Estudo dos mecanismos fisiopatológicos da hiperglicinemia não cetótica em cérebro de ratos

Abstract

Hiperglicinemia não cetótica (HNC) é um erro inato do catabolismo da glicina caracterizado por convulsões, disgenesia do corpo caloso e atrofia cortical, porém o papel da glicina, um co-agonista do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), nos mecanismos desses achados clínicos ainda não está claro. Assim, o objetivo deste trabalho foi investigar possíveis alterações bioquímicas e celulares causadas pela glicina. Inicialmente, avaliamos os efeitos ex vivo de uma injeção intracerebroventricular de glicina sobre parâmetros de defesas antioxidantes e dano oxidativo em estriado, hipocampo e córtex cerebral de ratos de 30 dias de vida eutanasiados 30 min após a administração. A glicina aumentou a atividade da superóxido dismutase (SOD), glutationa peroxidase (GPx), glutationa redutase (GR) e glicose-6-fosfato desidrogenase em estriado, sem provocar dano oxidativo. Em experimentos in vitro, observaram-se aumento de níveis de malondialdeído e diminuição nas concentrações de glutationa reduzida (GSH) em estriado em um curto período de incubação, implicando que o aumento das defesas antioxidantes enzimáticas ex vivo ocorre em resposta a um dano oxidativo rápido. Em hipocampo, houve diminuição nas concentrações de GSH, no conteúdo total de glutationa e na razão GSH/GSSG. Não houve modificações em córtex cerebral. É possível que a heterogeneidade nos resultados seja devido a diferenças na composição de subunidades do receptor NMDA nas regiões cerebrais, conferindo-as susceptibilidade diferencial ao dano. Também se testou o efeito do bezafibrato, o qual atenuou o aumento da atividade da GPx e preveniu os aumentos de SOD e GR, sugerindo que a indução de biogênese mitocondrial causada pelo bezafibrato preveniu a produção de espécies reativas em primeiro lugar, e, assim, não houve a regulação positiva das enzimas antioxidantes. Estudamos também os efeitos da injeção de glicina sobre parâmetros celulares e teciduais em animais neonatos eutanasiados 14 dias após a administração. Houve diminuição na marcação da proteína básica da mielina (MBP) e da glicoproteína associada à mielina (MAG), envolvidas na estrutura da mielina, em estriado e corpo caloso. Esse efeito foi possivelmente causado por redução do número de oligodendrócitos, já que observamos diminuição de NG2 em estriado, marcador de precursores de oligodendrócitos. A glicina também diminuiu o conteúdo de NeuN e aumentou a da proteína ácida fibrilar glial (GFAP) no estriado, sem alterações em córtex cerebral. Por outro lado, o conteúdo de NR1, a subunidade com sítio de ligação para glicina no receptor NMDA, estava diminuída em ambas as estruturas cerebrais, provavelmente por causa de feedback negativo da glicina. A gliose estriatal foi acompanhada por aumento no conteúdo do transportador de glutamato e aspartato GLAST, porém não observamos alteração na captação de [3H]glutamato nos tecidos, indicando que o aumento de proteínas astrocitárias não foi acompanhado de melhora de função dessa célula. Além disso, avaliamos a translocação do fator nuclear eritroide 2 relacionado ao fator 2 (Nrf2) e do co-ativador de receptor ativado por proliferadores de peroxissomos alfa (PGC1α) e o conteúdo do fator de transcrição mitocondrial A (TFAM) 5 dias após a injeção de glicina em ratos neonatos. A glicina diminuiu o conteúdo citosólico do Nrf2 em córtex cerebral e o conteúdo nuclear de Nrf2 em estriado, indicando dano à resposta antioxidante dos tecidos. Ainda encontramos aumento da translocação do PGC1α em córtex cerebral e diminuição do conteúdo citosólico de TFAM. No estriado não houve alterações nos conteúdos de PGC1α e TFAM. Nossos resultados mostram prejuízos em vias de sinalização importantes para homeostase energética e redox celular, representando possíveis mecanismos envolvidos no dano cerebral da HNC.Non ketotic hyperglycinemia (NKH) is an inborn error of glycine catabolism characterized by seizures, disgenesis of the corpus callosum and cortical atrophy, but the involvement of glycine, an N-methyl-D-aspartate (NMDA) receptor co-agonist, in the mechanisms of these clinical findings is not completely understood yet. Therefore, the aim of this work was to investigate potential biochemical and cellular alterations caused by glycine. We initially investigated the ex vivo effects of an intracerebroventricular injection of glycine on parameters of antioxidant defenses and oxidative damage in striatum, hippocampus and cerebral cortex of 30-day-old rats euthanized 30 min after glycine administration. Glycine increased the activities of superoxide dismutase (SOD), glutathione peroxidase (GPx), glutathione reductase (GR), and glucose-6-phosphate dehydrogenase in striatum, without causing oxidative damage. We also performed in vitro experiments where we observed increased levels of malondialdehyde and decreased concentrations of reduced glutathione (GSH) in striatum after a short incubation, implying that the increase in antioxidant defenses ex vivo occurs in response to early oxidative damage. In hippocampus, there was a decrease in GSH concentrations, total glutathione content and in the GSH/GSSG ratio. No alterations were found in cerebral cortex. It is possible that the heterogeneity of our results is due to distinct compositions in NMDA receptor subunit in the brain regions, conferring them differential susceptibility to damage. In this model, we also tested the effects of bezafibrate, which attenuated the increase in GPx activity and prevented the increase in SOD and GR activities, suggesting that the induction of mitochondrial biogenesis caused by bezafibrate prevented the production of reactive species in the first place, thus the upregulation of antioxidant enzymes did not occur. We also studied the effects of glycine on cellular and tissue parameters in neonatal rats euthanized 14 days after administration. There was a decrease in myelin basic protein (MBP) and myelin associated glycoprotein (MAG) staining, involved in myelin structure, in striatum and corpus callosum. This effect was likely caused by reduction in the number of oligodendrocytes, once we observed a decrease of NG2 in striatum, a marker of oligodendrocyte precursor. Glycine also decreased NeuN content and increased glial fibrillary acidic protein (GFAP) content in striatum, with no alterations in cerebral cortex. On the other hand, the immunocontent of NR1, the subunit that contains the glycine binding site in NMDAr, was decreased in both brain structures, probably due to negative feedback by glycine. The gliosis seen in striatum was accompanied by increased glutamate aspartate transporter GLAST content, but [3H]glutamate uptake was not modified by glycine in the tissues, indicating that the increase in astrocytic proteins was not followed by ameliorated cell function. Additionally, we evaluated the translocation of nuclear factor erythroid 2-related factor 2 (Nrf2) and peroxisome proliferator-activated receptor gamma coactivator 1-alpha (PGC1α) and the content of mitochondrial transcription factor A (TFAM) 5 days after a neonatal injection of glycine. We verified that glycine reduced Nrf2 cytosolic content in cerebral cortex and the nuclear content in striatum, indicating impairment in antioxidant response. Moreover, an increased translocation of PGC1α was found in cerebral cortex, where glycine decreased the cytosolic content of TFAM in cerebral cortex. There were no changes in the striatal content of PGC1α and TFAM. Our results demonstrate impairment in important cell redox and energy homeostasis pathways, which may represent possible mechanisms involved in the neurological damage of NKH

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