (regarding the pre-military
period), Functioning on Warrior Beast Mode versus from Military to Warrior (perimilitary
period) and Change to (Des)Integrate versus Change to (Re) Integrate (post military period).
We were able to conclude that there is a specificity and continuity in the different stories,
regarding the different life periods of the participants. The stories of the PPST participants have made
War emerge as a frontier, an unquestionable milestone that has entrapped any possibility of bridging
with their perceived identity before and after the war, to the point that that same War was what gave
meaning to these men’s existence. On the contrary, the asymptomatic subjects’ stories suggest a
thematic of permanent pro-activity regardless of the chapter we consider, as well as the ability to grow
and continue life before and after the War.
In conclusion, we understand that the continuity in the stories of both groups, given that the
asymptomatic subjects seem permanently busy in delicate “processes” of construction of provisory
meanings for their belic autobiographical memoires, and involved in more or less adaptive relations
with them, which, in coherence with the line of thought of the bio psycho social approach evolutionary
approach to trauma (Christopher, 2004), has helped us understand that, after experiencing a
potentially traumatic event, the different combinations of intra psychic and socio affective factors may,
at any time, make the psycho affective balance of the subjects between pathology, resilience, and post
traumatic growth (Calhoun & Tedeschi, (2004).Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) - SFRH/BD/21990/200