O engeitado: the mythology of the outcast in the portuguese poems of J. Slauerhoff: fado, saudade, Lisbon, Macau and Camões in the poetry of J. Slauerhoff

Abstract

Tese de mestrado, Estudos Comparatistas, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2013Jan Jacob Slauerhoff (1898-1936) foi um dos principais escritores neerlandeses durante o período entre as duas guerras mundiais. A obra deste romancista e poeta proeminente continua a ser lida e estudada até ao presente dia. Slauerhoff nasceu em Leeuwarden, capital da província de Frísia, e formou-se em medicina em Amsterdão. Foi como médico de bordo que viajou pelo mundo fora e esteve diversas vezes em Portugal, principalmente em Lisboa. Também visitou Macau por duas vezes. O seu fascínio pela cultura portuguesa acabou por influenciar profundamente a sua obra. O número de poemas inspirados na cultura portuguesa é relativamente reduzido porém caracterizam a sua poética. No capítulo “Macao” da colectânea Oost Azië (Extremo Oriente, 1928) foram incluídos quatro poemas dedicados a Macau e um poema intitulado “Camoës”. Na mesma colectânea figura igualmente o poema “Portugeesch fort” (Fortaleza portuguesa). A colectânea Eldorado (1928) contem o poema “Regresso de Camoës”. De mesmo modo Een eerlijk zeemansgraf (Uma honrada sepultura de marinheiro, 1936) e Al dwalend (Errante, 1947) incluem um poema sobre Camões e um poema irónico que em parte se refere à cultura portuguesa. A maior parte dos poemas de inspiração portuguesa, no entanto, podemos encontrar na colectânea Soleares (1933), no capítulo “Saudades” onde se fala de Lisboa, fado, saudade e do fadista António Menano. Há ainda dois poemas intitulados “Fado ” ou “Fado's” baseados em fados e adaptados para o neerlandês. O romance mais importante de Slauerhoff Het verboden rijk (O reino proibido, 1932) tem como um dos dois protagonistas Camoës. A personagem de Slauerhoff pouco tem a ver com a figura histórica do poeta. Camoës é a personificação da mundividência pessimista de Slauerhoff num romance em que causa e efeito são suspensos e onde as duas personagens principais, um radiotelegrafista anónimo do século XX e o poeta quinhentista, se sobrepõem num tempo e espaço outro. Camoës surge ainda como personagem principal em três poemas e aparece em 1935 pela última vez num conto em que os dois protagonista principais de Het verboden rijk se encontram novamente. A imagem de Slauerhoff do escritor histórico Camões terá sido provavelmente influenciada pelo livro de Reinhold Schneider Das Leiden des Camoës oder Untergang und Vollendung der portugiesischen Macht (1930) que Slauerhoff recenseou num artigo de jornal. Outras fontes que ele tinha a disposição são o artigo da autoria de José Maria Rodrigues “Luís de Camões. A sua vida e obra” (1930), uma edição portuguesa comentada de Os Lusíadas e uma tradução francesa. Slauerhoff gostava de ouvir fados cantados por Maria Alice e António Menano. Traduziu igualmente O crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz. Possuía também o livro fortemente nacionalista Porque me orgulho de ser português (1926) do seu amigo Albino Forjaz de Sampaio que recenseou. Por sua vez Sampaio incluiu duas fotografias de Slauerhoff na História da literatura portuguesa ilustrada: Volume II (1930). Recentemente, o fascínio de Slauerhoff pela cultura portuguesa levou à tradução de onze poemas para o português, cantados como fados por Cristina Branco no álbum O descobridor: Cristina Branco canta Slauerhoff (2002). Na primeira parte da minha dissertação analiso a obra de Slauerhoff, os seus contactos com Portugal e a recepção da sua obra dentro do contexto do desassossego interior do autor e dos seus problemas de saúde. A sua poesia, romances, contos e outras obras estão imbuídos de metáforas e imagens exóticas, influenciadas pela sua fascinação por culturas estranhas, e constituem uma reacção contra a cultura pequeno-burguesa neerlandesa que ele detestava mas da qual nunca se conseguiu libertar por completo. Os seus protagonistas são outcasts e enjeitados e personificam aquilo que o poeta não conseguiu realizar: o desejo de fugir às convenções sociais e viajar pelo mundo completamento só. A aversão à cultura neerlandesa teve como resultado a apreciação de Portugal e da cultura portuguesa. Durante as suas estadias em Portugal e Macau Slauerhoff projectava o seu sentimento de melancolia, desassossego e decadência física na história desses dois lugares onde se sentia em harmonia com o ambiente. Considerava Lisboa e Macau como manifestações externas da sua própria personalidade. Seguidamente examino de que forma a personagem literária de Slauerhoff condicionou a recepção e a influência da sua obra: Slauerhoff é hoje lido e traduzido internacionalmente, é objecto de estudos académicos, figura em antologias literárias e reaparece como uma espécie de poète maudit na obra de Cees Nooteboom. Podemos concluir que as suas viagens pelo mundo, e que a sua personagem literária de outcast apela a novas gerações e condiciona a recepção da sua obra. Na segunda parte estudo o modo como Slauerhoff utiliza "mitemas do fado" a fim de construir a sua própria mitologia e personagem de outcast. Depois de dar um breve resumo do modo como o fado faz uso de mitos e lendas na sua própria história, abordo a ideologia fatalista de Slauerhoff que faz parte fundamental da figura do outcast. Neste contexto examino os fados que Slauerhoff traduziu e o modo como transformou e adaptou esses fados, tal como a biografia de António Menano, a fim de ajusta-los à sua própria poética. Também