Neste texto analisa-se a transformação do discurso antropológico sobre o género na violência criminal e respetiva penalização, em Portugal, desde as «Luzes» até ao socialismo do final do século XIX. O discurso predominante ao longo de oitocentos legitimou a diferenciação das penas previstas para certos crimes julgados como especificamente femininos com argumentos baseados na ideia da desigualdade natural dos sexos e consequente assimetria da criminalidade. Todavia, sobre este pano de fundo despontaram sensibilidades diferentes quanto à possibilidade de regenerar o tecido social, tendo o paradigma anatomofisiológico de explicação do crime conduzido a um ceticismo perante a possibilidade de corrigir os «selvagens da civilização», em especial, as «criminosas degeneradas». Foi este pessimismo que a Antropologia socialista procurou ultrapassar, remetendo para o domínio do patológico todo o crime que não fosse suscetível de prevenção ou correção pela alteração das condições de vida dos seus autores. Pretende-se contribuir para a compreensão do caráter arbitrário da dicotomia entre antropologia física e antropologia cultural que conduziu a excluir da história da antropologia cultural os estudos mais antigos sobre o género na criminalidade.FCSH (Universidade Nova de Lisboa), Fundação Calouste Gulbenkian, Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (FCSH), FMH (Universidade Motricidade Humana