Arranjos institucionais e a construção de capacidades relacionais do Estado para produção de políticas públicas intersetoriais : o caso do Programa Água para Todos

Abstract

Tese (doutorado)—Universidade de Brasília, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e Gestão Pública, Programa de Pós-Graduação em Administração, 2020.A presente tese tem por objetivo analisar os arranjos institucionais de coordenação existentes na execução do Programa Água para Todos (APT) e sua relação na construção de capacidades relacionais na produção desta política pública intersetorial, em ambiente institucional complexo, característico de um país de grandes dimensões territoriais, de sistema federativo e com grandes desigualdades sociais e regionais. Em 2011, dentro da estratégia de enfrentamento da situação de extrema pobreza, por meio do Plano Brasil Sem Miséria (BSM), o Governo Federal elaborou uma proposta de ação conjunta, que envolveu principalmente o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Integração Nacional (MI), que viabilizasse a universalização do acesso à água no meio rural do semiárido. Dessa articulação nasceu o APT, reunindo diferentes arranjos e tecnologias com o objetivo comum de levar água para as famílias nas áreas rurais difusas do semiárido brasileiro. Este esforço de articulação teve a contribuição pioneira de organizações da sociedade civil, que ainda na década de 1990 resultou na criação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e na concepção do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido - Um Milhão de Cisternas (P1MC). O desafio de coordenação na execução das políticas públicas, buscando tornar o Estado mais flexível às demandas dos diversos atores não estatais já vinha sendo indicado pela literatura internacional a respeito de mudanças no contexto de produção de políticas públicas que geraram processos mais complexos e variados de tomada de decisão com construção de arranjos institucionais e diferentes mecanismos de coordenação e estruturação de governança. No entanto, a literatura nacional sobre o tema da coordenação aponta que a análise da experiência nacional dos últimos vinte anos ainda apresenta lacunas. Os avanços se deram de forma determinante, porém segmentada, ao olhar de maneira isolada dimensões analíticas como intersetorialidade, relações federativas, participação social, aspectos territoriais e relação com órgãos de controle. Além disso, pouco se tem discutido a respeito dos fatores que contribuem para a construção de capacidades relacionais do Estado para a articulação, coordenação e produção de políticas públicas intersetoriais. De forma a suprir estas lacunas, nesta pesquisa considerou-se que a análise dessas dimensões de forma integrada confere maior clareza no entendimento do funcionamento do arranjo institucional e da construção de capacidades relacionais na produção da política pública, tendo como estudo de caso o Programa Água para Todos. As abordagens teóricas adotadas foram governança do setor público, arranjos institucionais, capacidades estatais, neoinstitucionalismo e teoria de stakeholders. A pesquisa é de natureza qualitativa e utilizou um conjunto de três grupos de fontes de dados como levantamento bibliográfico e documental; documentos derivados das transcrições das entrevistas e notas taquigráficas. Os dados obtidos foram analisados mediante a técnica da análise de conteúdo. Os critérios utilizados para assegurar a validade e confiabilidade da pesquisa encontram-se inscritos numa metodologia denominada de triangulação. Dentre os resultados da pesquisa, foi verificado que a articulação intersetorial pode sofrer limitações quando uma organização parceira carece de instrumentos e canais institucionais efetivos de relações intergovernamentais e intersetoriais dificultando a construção de capacidades relacionais no território e junto a sociedade civil. Ou seja, a fragilidade do arranjo institucional do MI e da sua política estruturante trouxe reflexos negativos junto aos programas a ele vinculados como o APT, ao contrário do MDS que adotou políticas na forma de sistema, fortalecendo as capacidades relacionais na implementação do APT. Este trabalho contribuiu para um melhor entendimento dos desafios da coordenação de políticas públicas intersetoriais de combate à pobreza e acesso à água em ambiente institucional complexo. Como agenda de pesquisa, sugere-se analisar o período mais recente, em que se verifica nova inflexão institucional, com desmobilização das políticas de oferta de água às populações do semiárido.This thesis aims to analyze the institutional coordination arrangements existing in the execution of the Water for All Program (APT), and their relationship in building relational capacities in the production of this intersectoral public policy in a complex institutional environment, characteristic of a large country territorial, federative system and with great social and regional inequalities. In 2011, as part of a strategy to tackle a situation of extreme poverty, through the Brasil Sem Miséria Plan (BSM), the federal government prepared a proposal for joint action, which mainly involved the Ministry of Social Development and Fight against Hunger ( MDS) and the Ministry of National Integration (MI), which made universal access to water possible in the rural areas of the semiarid region. From this articulation the APT was born, bringing together different arrangements and technologies with the common objective of bringing water to families in the diffuse rural areas of the Brazilian semiarid. This articulation effort had the pioneering contribution of civil society organizations, which still in the 1990s resulted in the creation of the Brazilian Semi-Arid Articulation (ASA) and in the design of the Training and Social Mobilization Program for Living with the Semi-Arid - One Million People Cisterns (P1MC). The challenge of coordination in the implementation of public policies, seeking to make the State more flexible to the demands of the various non-state actors, was already being indicated by the international literature regarding changes in the context of the production of public policies that generated more complex and varied decision-making processes with the construction of institutional arrangements and different governance coordination and structuring mechanisms. However, the national literature on the topic of coordination points out that the analysis of the national experience of the last twenty years still has gaps. The advances were made in a determinant, but segmented, way of looking at analytical dimensions in isolation, such as intersectoriality, federative relations, social participation, territorial aspects and relations with control organizations. In addition, little has been discussed about the factors that contribute to the construction of relational capacities of the State for the articulation, coordination and production of intersectoral public policies. In order to fill these gaps, in this research it was considered that the analysis of these dimensions in an integrated manner provides greater clarity in the understanding of the functioning of the institutional arrangement and the construction of relational capacities in the production of public policy, using the APT as a case study. The theoretical approaches adopted were public sector governance, institutional arrangements, state capacities, neoinstitutionalism and stakeholder theory. The research is of a qualitative nature and used a set of three groups of data sources as bibliographic and documentary survey; documents derived from interview transcripts and shorthand notes. The data obtained were analyzed using the content analysis technique. The criteria used to ensure the validity and reliability of the research are inscribed in a methodology called triangulation. Among the results of the research, it was found that intersectoral articulation may suffer limitations when a partner organization lacks effective institutional instruments and channels for intergovernmental and intersectoral relations, making it difficult to build relational capacities in the territory and with civil society. In other words, the fragility of the MI's institutional arrangement and its structuring policy brought negative reflexes to the programs linked to it, such as the APT, in contrast to the MDS which adopted policies in the form of a system strengthening the relational capacities in the implementation of the APT. This work contributed to a better understanding of the challenges of coordinating intersectoral public policies to combat poverty and access water in a complex institutional environment. As a research agenda, it is suggested to analyze the most recent period, in which there is a new institutional inflection, with the demobilization of water supply policies for populations in the semiarid region

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