os poemas "O engeitado" e "Fado" fazem parte dessa poética autonomista e fatalista. Na obra de Slauerhoff, o fado é romantizado e indissociavelmente ligado à marginalidade. Os mitemas do fado que Slauerhoff emprega, como o fatalismo, a Mouraria, o desejo e a nostalgia, são utilizados em função da sua personagem literária de outcast. Finalmente abordo o CD O Descobridor: Cristina Branco canta Slauerhoff (2002): em primeiro lugar no contexto do crescente interesse pelo fado nos Países Baixos e Flandres, em segundo lugar no contexto da obra de Cristina Branco. Seguidamente abordo como foi realizado o CD e argumento como os mitemas do fado, que também podemos encontrar em outros poemas, sem ser nos de inspiração portuguesa, acabam por influenciar a selecção dos poemas para este álbum. Por fim, a terceira parte foca a presença do conceito de saudosismo nos poemas de inspiração portuguesa de Slauerhoff. Para tal o conceito de saudade foi interpretado como sendo fundamentalmente dual, baseado numa subdivisão de Svetlana Boym em The Future of Nostalgia (2001) entre duas diferentes categorias: a nostalgia reflexiva e a nostalgia restaurativa. Esta divisão pode igualmente ser aplicada no caso de saudade e saudosismo, onde uma interpretação se prende com desejo, nostalgia e melancolia a um nível individual e ao mesmo tempo universal, e a outra se relaciona com um desejo de restauração da grandeza de Portugal, um desejo de regressar a um século de ouro mítico, repleta de descobridores, riqueza e da epopeia de Camões. Em primeiro lugar analiso como o saudosismo se relaciona com a figura do outcast na poética de Slauerhoff e como os temas universais, reflexivos de desejo e distância definem a perspectiva do outcast na sua poesia e a intensifica. Dentro desse contexto abordo também o fascínio de Slauerhoff por a imagem da mulher contemplativa e intocada junto à janela. As duas metáforas ajustam-se ao conceito de saudosismo na interpretação de Eduardo Lourenço mas são também concepções ambíguas e utópicas de solidão que explicam o desejo de ser um outcast. Na segunda parte abordo como Slauerhoff reinterpreta Lisboa, Macau e a figura de Camões e o modo como as interpretações se ajustam ao seu próprio mal-estar cultural, que podemos encontrar na filosofia de Oswald Spengler e na interpretação de Reinhold Schneider de Portugal e da figura de Camões. Slauerhoff descreve Lisboa e Macau como cidades em ruínas, prostradas sob o peso de um passado mítico. Ele projecta o seu próprio mal-estar e desassossego na sua personagem Camoës, um poète maudit e desterrado da sociedade portuguesa. Lisboa, Macau e Camões são o equivalente do saudosismo restaurador e do Sebastianismo: representam o fardo de um passado glorioso que domina como um demónio o presente e que legitima a posição marginal e o destino do outcast. O objectivo desta dissertação foi de analisar como Slauerhoff utilizou a cultura portuguesa, o fado e, de forma indirecta, a saudade para dar voz a sua visão poética e o modo como estes influenciaram a recepção (restrita) da sua obra em Portugal, nomeadamente o álbum O Descobridor de Cristina Branco. A questão central prende-se com o modo como Slauerhoff utilizou a mitologia do fado, da saudade e das lendas sobre Portugal e Camões a fim de criar a sua própria mundividência fatalista e pessimista. Grande parte da sua poesia foi escrita na perspectiva do outcast com uma maneira de pensar próxima do saudosismo. Slauerhoff projecta a sua vida e mundivisão pessimista sobre o fado, saudade, Camões e Lisboa e apaga as fronteiras entre história e mito, entre biografia e persona.Abstract: The purpose of this dissertation is to analyze how Slauerhoff used fado and saudade, two crucial elements in Portuguese culture, in order to construct the persona of the outcast. In constructing this persona, Slauerhoff makes use of Portuguese mythology from fado, the saudoso mentality, projects his own fatalistic, pessimistic worldview on legends about Camões and Lisbon, and in the process often deliberately blurs the lines between history and myth. In the first part, I analyze how Slauerhoff’s constant travelling, his own restlessness and his outcast persona influences his oeuvre, his travels in Portugal and the reception of his work and how Slauerhoff projected his own sense of melancholy and restlessness on Portugal and Macau, two places where he felt in harmony with his surroundings. Finally, I analyze how his persona of the outcast in his life and work influenced the international, academic and literary reception of his work. In the second part, I discuss Slauerhoff’s own fatalist ideology, firstly in his conception of the outcast in general and secondly, in the context of his fadoinfluenced poetry. I contextualize and discuss two fados he adapted. Central to this chapter is a discussion of the poem “O engeitado”. Finally, I discuss how Slauerhoff and Slauerhoff’s interpretation of fado and fado mythemes have influenced Cristina Branco’s album O Descobridor – Cristina Branco canta Slauerhoff (2002). The third part analyzes the saudoso mentality in Slauerhoff’s Portuguese poems. A parallel division runs in the conception and perception of saudade and the saudoso mentality: one conception relates to longing, nostalgia and melancholy on a personal, reflexive, universal level on the one hand whereas the other conception relates to a longing for restoration of a mythologized grandeur of Portugal’s golden age of discoveries and the epic literature of Camões

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