Dornelles, Fernando

Goldenfum, Joel Avruch

Monte, Benício Emanoel Omena

Silva, Daniele Feitoza

Tschiedel, Arthur da Fontoura

Portuguese

Lume 5.8

        XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  1 XII ENCONTRO NACIONAL DE ÁGUAS URBANAS   IMPLICAÇÕES DA AUSÊNCIA DE DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO NA ÁREA URBANA DE PORTO ALEGRE: ANÁLISE DA CHEIA DE 1941  Benício Emanoel Omena Monte1; Arthur da Fontoura Tschiedel2; Daniele Feitoza da Silva 3 ; Joel Avruch Goldenfum 4 & Fernando Dornelles5  RESUMO – Em 1941 o município de Porto Alegre sofreu com uma grande enchente, de proporções nunca vivenciadas até então. A grande enchente, como o evento é conhecido, foi avaliada neste trabalho considerando uma série histórica de níveis d’água relativa a 116 anos (1889 – 2015), fornecendo uma nova abordagem quanto ao tempo de retorno do evento. Além disso, a cota de inundação do evento foi correlacionada com um Modelo Digital de Superfície de grande precisão. Essa correlação proporcionou uma estimativa dos impactos na zona central da cidade, em um cenário de ausência de dispositivos de proteção contra enchentes. Os resultados obtidos mostram que a enchente de 1941 pode ser considerada um outlier, de modo que seu tempo de retorno pode variar entre 1576 a 4646 anos. Também se observou que, embora existam setores da sociedade Porto Alegrense favoráveis à retirada de estruturas de proteção contra enchentes, sua manutenção é de extrema importância, pois o impacto potencial deste evento na zona central da cidade (em cenário de ausência de dispositivos de proteção contra enchentes) é extremamente alto.  ABSTRACT– In 1941 Porto Alegre city suffered a great flood, of proportions never experienced until then. The big flood, as this event is known, was evaluated in this work considering a historical series of water levels relative to 116 years (1889 - 2015), providing a new approach regarding the time of return of the event. In addition, the event's flood quota was correlated with a high precision Digital Surface Model for the city, thus providing an estimate of how this event would impact the central zone of the city, in a scenario of absence of protection devices against floods. The results show that the flood of 1941 can be considered an outlier, so that its time of return can vary between 1576 and 4646 years. It was also observed that, although Porto Alegrense sectors favor the removal of flood protection structures, their maintenance is extremely important, since the potential impact of this event in the central part of the city (in a scenario of absence of devices) is extremely high.  Palavras-Chave – Enchente de 1941; Muro da Mauá; Potencial Inundação                                                  1) Doutorando no PPG em Recursos Hídricos e Saneamento Ambienta (PPGRHSA)/IPH/UFRGS; Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302 - Agronomia, Porto Alegre - RS, 91501-970; tel: +55 (51) 98106-5143; e-mail: benicio_monte@hotmail.com  2) Doutorando no PPG em Recursos Hídricos e Saneamento Ambienta (PPGRHSA)/IPH/UFRGS; Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302 - Agronomia, Porto Alegre - RS, 91501-970; tel: +55 (51) 99282-6367; e-mail: arthurtidel@hotmail.com  3) Doutoranda no PPG em Recursos Hídricos e Saneamento Ambienta (PPGRHSA)/IPH/UFRGS; Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302 - Agronomia, Porto Alegre - RS, 91501-970; tel: +55 (51) 98210-4261; e-mail: pariconha@gmail.com. 4) Professor titular IPH/UFRGS; Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302 - Agronomia, Porto Alegre - RS, 91501-970; tel: +55 (51) 3308-6621; e-mail: joel@iph.ufrgs.br 5) Professor titular IPH/UFRGS; Avenida Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 44302 - Agronomia, Porto Alegre - RS, 91501-970; tel: +55 (51) 3308-6621; e-mail: joel@iph.ufrgs.br         XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  2 INTRODUÇÃO O crescimento do número de desastres naturais como as inundações possui relação direta com o acréscimo populacional em áreas de perigo (Tucci, 2007). No caso do Brasil, em 2014 eram 85% da população vivendo em áreas urbanas e a projeção para 2050 é de 90%. Essa configuração coloca em risco qualquer área urbana que possuiu ou possui ineficiência da aplicação de planos contra inundações, além de apontar para um panorama em que as inundações estão causando danos econômicos e sociais em escala crescente.  