Dezalay, Yves

Engelmann, Fabiano

Vauchez, Antoine

Revista Debates

Portuguese

Lume 5.8

Apresentação do Dossiê                                                  Como os processos de internacionalização influenciam as transformações do poder de Estado? Essa é uma das questões centrais que as pesquisas ancoradas em uma sociologia política da internacionalização buscam responder. Essa abordagem tem na noção de campo do poder e nas estratégias de reprodução da Noblesse d 'État estudadas por Pierre Bourdieu na França1, uma referência fundamental. O alargamento dos circuitos de legitimação dos grupos dirigentes transforma as "guerras palacianas" em uma permanente disputa em torno das definições legítimas de direito, economia e do amplo leque de "saberes de Estado". Dito, de forma simplificada, essa perspectiva amplia a importância do estudo dos processos de legitimação simbólica dos grupos dirigentes em diferentes espaços de poder. Yves Dezalaf mostra, em um conjunto de pesquisas, que os cenários da "globalização" evidenciam, também, que as "guerras palacianas" transcendem o espaço do Estado nacional. Apresentam-se como múltiplos movimentos de importação-exportação de conhecimentos técnicos e científicos vinculados a estratégias de poder e competição de diferentes frações da elite social e política. A partir da perspectiva de um "campo de poder internacional", as estratégias mobilizadas pelas elites em diferentes espaços conectados, através de dinâmicas de importação/exportação assumem centralidade enquanto núcleo explicativo da configuração do poder de Estado. Nesse sentido, a circulação internacional de elites e expertises e os movimentos de exportação-importação de modelos institucionais merecem ser considerados enquanto objeto privilegiado para a compreensão da emergência de grupos e instituições no espaço do poder nacional. Podem-se mencionar como exemplares nesse quadro, as redes transnacionais de experts, ONGs, agências de desenvolvimento e tbink tanks com influência em arenas decisórias governamentais. Nessa perspectiva, os trabalhos sobre o "campo do poder internacional" transpassam referenciais disciplinares da sociologia das elites, relações internacionais, sociologia do direito e sociologia do Estado. Os temas de pesquisa dessa agenda desenvolveram-se especialmente em áreas temáticas, tais como: area studies, estudos pós-coloniais, l Ver BOURDTEU, P. Noblcssc d'Étar. Paris: Ed. Minuit, 1989. 2 Ver em especial DEZALAY, Yves; GARTH, Bryant. La internacionalizacion de las luchas por el poder. La competencia entre abogados y economistas por transformar los Estados latino americanos. Universidad Nacional de! Colombia/ILSA. Bogotá, 2002. Disponível em: <lmp:/ /biblio.juridicas. unam.mx/libros/libro.htm?l= 1656)>. Acesso em: 21 no v. 2018. 8 | Apresentação do Dossiê estudos sobre a Europa e trabalhos sobre a americanização e políticas de direitos humanos. A diversidade das perspectivas adotadas nos artigos deste Dossiê espelha esse caminho. Apesar de objetos distintos, mantém o fio condutor da problemática comum de evidenciar a dinâmica complexa dos processos de internacionalização em diferentes espaços de poder e suas consequências para a legitimação de modelos de instituições. A estratégia de pesquisa comum é centrada nos agentes o que contribui para escapar do efeito das "grandes teorias" da globalização restituindo a diversidade das dinâmicas societárias que permeiam a emergência dos modelos de instituições estudados. O artigo "As regras de Direito do Mar e o espaço internacional: estudo sobre as lutas pelo saber jurídico na ONU" de Natalia Fronzen, abre o Dossiê. Discute, através da análise das negociações diplomáticas sobre o direito do mar na ONU (1973-1982), a composição das delegações do Brasil, Estados Unidos e França e a atuação de juristas e outras categorias profissionais nos processos de negociação. Todos encontram-se envoltos numa luta para interpretar as novas regras do direito marítimo. Se por um lado, é confirmada a influência do espaço nacional estadunidense sobre a produção desse novo saber jurídico, por outro, identifica-se também a formação de estratégias anti-hegemônicas que se formam no espaço internacional da ONU. Por meio dessas estratégias, os diplomatas dos países periféricos se aliam a produtores menos "nobres" do saber e conseguem introduzir no direito internacional o novo princípio jurídico de "patrimônio comum da humanidade", contrário aos interesses das maiores potências econômicas da época. Em "Multinacionais do Direito, escritórios de advocacia e pro bono: elementos para uma análise comparativa dos campos jurídicos francês e americano" de Charles Bosvieux-Onyekwdu, são problematizados os limites nacionais da construção do campo jurídico através da análise da advocacia pro hono no âmbito da União Europeia. A partir da comparação dos Estados Unidos e da França, o artigo questiona quais as condições para o transplante de práticas e normas jurídicas de um país para outro. A pesquisa que embasa o texto combina uma série de entrevistas realizadas com advogados com a observação direta de interações entre prestadores e destinatários das atividades pro hono. As conclusões indicam que a maioria dos escritórios franceses não têm meios humanos e financeiros para institucionalizar o pro hono com a amplitude de um verdadeiro dispositivo de ação pública tal como praticado nos Estados Unidos. O