Processos judiciais recorrentes envolvendo vários arguidos aparentados entre si, assim como a reclusão conjunta de vários familiares, são fenómenos recentes que ganharam expressão em Portugal a propósito do tráfico de droga e de outras actividades ilegais. Um e outro produzem efeitos de "rede" que têm ressuscitado imagens familistas do crime, das quais a Mafia é paradigma. Nessas imagens é reificada uma ideia de família como unidade autocontida que definiria uma rede de relações claramente recortada, e na substância distinta, de outros laços sociais. Porém, além de esta ideia se impôr à custa do apagamento da presença de um grande número de vizinhos nos mesmos processos judiciais e nas mesmas prisões, os contextos retalhistas do tráfico deixam entrever um universo de sociabilidade em que redes parentais e redes vicinais se confundem, e em que as solidariedades se constroem de maneira bastante aleatória, num continuum de parentes, amigos e vizinhos. Sobretudo, deixam entrever que tanto em contextos ilegais como legais o modo como jogam as categorias de vicinalidade e parentesco contém uma dimensão de classe, que esse jogo é estratificado segundo a desigual capacidade de intervenção das estruturas familiares na "organização da vida" dos indivíduos. Em bairros pobres, estas estruturas intervêm antes na organização da sobrevivência, e a sobrevivência organiza-se também com a intervenção dos laços de vizinhança. Nas práticas quotidianas, legais e ilegais, é relativamente irrelevante a destrinça entre laços familiares e vicinais. Quer dizer que, segundo os contextos, pode ser útil olhar para as categorias de vicinalidade e parentesco variando as perspectivas: se é frequente encarar a vicinalidade a partir do parentesco, como um sucedâneo ou uma versão fraca deste, talvez se possa captar novos aspectos de uma realidade encarando ambas as categorias a partir da noção de laços de proximidade