Tendo deixado de ser um espaço de transgressão, a fronteira luso-espanhola transformou-se, mas não deixou de ser uma referência importante para as populações raianas. De um certo ponto de vista, ela continua mesmo a ser um recurso com que essas populações contam. Se a circulação clandestina de produtos, pessoas e ideias, deixou de marcar o quotidiano da fronteira, o valor da sua evocação mantém-na viva. Na vila portuguesa que estudámos (Campo Maior, perto de Badajoz), a fronteira apresenta-se como um importante móbil de circulação de narrativas, articulando fragmentos importantes da memória colectiva, definindo sentidos, legitimando relações, explicando a realidade social. A evocação da guerra civil de Espanha, por exemplo, permite distinguir comportamentos e esboçar um quadro ético: a ajuda solidária de um lado, a denúncia do outro. Da mesma forma, apesar de ser cada vez mais uma linha imperceptível, a fronteira continua a distinguir, passando por ela, ou pela sua memória, muitos dos processos de reivindicação identitária, revejam-se eles uma hipotética “cultura raiana”, ou no modelo da “identidade nacional”