Partindo-se do pressuposto de que essa é a realidade de muitos dos municípios brasileiros, há a necessidade de implantação de medidas de controle, que são divididas em: medidas estruturais e não-estruturais. Essa última é atualmente difundida de forma geral devido a sua potencial capacidade sustentável, economicamente viável, de prevenção e de convivência com as cheias (Tucci, 2007). Todavia, em áreas urbanas já consolidadas, a definição do melhor tipo de intervenção dependerá de uma análise técnica criteriosa. Nesse contexto se encaixa o município de Porto Alegre, onde parte da área urbana é banhada pelo Lago Guaíba, que desemboca na Lagoa dos Patos. Em 1941, uma grande enchente atingiu o município, impactando com maior magnitude a região central. Naquele evento, foram somados 22 dias chuvosos num período de 44 dias, somando-se 619,4 mm de precipitação no município, segundo Boletim Municipal de Porto Alegre, causando destruição e desabrigando cerca de 70 mil pessoas. A este evento, utilizando a série histórica do Posto da Praça da Harmonia, no período de 1899 e 1967, foi estimado 370 anos como tempo de retorno, atingindo 4,75 metros acima do nível do mar, segundo medição da régua linimétrica do Cais do Porto. Três décadas depois do evento um dique foi construído, conhecido como Muro Mauá, servindo como medida de controle de enchentes. O dique possui 2,65 km de extensão e 3 metros de altura acima do solo (Guimarães, 2013).  Desde o ocorrido em 1941 não foram mais observadas inundações dessa proporção no município, o que motiva alguns grupos da sociedade em reivindicar a retirada de dispositivos de proteção contra cheias implantados em Porto Alegre, para prover, dentre outros fins, intervenções paisagísticas (Cavalheiro, 2008; Vieira, 2012; GaúchaZH, 2015a; GaúchaZH, 2015b).  A partir da explanação acima, esse estudo se propõe a reanalisar o tempo de retorno da cota atingida na cheia de 1941 e também avaliar o potencial impacto sofrido pela cidade de Porto Alegre caso uma inundação desta magnitude ocorresse num cenário de ausência dos dispositivos de proteção contra cheias, para a área central da cidade.          XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  3 MATERIAIS E MÉTODOS Área de Estudo O município de Porto Alegre tem uma população estimada em 1.409.351 habitantes e densidade demográfica de 2.837,53 hab/km², são 20 bairros que margeiam o Lago Guaíba e possuem uma população de 200.860 pessoas com potencial risco para sofrer com inundações. Na localidade em que se encontra o “Muro Mauá” está situado o bairro do Centro Histórico que possui uma população de 39.154 habitantes (PROCEMPA, 2018) (Figura 1).  A Região Hidrográfica do Guaíba, situada na porção centro-leste do Rio Grande do Sul, possui uma área aproximada de 84.751,48 km² (i.e., 30% da área do Estado do Rio Grande do Sul). Existem nove bacias hidrográficas (i.e, Alto Jacuí, Baixo Jacuí, Caí, Gravataí, Lago Guaíba, Pardo, Sinos, Taquari-Antas, Vacacaí e Vacacaí-Mirim), que fluem direta ou indiretamente para o Lago Guaíba e este para a Laguna dos Patos (DRH/SEMA, 2008).  Figura 1 - Área central de Porto Alegre e a extensão do dique. Fonte: Autores          XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  4 Análise de frequência de eventos de nível máximo Os dados foram obtidos a partir da régua linimétrica da Praça da Harmonia (Código ANA/CPRM - 87450003), situada no cais Mauá em Porto Alegre. Os dados possuem leituras que vão desde 1899 a 2015, havendo uma falha apenas em 1934 (Figura 2).   