texto de Vinicius Wohnrath, "Espaços de formação doutoral no exterior para docentes de pós-graduação em Direito no Brasil" traz como problemática Apresentação do Dossiê| 9                                                  central, a circulação internacional de elites acadêmicas brasileiras enfocando os professores de direito. O artigo explora os locais e momentos de doutoramento no exterior dos docentes cadastrados em programas de pós-graduação em direito autorizados pela CAPES. Revisita o trabalho de Engelmann (2008)3, examinando sua hipótese da constituição de polos de formação de juristas na Espanha e na França. O material, coletado na Plataforma Sucupira e no Sistema GeoCAPES, permite confirmar que os países e as instituições formadoras no estrangeiro vêm se diversificando, em um contexto de expansão da pós-graduação na área, iniciada em meados dos anos 1990. Considerando a última década, os resultados destacam o aumento da procura por universidades espanholas e portuguesas, fenômeno possivelmente associado ao estreitamento das redes de colaboração entre associações de Direito brasileiras e ibéricas. Em, "Agir pelo jornalismo: do engajamento profissional à "defesa intransigente dos direitos humanos"', João Gilberto do Nascimento Lima discute a problemática da internacionalização de espaços e saberes profissionais, partindo do caso de uma ONG de jornalistas "investigativas" que associa o engajamento profissional à defesa de causas tais como a dos "direitos humanos". Explorando principalmente um conjunto de entrevistas realizadas com as fundadoras da ONG, busca: 1) descrever as suas respectivas relações com a "profissão", o "social" e a "política" e identificar as intenções e os processos que levaram à criação da ONG e 2) demonstrar os modos pelos quais as múltiplas ligações com o "internacional" (estudos no exterior, financiamento por fundações filantrópicas, participação em "grandes investigações" transnacionais) contribuem para a configuração de um modelo relativamente novo de atuação profissional, bem como, para a reestruturação do espaço jornalístico brasileiro no período recente. Finalmente, o texto "Da crítica da política à gestão pública eficaz: a despolitização como estratégia de poder" fornece elementos para se refletir sobre as transformações operadas na política pela definição que dela fazem os juristas. Em especial nas dicotomias entre o moderno presentes em modelos de gestão pública associados ao new public managemenr em contraponto, a práticas locais "arcaicas". A hipótese proposta é de que os empreendimentos de "crítica da política" protagonizados pelo sistema de justiça tem reforçado a estigmatização da política local como arcaica e patológica. Além disso, tem credenciado novos agentes, dotados de 5 Ver ENGELMANN, Fabiano. Estudos no exterior e mediação de modelos institucionais: o caso dos juristas brasileiros. Rcvisra de Sociologia Política, v. 16, p. 145-157, 2008. 10 | Apresentação do Dossiê  atributos externos à lógica política, enquanto sujeitos legitimados eleitoralmente a apresentar "soluções" para a "crise" das administrações públicas. Integrando a seção de temática livre desta edição da Revista Debates temos quatro outras contribuições, totalizando nove artigos nesta edição de dezembro de 2018. No sexto artigo, que se intitula "El (no) esrudio de las militancias partidistas" Alberto Espejel Espinoza busca analisar as diferentes visões sobre militâncias na literatura de partidos políticos, chamando atenção para a necessidade de se ampliar os trabalhos empíricos nesta área. Por sua vez, o sétimo artigo deste volume, sob o título de "Relações bilaterais Brasil-Haiti: o caso da alteridade nos discursos presidenciais e nas políticas educacionais" escrito por Daniela Dos Santos Caetano e Sandra Fernandes Leite aborda sobre quais são as possíveis compreensões acerca do conceito de alteridade como elemento de análise da política externa educacional conduzida pelo Brasil no Haiti, dada à liderança brasileira na Missão das Nações Unidas para estabilização do país. O oitavo artigo elaborado por Isabela V doso Lopes Versiani, Anete Marília Pereira e Maria da Luz Alves Ferreira tem como objetivo analisar a discussão do buen vivir no campo de estudos sobre o desenvolvimento, procurando entender como essa nova proposta, que incorpora a dimensão cultural de influência indígena andina na busca por outras formas de ver e se relacionar harmonicamente com o mundo, tem avançado na América Latina, sob o tÍtulo de "O buen vivir na América Latina como possibilidade emancipatória nos discursos sobre desenvolvimento". Encerra este volume da Revista Debates, o texto "El sistema jurídico tzeltal en Amatenango del Valle, Chiapas y el derecho positivo mexicano en el capitalismo contemporâneo" de autoria de José Rubén Orantes García. O artigo analisa a aplicação de sistemas normativos entre os habitantes do município tzetal de Amatenango do Vale, em Chiapas, no México analisando os diferentes níveis de interação entre o sistema legal indígena e o sistema legal mexicano. O s organizadores: Fabiano Engelmann (Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Brasil) Antoine V auchez (Centre Européen de Sociologie et Science Politique- Université Paris 1 e CNRS/ França) Yvez Dezalay (Emérito Centre Européen de Sociologie et Science Politique- CNRS/ França) 

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