Dissertação mest., Biotecnologia, Universidade do Algarve, 2008O citosqueleto da actina é constituido por um enorme número de proteínas e
mecanismos regulatórios que estão envolvidos na polimerização, depolimerização e
organização dos filamentos de actina. Por esta razão, este sistema é vulnerável a
alterações genéticas que podem vir a causar determinadas doenças, tais como o cancro.
Nas células cancerígenas, as perturbações estruturais e funcionais do citosqueleto de
actina estão relacionadas com elevadas taxas de proliferação e movimentos não
controlados das células.
Os discos imaginais de Drosophila são considerados um modelo de estudo
bastante interessante para estudar a morfogénese epitelial, uma vez que estes são
considerados verdadeiro tecido epitelial, o qual é diferenciado e fácil de dissecar. Ainda
assim, as vantagens deste modelo de estudo baseia-se principalmente no enorme sucesso
de Drosophila como organismo modelo genético. Os discos imaginais consistem de um
epitélio colunar coberto por uma membrana peripodial. As células colunares
compreendem uma camada de células lateralmente coerentes que são polarizadas ao
longo do eixo apical-basal. Estas células epiteliais contém junções celulares (AJ)
compostas principalmente por E-caderina e a- e b-catenina (em Drosophila codificada
por armadillo). Estas junções celulares localizadas na região apical das células fazem a
ligação entre o citosqueleto de actina das células vizinhas. Na região superior das AJ
existem dois complexos que estão envolvidos na regulação da polaridade epitelial, que
são o complexo Baz/Par-6/aPKC e o complexo Crb/Stardust/Patj. Na parte basal das AJ
existe um outro complexo formado por Dlg/Scribble/Lgl. O crescimento e divisão do
disco imaginal da asa ocorre durante o desenvolvimento larvar. No terceiro estádio de
desenvolvimento da larva, o disco imaginal é extensivamente regulado por complexos
padrões de expressão de genes, que dividem o disco em vários territórios ou
compartimentos. O disco é ainda dividido em três regiões distintas: a região da blade, a
qual irá dar origem à asa, a região da hinge, que irá dar origem às estruturas que ligam a
asa ao tórax da mosca e a região do notum, a qual irá dar origem ao tórax.
Em todos os organismos eucariotas, o citosqueleto de actina desempenha um
papel fundamental em numerosos processos celulares, tais como, geração e mantimento
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da morfologia e polaridade celular, endocitose e tráfego intracelular, contratibilidade,
mobilidade e divisão celular. A actina é uma das proteínas mais abundantes e com
elevado grau de conservação nos organismos eucariotas. Tal como nos mamíferos,
Drosophila codifica seis proteínas de actina que diferem em apenas alguns aminoácidos,
mas em contrapartida a sua expressão é altamente regulada durante o desenvolvimento.
Em Drosophila, as isoformas de actina são codificadas por: actina 5C, actina 42A, actina
57B, actina 79B, actina 87E e actina 88F. Os genes de actina podem ser subdivididos em
três grupos, com base no estádio de desenvolvimento onde estes se expressam. Dois
genes de actina codificam actinas citoplasmáticas (actina 5C e 42A), enquanto quatro
genes de actina codificam actinas específicas do músculo. Estas quatro actinas podem ser
depois subdivididas em actinas do músculo das asas (actina 79B e 88F) e actinas do
músculo da larva (actina 57B e 87E). As seis isoformas de actina são reguladas durante o
desenvolvimento ao nível da transcrição e ao nível da pos-tradução. O primeiro nível de
regulação ocorre quando, por exemplo, os fragmentos de genes de actina clonados para
examinar os níveis individuais de RNA mensageiro em diferentes estádios de
desenvolvimento de organismos e partes do corpo dissecadas, foi observado que cada
gene de actina é transcrito para RNA mensageiro funcional, o qual se acumula com
padrões distintos. Os genes de actina podem ainda ser regulados ao nível proteico. Por
exemplo, quando os diferentes genes de actina ligados à proteina GFP são sobreexpressos
no epitélio folicular de Drosophila, estes são incorporados em diferentes estruturas de
filamentos de actina dentro da célula.
A actina existe em dois estados, em monómeros ou em filamentos. Os monómeros
de actina têm a habilidade de polimerizar em filamentos, enquanto os filamentos
depolimerizam em monómeros através de um mecanismo chamado treadmilling. Dada a
elevada dinâmica deste ciclo da actina é necessária uma regulação eficaz do mesmo, a
qual é desempenhada por proteínas que se ligam à actina (ABPs). Um enorme número de
ABPs são responsáveis pelo controlo do crescimento, estabilidade,
polimerização/depolimerização e organização dos filamentos de actina. Uma dessas
proteínas é o heterodímero capping protein (CP), o qual é composto por duas
subunidades ab que se ligam à região terminal dos filamentos de actina onde os
monómeros são incorporados, impedindo assim a adição ou perda de monómeros de
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actina. Portanto, a CP é necessária para a prevenção da polimerização dos filamentos de
actina e quando esta proteína não está presente nas células, os filamentos de actina
acumulam-se em excesso. Curiosamente, a remoção de qualquer uma das subunidades da
CP, cpa ou cpb, resulta em diferentes fenótipos dependente do contexto epitelial,
sugerindo que o citosqueleto da actina não é equivalente entre os tecidos epiteliais.
Uma vez que algumas ABPs regulam a dinâmica da actina de um modo específico
para cada isoforma de actina, o objectivo deste trabalho é investigar se a CP poderá
prevenir a polimerização de isoformas de actina específicas num tecido específico. Para
isso, analisei as consequências de desenvolvimento quando cada um dos seis genes de
actina ligados à proteína GFP são sobreexpressos durante a morfogénese do epitélio da
asa. Embora tenha observado que as seis isoformas de actina-GFP são sobreexpressas a
níveis similares e que estas promovem uma acumulação excessiva de filamentos de
actina, cada isoforma é incorporada em subpopulações específicas de filamentos e
resultam em várias consequências de desenvolvimento que parecem ser dependentes da
região do disco e do tempo (estádio de desenvolvimento).
Assim como na ausência de CP, a sobreexpressão das isoformas de actina 5C,
42A e 57B promove o sobrecrescimento da região da hinge, o qual está associado à
sobre-regulação do Wingless. Enquanto, na região da blade, apenas a sobreexpressão da
isoforma de actina 42A promove o mesmo fenótipo observado quando há perda de CP.
Isto sugere que a CP previne a polimerização das isoformas de actina 5C, 42A e 57B na
região da hinge para regular o mecanismo Hippo e restringir o crescimento desta região.
Enquanto, na região da blade, a CP previne especificamente a polimerização da isoforma
de actina 42A para restringir a actividade da Src.
Todos os resultados apresentados sugerem que, embora não seja clara a razão da
existência das diversas isoformas de actina e a razão pela qual estas foram retidas durante
a evolução, cada gene de actina parece possuir uma função específica durante a
morfogénese do epitélio da asa