Figura 2 – Série histórica da régua linimétrica da Praça Harmonia. A priori, foi realizado um tratamento estatístico aos dados dessa estação, de modo a determinar a cota sob a qual a régua está estabelecida. Desse modo, definiu-se a cota do cais do porto para o valor de 3 m da régua linimétrica como nível de referência. Os dados são consistidos e não foi necessária uma análise de outliers.  Testes não paramétricos de homogeneidade, estacionariedade, independência e aleatoriedade foram realizados, não havendo rejeição da hipótese nula com nível de significância de 5%. Por último, foi aferido o teste de aderência de Qui-Quadrado (x²) e de Komolgorov-Smirnov; e, em ambos os casos, foi aceita a hipótese de que os dados foram extraídos de uma mesma população ao nível de significância de 5%. A distribuição Gumbel de extremos é a mais utilizada na determinação de relações intensidade-duração-frequência de precipitações intensas e de níveis máximas (Naghettini e Pinto, 2007). Gumbel possui dois parâmetros assintóticos de valores extremos máximos (escala e posição),         XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  5 e por isso foi a distribuição escolhida. Além disso, foi adicionado o papel de probabilidade apropriado para Gumbel, Gringorten. Com a aplicação de Gumbel se pode obter os níveis máximos para tempos de retorno (TR) iguais a 2, 5, 10, 50, 100 e 500 anos; inclusive, permitindo identificar o TR para a cota de inundação de 1941.  Por fim, a reanálise do tempo de retorno foi realizada pela inserção de novos dados. Em Porto Alegre, a cheia mais recente ocorreu em 2015, alterando significativamente os valores de TR. Delimitação da área de inundação A definição das potenciais zonas inundáveis de Porto Alegre frente a um evento de igual magnitude ao ocorrido em 1941 partiu, inicialmente, da “amarração” entre uma cota de referência da estação linimétrica Parque da Harmonia (cuja localização é apresentada na Erro! Fonte de referência não encontrada.) com a cota do Modelo Digital de Superfície (MDS), utilizado para representar a topografia da cidade de Porto Alegre (Zanardi et al., 2013). Dessa forma, sabendo-se que, na Régua Linimétrica da Estação Praça da Harmonia a cota de 3 metros é referente ao platô ao qual a mesma está situada e a cota da enchente de 1941 chegou a 4,75 metros, esse trabalho foi realizado considerando uma altura da lâmina d’água igual a 1,75 metros acima da cota do platô do Cais do Porto de Porto Alegre. O uso da cota de inundação permitiu o delineamento da potencial mancha de inundação para a região central de Porto Alegre, caso sistemas de proteção contra cheias, como por exemplo, o dique da avenida Mauá, não existissem. Observa-se, na Figura 3, uma tentativa de delineamento da inundação de 1941, realizada pela Secretaria Municipal de Obras e Viação. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados dos tempos de retorno obtidos por Gumbel subsidiam uma análise interessante quando comparados a estudos mais antigos, pois possuíam menos dados no momento que foram estruturados. O ajuste das duas análises de frequência aos papéis de probabilidade (e.i., com e sem cheia de 41), denotou que a inserção do nível da cheia de 1941 possibilitou o ajuste empírico seguir a tendência da curva do ajuste teórico. Entretanto, a cheia de 1941 se destaca no gráfico como um         XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  6 valor muito acima da curva, algo como um outlier, isso revela como o fenômeno dessa cheia foi algo tão incomum na série histórica (Figura 4).   Figura 3 - Zona inundada em 1941. Fonte: SMOV (Secretaria Municipal de Obras e Viação) Distribuições probabilísticas teóricas tem uma limitação de acordo com a quantidade de dados observados, pois as séries curtas acarretam na diminuição da confiabilidade dos dados, que se localizam na curva de extrapolação das distribuições empíricas (Katz, 2002; Rogger et al., 2012) e afirma-se que a confiabilidade do TR do ajuste teórico vai até no máximo 4 vezes o tamanho da série de dados (Naghettini e Pinto, 2007), e como há 116 dados na análise, a confiabilidade chega até próximo de 500 anos, e diminui quanto mais alto for o TR. Os resultados dos ajustes teóricos com e sem a cheia de 1941 dão resultados discrepantes. Sem a