Misteriosa, controversa, fascinante, autónoma ou condicionada, atenta
aos valores ou indiferente, a vontade tem merecido desde sempre a atenção da
filosofia, mas também a sua desconfiança. A vontade tem a particularidade de se
dar como constitutiva da estrutura da subjectividade, ao mesmo tempo que
possui o poder extraordinário de se elevar acima dessa mesma subjectividade
que a contém e que é a sua condição de possibilidade. Ela afirma-se livremente
na aceitação ou rejeição das suas próprias inclinações. Mas vai mais longe ainda,
pelo poder de decisão que lhe é próprio e que lhe permite antecipar o futuro.
Neste sentido, podemos dizer que a vontade é o órgão para o futuro tal como a
memória é o órgão do passado. A reflexão que exerço sobre mim mesma revela
me como possuindo esse estranho poder que me permite projectar um futuro
mesmo fora de qualquer previsão. O grande problema que enfrenta qualquer
análise da vontade resulta do facto de ela não pode ser apreendida em si mesma,
mas sim apenas através dos efeitos visíveis que constituem os seus actos. Isto
coloca a questão de saber até que ponto a observação do acto nos autoriza a
concluir pela existência de uma faculdade específica independente dos outros
poderes do espírito. Haverá alguma coisa a que possamos com propriedade
chamar a essência da vontade? E será a vontade verdadeiramente livre ou estará
totalmente limitada pela necessidade natural? [...