Avaliação do efeito da administração aguda pregabalina na ativação do córtex somatosensitivo e motor esquerdo de fibromialgicas por meio da espectroscopia infravermelha funcional (fNIRS)

Abstract

A Fibromialgia (FM) é uma síndrome que se caracteriza por dor crônica difusa, fadiga, transtornos do sono e alterações de humor. Embora sua fisiopatologia não esteja totalmente elucidada, o processo neurobiológico parece envolver alterações do córtex sensitivo e motor e de suas conexões com estruturas subcorticais que constituem a neuromatriz da dor, assim como alterações neuropáticas periféricas. Sabe-se que o aumento do cálcio intracelular acima de certo limiar, pode ser parte do processo dependente de atividade que leva à sensibilização central, por aumento do influxo de cálcio por meio de canais NMDA, AMPA, canais dependentes de voltagem, e por liberação de reservas intracelular microssomais. A sensibilização central pode ser também interpretada como um processo de plasticidade mal-adaptativa que sustenta circuitos da dor e de seus correlatos. Por tanto, o córtex sensitivo e motor tem sido alvo diagnóstico e terapêutico para o estudo e tratamento da dor crônica. Dentre as múltiplas estratégias farmacológicas tem sido preconizado o uso da pregabalina, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para uso no tratamento de fibromialgia em 2007. A pregabalina age inibindo os canais de cálcio pré sinápticos dependentes de voltagem por se ligar à proteína auxiliar alfa-2-delta. In vitro, este fármaco reduz a liberação de neurotransmissores cálcio-dependentes incluindo glutamato, norepinefrina, calcitonina e substância P, estes neurotransmissores têm sido associados à sensibilização do sistema nervoso. Portanto, considerando o potencial neuromodulador da pregabalina baseado no seu mecanismo de ação, é um fármaco atrativo para avaliar o papel da modulação do córtex sensitivo e motor na fisiopatolgia da FM. No entanto, para que se avance no conhecimento do efeito dos fármacos na função encefálica, necessitamos utilizar recursos de neuroimagem que sejam exequíveis em contextos diversos, e que permitam mensurar o efeito dos fármacos dinamicamente. Dentre os recursos de imagem existe a Functional Near Infrared Spectroscopy (fNIRS) que permite avaliar ativação cortical por meio da mudança no consumo local de oxigênio que acompanha o disparo neuronal regional, mensurado pelas mudanças na concetração da oxi- e desoxi-hemoglobina. Com estas considerações, hipotetizamos que a modulação farmacológica induzida pela pregabalina poderia ser mensurada, clinicamente por meio de testes psicofísicos da dor (que avaliam vias nociceptivas associadas a termoreceptores e barorreceptores) e à nível de neuroimagem por meio do fNIRS. Por se tratar de um mesmo sistema com potencial de ser avaliado de forma virtualmente simultânea, hipotetizamos também que existirá uma associação entre as modulações clínicas (testes psicofísicos) e neurológicas (fNIRS do córtex sensitivo e motor primários). Desta forma, neste estudo avaliou-se o efeito de pregabalina (150 mg) em dose única em fibromiálgicas e controles saudáveis. Em ambos os grupos a pregabalina foi comparada ao placebo, num desenho de estudo randomizado, duplo-cego, cruzado. Avaliou-se o efeito das intervenções, intra e inter-grupos, na ativação cortical de maneira indireta, pela concetração da oxi-hemoglobina durante testes psicofísicos da dor por meio meio do Quantitative Sensory Testing (QST) e algometria de pressão, que foram comparados com a ativação cortical durante uma tarefa motora de percussão dos dedos da mão (left hand finger tapping). Foram estudadas mulheres com idade entre 18 e 65 anos, 17 fibromiálgicas e 10 controles saudáveis. Os parâmetros do QST foram avaliados uma hora após dose única de 150 mg de pregabalina. Resultados: Na linha de base, as fibromiálgicas apresentaram alterações no QST sugestivas de lesão de fibras finas: o limiar de detecção de calor (HDT, do inglês Heat Detection Threshold) foi maior que nas controles (35,53 ºC ± 3,22 vs. 33,33 ºC ± 0,85; p<0,05), enquanto o limiar de dor por pressão (PPT, do inglês Pain Pressure Threshold) foi menor (2,44 kg/cm2 ± 1,08 vs. 4,32 kg/cm2 ± 1,45; P<0,01). Não foram observadas diferenças nos outros componentes do QST, nem mudanças com a pregabalina. Quando comparados com as saudáveis, nas fibromiálgicas o HDT, limiar de dor por calor (HPT) e a tolerância ao calor (HT) evocaram activação nos giros frontal médio, precentral e póscentral, porém, de menor amplitude do que as controles. Depois da administração da pregabalina, aumentou a ativação em responsta ao HDT, mas não teve correlação com o valor do limiar. Já o HPT mostrou se correlacionar de forma inversa com a ativação nos giros frontal superior (rs=-0,552, p=0,033) e precentral (rs=-0,545, p=0,036) na linha de base e após pregabalina (rs=-0,52, p=0,047). A HT também apresentou uma correlação inversa com os giros frontal superior (rs=-0,645, p=0,032) e precentral (rs=-0,655, p=0,029), mas neste caso, esta correlação desapareceu após ter recebido pregabalina. A ativação cortical pelo PPT não detectou diferenças entre fibromiálgicas e controles. Conclusões: O perfil nos testes psicofísicos nas pacientes apresenta correlação com sua ativação cortical. As alterações nos testes sugerem alterações de fibras finas nociceptivas, o que é explicado por um componente de neuropatia periférica, que na fibromialgia é acompanhado por diminuição da ativação em áreas sensitivas e motoras, e aumento da ativação em áreas associadas com processamento cognitivo da dor, cuja atividade foi elevada com a pregabalina. Quando comparadas às controles, nas fibromiálgicas a HT recrutou mais áreas associada ao processamento cognitivo