Após a chegada dos conquistadores europeus, as populações nativas americanas foram dizimadas por diversas razões, como guerras e doenças, o que possivelmente levou diversas linhagens genéticas autóctones à extinção. Entretanto, durante essa invasão, houve miscigenação entre os colonizadores e os povos nativos e muitos estudos genéticos têm mostrado uma importante contribuição matrilinear nativa americana na formação da população colonial. Portanto, se muitos indivíduos na atual população urbana brasileira carregam linhagens nativas americanas no seu DNA mitocondrial (mtDNA), muito da diversidade genética nativa perdida durante o período colonial pode ter se mantido, por miscigenação, nas populações urbanas. Assim, essas populações representam, efetivamente, um importante reservatório genético de linhagens nativas americanas no Brasil e em outros países americanos, constituindo o reflexo mais fiel da diversidade genética pré-colombiana em populações nativas. Baseado nisso, este estudo teve como objetivos 1) comparar os padrões de diversidade genética de linhagens nativas americanas do mtDNA em populações nativas do Sul do Brasil e da população urbana (miscigenada) adjacente; e 2) comparar, através de Computação Bayesiana Aproximada (ABC), a história demográfica de ambas populações para chegar a uma estimativa do nível de redução do tamanho efetivo populacional (Ne) das populações indígenas aqui tratadas. Foram utilizados dados já publicados da região hipervariável (HVS-I) do mtDNA de linhagens nativas de 396 indivíduos Nativos Americanos (NAT) pertencentes aos grupos Guarani, Caingangue e Charrua e de 309 indivíduos de populações miscigenadas urbanas (URB) do Sul do Brasil e do Uruguai As análises de variabilidade e estrutura genética, bem como testes de neutralidade, foram feitos no programa Arlequin 3.5 e a rede de haplótipos mitocondriais foi estimada através do método Median-Joining utilizando o programa Network 5.0. Estimativas temporais do tamanho populacional efetivo foram feitas através de Skyline Plot Bayesiano utilizando o pacote de programas do BEAST 1.8.4. Por fim, o programa DIYABC 2.1 foi utilizado para testar cenários evolutivos e para estimar o Ne dos nativos americanos pré- (Nanc) e pós-contato (Nnat), para assim, se estimar o impacto da redução de variação genética causada pela colonização europeia. Os resultados deste estudo indicam que URB é a melhor preditora da diversidade nativa ancestral, possuindo uma diversidade substancialmente maior que NAT, pelo menos na região Sul do Brasil e no Uruguai (H = 0,96 vs. 0,85, Nhap = 131 vs. 27, respectivamente). Ademais, a composição de haplogrupos é bastante diferente entre as populações, sugerindo que a população nativa tenha tido eventos de gargalo afetando os haplogrupos B2 e C1 e super-representando o haplogrupo A2. Em relação à demografia histórica, observou-se que URB mantém sinais de expansão remetendo à entrada na América, contrastando com NAT em que esses sinais estão erodidos, apenas retendo sinais de contração populacional recente. De acordo com as estimativas aqui geradas, o declínio populacional em NAT foi de cerca de 300 vezes (84 – 555). Em outras palavras, a população efetiva nativa amricana nessa região corresponderia a apenas 0,33% (0,18% – 1,19%) da população ancestral– 99,8%, corroborando os achados de outros estudos genéticos e também com os registros históricos.After the arrival of the European conquerors, the Native American populations were decimated due to multiple reasons, such as wars and diseases, which possibly led many autochtonous genetic lineages to extinction. However, during the European invasion of the Americas, colonizers and indigenous people admixed, and many genetic studies have shown an important Native American matrilineal contribution to the formation of the Colonial population. Therefore, if many individuals in the current urban population harbor Native American lineages in their mitochondrial DNA (mtDNA), much of Native American genetic diversity that have been lost during the Colonial Era may have been mantained by admixture in urban populations. In this case, these populations effectively represent an important reservoir of Native lineages in Brazil and other American countries, constituting the most accurate portrait of pre-Columbian genetic diverstity of Native populations. Based on this, the aims of the presente study were 1) to compare the patterns of genetic diversity of Native American mtDNA lineages in Native populations from Southern Brazil and the surrounding admixed urban populations; and 2) to compare, using Approximate Bayesian Computation (ABC), the demographic history of both groups to estimate the level of reduction in the effective population size (Ne) for the indigenous groups present here. We used mtDNA hypervariable segment (HVS-I) data of indigenous origin already published from 396 Native American individuals (NAT) belonging to the Guarani, Kaingang, and Charrua groups, and 309 individuals from Southern Brazilian and Uruguayan admixed urban populations (URB) The analyzes of variability and genetic structure, as well as the neutrality tests were accomplished using Arlequin 3.5, and the mitochondrial haplotype network estimated through the Median-Joining method available in Network 5.0. Time estimates for effective population size were performed using Bayesian Skyline Plot available in the BEAST 1.8.4 package. Finally, the DIYABC 2.1 software was used to test evolutionary scenarios and to estimate the pre (Nanc) and post-contact (Nnat) Native American Ne, and estimate the impact of the colonization process on the Native American genetic variability. The results indicate that URB is the best predictor of ancestral Native diversity, having substancially greater genetic diversity than NAT, at least in the Southern Brazilian and Uruguayan regions (H = 0.96 vs. 0.85, Nhap = 11 vs. 27, respectively). Moreover, the haplogroup compositions are very distinct between these groups, suggesting that the Native population passed through bottleneck events affecting the haplogroups B2 and C1, and overrepresenting the haplogroup A2. In relation to demographic history, we observed that URB retains signals of population expansion back to the entry in the Americas. In contrast, these signals are eroded in NAT, which maintains only signals of recent population contraction. According to our estimates, the population decline in NAT was around 300x (84 – 555x). In other words, the effective Native American population in this region would correspond to only 0.33% (0.18% – 1.19%) of the ancestral population, corroborating the findings of other genetic studies and historical records