cheia de 1941, a cota 4,75 m só seria alcançada com o TR de 4.646 anos; já incluindo a cheia de 1941, o TR da cota de 4,75 m é de 1.576 anos. Outras cheias importantes, como as de 1967 e a de 2015 obtiveram tempos de retorno de 32 anos e 20 anos, considerando a cheia de 41 à série histórica, e 52 anos e 31 anos descartando a cheia de 41 à série, respectivamente. A Tabela 1 demonstra que quanto mais dados são adicionados a análise de frequência mais fica evidente a excepcionalidade da inundação de 1941. Mancha de inundação         XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  7 O MDS utilizado para o local da estação apresenta uma cota de 2,52 metros, considerando a média dos 4 pixels que circundam o local da estação, com cotas variando de 2,49 a 2,56 metros. Dessa forma, a reclassificação da imagem foi realizada considerando que todo o pixel de valor igual ou inferior a 4,27 metros (2,52 + 1,75) apresentaria potencial para ser inundado, num cenário em que a cheia de 1941 voltasse a ocorrer concomitantemente à ausência de dispositivos de proteção contra cheia em Porto Alegre (Figura 5). Figura 4 – Curvas dos ajustes teóricos e empíricos comparados com a cota de 1941  Tabela 1 – Comparação das análises de frequência com diferentes quantidades de dados TEMPO DE RETORNO (ANOS) NÍVEIS (m) AGRAR OTI-ENGEVIX (SÉRIE 1899-1967) GERMANO-MENESES (SÉRIE 1899-1995) ESTUDO ATUAL 1899-2015 (com 1941) (SÉRIE 1899-1967) 2 2,39 1,87 1,79 1,86 5 2,69 2,47 2,25 2,32 10 2,89 2,86 2,56 2,63 25 - 3,36 2,96 3,03 50 3,59 3,74 3,27 3,32 100 3,89 4,10 3,58 3,60 370 - 4,75 4,50 4,15 500 4,85 4,95 4,65 4,27 610 - 5,06 4,75 4,35 1000 - - - 4,56 1597 - - - 4,75         XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  8  Figura 5 – Área inundada no bairro do Centro Histórico de Porto Alegre sem a existência do dique da avenida Mauá. Fonte: Autores CONCLUSÕES Esse trabalho discutiu a reanálise do tempo de retorno da régua linimétrica da Praça da Harmonia que possui a cota histórica da cheia de 1941 em Porto Alegre. Além disso, foi delimitada uma potencial área inundável da cheia de 1941 sem a proteção do dique da Avenida Mauá e do dique da avenida Edvaldo Pereira Paiva, para a região central de Porto Alegre.    As limitações da análise de TR estão sempre relacionadas à quantidade de dados; e, por isso, sempre deve haver novas análises de frequência a cada ciclo de anos, melhorando o planejamento.  Os resultados da mancha de inundação demonstram que a retirada do dique da avenida Mauá possibilitaria um risco de inundação com graves consequências para a população exposta, o que indica que o dique não deve ser retirado. Todavia, é preciso que sejam feitos estudos mais fidedignos, como uso de modelos hidrodinâmicos, em que condições de contorno sejam adicionadas, como arroios e seus hidrogramas, sistemas de micro e macrodrenagem e o próprio dique e infraestruturas como pontes e galerias, por exemplo.          XII Encontro Nacional de Águas Urbanas  9 O estudo permitiu verificar que tanto a zona norte como a zona sul de Porto Alegre foram extremamente afetadas pela cheia de 1941, podendo esse tema ser mais bem explorado posteriormente. O tipo de análise acima é capaz de evidenciar uma representação de como uma inundação como a ocorrida em 1941 poderia causar à área urbana de Porto Alegre. Todavia, os resultados apresentados nesse estudo demonstram que medidas estruturais são importantes para mitigar efeitos de uma inundação, e que a sua implementação ou retirada depende de uma análise profunda. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq e à Capes pelas bolsas de Doutorado e de Produtividade em Pesquisa. REFERÊNCIAS CAVALHEIRO, M. H. (2008). “Manifesto MAUÁ: Uma costura urbana no centro de Porto Alegre”. Trabalho de conclusão de curso (TCC). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS), 57 p.  DRH/SEMA-RS. 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Implicações da ausência de dispositivos de proteção na área urbana de porto alegre: análise da cheia de 1941

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