da dor, o que fortalece a hipótese a favor da existência do componente de sensibilização central na fibromialgia. Desta forma, estes achados reforçam a provável coexistência de alterações periféricas e centrais na fisiopatologia da fibromialgia.Fibromyalgia is a syndrome characterized by presenting chronic diffuse pain, fatigue, mood and sleep disturbances. Although its pathophysiology has not been totally elucidated yet, the neurobiological processes seems to involve funciontal alterations of the sensorimotor cortex and its conections with subcortical structures (related to the pain neuronal matrix), and also, with quantitative and qualitative alterations in fine sensitive fibers from the peripheral nervous system. It is known that increased intracellular calcium above certain threshold might be part of a process activity-dependant that leads to central sensitization, due to elevated calcium influx through NMDA and AMPA channels, as well as voltage-dependent channels, and also due to relase of intracellular microsomal reserves. Central sensitization can also be interpreted as a maladaptive plasticity that sustains pain circuits and its correlated. Thus, the sensorimotor cortex has been a diagnostic and therapeutic target for the study and treatment of chronic pain. Among the multiple pharmacological strategies, the use of pregabalin has been recommended and approved by the Food and Drug Administration (FDA) of the United States of America for treatment of patients with fibromyalgia since 2007. Pregabalin acts by inhibiting voltage-dependant pre-synaptic calcium channels by binding to the auxiliary protein alfa-2-delta. In vitro, this drug reduces the liberation of neurottransmissors that depend on calcium, and that include glutamate, norepinephrine, calcitonin and P-substance. All the latter mentioned neurotransmitters are associated with the central nervou system sensitization. Thus, considering its potential as neuronal modulation, taking into accout tis mechanisms of action, the pregabalin is an appealing drug to study the role of the modulation fo the sensorimotor cortex in the pathophysiology of fibromyalgia. Nevertheless, to incrase the knowledge about the effect of drugs on the cortical function, we need to use feasible neuroimaging resources able to be applied in diverse contexts, and that allow to measure the effect of the drugs in real time. Among the neuroimaging resources, there is the Functional Near Infrared Spectroscopy (fNIRS), which allows to assess cortical activation estimating the uptake of regional oxygen, that accompanies local neuronal firing. The fNIRS measures changes in the concentration of oxy and desoxy hemoglobin. Given these considerations, we hypothezise that the pharmacological modulation induced by pregabalin could be measured, clinically through psychophysical pain testing, and at the neuroimaging level using fNIRS. Given that it is about the same system with the potential to be assessed in complementary and virtually simultaneous ways, we also hypothesize that there still could exist an association between the clinical modulation (psychophysical tests) and cortical sensorimotor activation (assessed by fNIRS). In this way, this study appraised the effect of a single dose of pregabalin (150 mg) in the cortical activation and psicophysical pain testing in fibromyalgic and in healthy subjects. In both groups, pregabalin was compared to placebo, in a randomized, double-blinded, cross-over trial design. We assessed the effect of pregabalin, within and between-groups, on the cortical activity in an indirect way via the changes in oxy-hemoglobin upon heat and pressure stimuliation inside a protocol of QST, and also compared the psychophysical pain tests results with the performance during a Left Hand Fingertapping Task. We studied women aging 18 to 65, 17 of them with fibromyalgia and 10 healthy controls. QST parameters were assessed one hour after a single dose of 150 mg of pregabalin. Results: At baseline, patients with fibromyalgia presented QST alterations suggestive of fine nerve fibers lesion: baseline HDT was higher in fibromyalgia (35.53±3.22 vs. 33.33±0.85, P<0.05), while PPT was lower (2.44±1.08 vs. 4.32±1.45, P<0.01) than healthy volunteers, but did not change with pregabalin. When compared to healthy subjects, HDT, HPT, and HT evoked smaller activation in the middle frontal, pre- and post-central gyri in fibromyalgia, that increased after pregabalin (only for HDT-induced activation), but that was not correlated to the HDT. HPT was inversely correlated to the activation in the superior frontal (rs=-0.552, p=0.033) and precentral gyri (rs=-0.545, p=0.036), remaining unchanged after pregabalin (rs=-0.52, p=0.047). HT was inversely correlated to the middle frontal (rs=-0.645, p=0.032) and precentral gyri activation (rs=-0.655, p=0.029), but was no longer correlated after pregabalin. PPT cortical activation did not differ between fibromyalgia and healthy volunteers. Conclusions: The psychophysical pain testing profile in fibromyalgia has a cortical correlate. Alterations in tests for small fibers support its probable peripheral neuropathic component, and was accompanied by decreased activation in sensorimotor areas but increased in pain-related cognitive processing cortexes, and whose activity is increased by pregabalin. Also, upon HT fibromyalgia patients recruited more areas related to pain cognitive processing, which could favor the hypothesis of a component of central sensitization in fibromyalgia, and which was poorly modulated by pregabalin. Taken together, these findings support the co-existence of both, peripheral and central alterations in fibromyalgia

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