AGIR - Associação para a Investigação e desenvolvimento Sócio-Cultural
Abstract
Em 1947, sob o impulso do médico Fernando Bissaya Barreto, é
inaugurado na Vila da Tocha o Hospital-Colónia Rovisco Pais (H-CRP),
vocacionado para a erradicação da lepra no contexto nacional, tendo por
base um modelo de internamento compulsivo e de isolamento dos doentes.
Edificado num perímetro de cerca de 150 hectares, a sua projecção
arquitectónica sintetiza objectivos terapêuticos, profiláticos e de gestão
auto-suficiente que incita a uma reflexão em torno do projecto biopolítico
do Estado Novo, sugerindo uma convergência entre a reabilitação
biomédica do corpo enfermo e a regeneração moral do corpo social.
Actualmente recuperada como Centro de Medicina e Reabilitação da
Região Centro - Rovisco Pais, esta instituição alberga 26 ex-doentes e
contem um vasto arquivo que reúne processos clínicos, administrativos e
sociais.
A investigação em curso faz uso de metodologias e modelos interpretativos
diversos, assumindo-se como interdisciplinar. O H-CRP revela-se enquanto
objecto histórico e etnográfico multifacetado, que faz apelo a um trajecto
analítico que percorre a antropologia, a paleopatologia e a arquitectura.
Junto da comunidade hospitalar vem sido desenvolvida uma pesquisa de
cariz etnográfico que procura reconstruir a história do H-CRP, iluminar a
experiência da doença no interior desta comunidade espacialmente
ancorada e desvelar a representação social da lepra.
No desenvolvimento da interacção etnográfica, a premência de três
questões impôs-se, a saber: em que sentido as qualidades idiossincráticas
do objecto condicionam e informam a prática da etnografia? De que forma,
numa investigação de carácter interdisciplinar, se pode desenvolver um
diálogo entre os diferentes enfoques analíticos e metodológicos,
nomeadamente, de que maneira a etnografia absorve e reutiliza a
linguagem e os resultados da historiografia clínica e epidemiológica? E, por
fim, como é que se interpela a memória, esse espaço de contínua recriação
simbólica? Em suma, em que medida não é a etnografia uma ferramenta
privilegiada de compreensão da dinâmica social, justamente porque ela
própria se transfigura, enquanto metodologia situada e híbrida? A presente comunicação pretende desenvolver uma reflexão em torno
destas questões, apoiando-se nos dados provenientes do referido contexto
etnográfico.In 1947, under the impulse of the medical doctor Fernando Bissaya
Barreto, it was inaugurated in Vila of Tocha the Hospital-Colónia Rovisco
Pais (H-CRP), aimed at the eradication of leprosy in Portugal, based on a
model of compulsive internment and isolation of the patients. Edified in a
perimeter of about 150 hectares, its architectonic projection synthesizes
therapeutic and prophylactic objectives as well as an autosufficient
management. This motivates a reflection around the biopolitic project of
the Estado Novo which suggests a convergence between the biomedical
rehabilitation of the diseased body and the moral regeneration of the
social body. At present, recovered as Centro de Medicina e Reabilitação da
Região Centro - Rovisco Pais, this institution lodges 26 former patients
and contains a vast archive which includes clinical, administrative and
social files.
The ongoing investigation use diverse methodologies and interpretative
models, in an interdisciplinary perspective. The H-CRP reveals itself as an
historical and multifaceted object, which appeals to an analytical path
that goes through anthropology, paleopathology and architecture.
On the hospital community is being developed an ethnographical research
whose main objectives are: to trace the history of the H-CRP, reveal the
experience of the disease in the interior of this spatially anchored
community and uncover the social representation of leprosy.
On the progress of the ethnographic interaction, three questions aroused,
namely: in what sense does the idiosyncratic qualities of the object
condition and inform the practice of ethnography? In what way, on an
interdisciplinary investigation, can be developed a dialogue between the
different analytical and methodological strategies, specifically, in what
manner does ethnography absorbs and reuses the language and the
results of clinical and epidemiological historiography? And finally, how can
memory, being a universe of continuous symbolic recreation as it is, be
interpellated? Briefly, in what measure isn’t ethnography a privileged
technique for understanding the social dynamic, precisely because it
transfigurates itself, as a situated and hybrid methodology?
This communication aims to develop a reflection around these matters,
with reference to the data proceeding from the mentioned ethnographical
context