HIV-2 immunopathology : how the immune system deals with long-lasting infection

Abstract

Tese de doutoramento, Ciências Biomédicas (Imunologia), Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, 2012A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) caracteriza-se por perda progressiva de células T CD4+, conduzindo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) e morte, na ausência de terapêutica anti-retroviral (ART). Estima-se que, actualmente, mais de 30 milhões de pessoas vivam com VIH. Portugal apresenta uma das incidências mais elevadas de infecção VIH-1 da Europa, bem como a prevalência mais alta de VIH-2, uma infecção essencialmente confinada à África Ocidental. A infecção pelo VIH-2 caracteriza-se por uma perda muito lenta de células T CD4+, níveis indetectáveis/baixos de vírus circulante e um tempo de progressão para SIDA superior a 20 anos, traduzindo-se num impacto limitado na mortalidade da maior parte dos adultos infectados. Estas características configuram a infecção pelo VIH-2 como uma forma naturalmente atenuada de doença. Contudo, o número de células infectadas é semelhante ao encontrado na infecção pelo VIH-1, sugerindo que ambos os vírus apresentam idêntica capacidade de disseminação e estabelecimento de reservatórios. Além disso, doentes VIH-2+ e VIH-1+ com o mesmo grau de perda de células T CD4+ apresentam níveis comparáveis de hiper-activação imunitária, suportando um papel importante da activação imunitária persistente na imunopatogénese de ambas as infecções. A activação imunitária crónica é reconhecida como um melhor indicador de progressão de doença do que os níveis de vírus circulante na infecção pelo VIH, sendo o principal determinante da perda de células T CD4+. Assim, estratégias terapêuticas dirigidas à sua limitação poderão ser benéficas para controlar a infecção VIH/SIDA, contribuindo, potencialmente, para uma progressão mais lenta da doença. Contudo, os mecanismos subjacentes à activação imunitária crónica na infecção VIH permanecem por clarificar. Este trabalho baseou-se no pressuposto de que a investigação da infecção pelo VIH-2 revela estratégias usadas pelo sistema imunitário para enfrentar os desafios impostos pela infecção VIH crónica, elucidando a imunopatogénese associada ao VIH/SIDA. Na primeira parte deste trabalho foram investigadas, pela primeira vez em doentes infectados pelo VIH-2, as alterações de monócitos e células dendríticas mielóides, células do sistema imunitário inato que constituem a primeira linha de defesa contra o vírus. Na fase aguda da infecção pelo VIH, a imunidade inata desempenha um papel importante na limitação da replicação viral e na promoção do desenvolvimento de respostas imunitárias adaptativas, ao passo que, na fase crónica, pode actuar como modeladora da activação imunitária. Verificou-se uma activação dos monócitos desde as fases iniciais da infecção pelo VIH-2, mesmo na ausência de virémia, acompanhada de sobre-expressão de moléculas envolvidas em vias de limitação da activação imunitária (PD-1/PD-L1). Estes dados sugerem que, na infecção pelo VIH-2+, a via PD-1/PD-L1 poderá desempenhar um papel de limitação da activação imunitária desde as fases iniciais da doença. De acordo com esta hipótese, não se documentaram alterações nos níveis séricos de diversas citocinas e quimiocinas produzidas por monócitos nos indivíduos VIH-2+. Embora inicialmente estas alterações de monócitos não se acompanhassem de perda de células dendríticas mielóides, a progressão da doença pelo VIH-2 associou-se a uma depleção desta população, tal como observado na infecção pelo VIH-1. De notar que, nos doentes infectados pelo VIH-2, a activação monocitária e a produção de factores solúveis, bem como as alterações observadas em mDC, não se associaram a níveis de Lipopolissacarídeo (LPS) circulante. Estes dados suportam a ausência de uma contribuição significativa da translocação microbiana para a imunopatogénese da infecção pelo VIH-2, tal como reportado em populações Africanas. Na segunda parte deste trabalho prosseguiu-se à investigação do papel de moléculas envolvidas em vias inibitórias no desenvolvimento da doença VIH/SIDA, através do estudo da sua expressão em células T. Muito embora a expressão de PD-1 em células T específicas para o VIH-1 tenha sido, inicialmente, associada a exaustão celular, dados mais recentes têm apontado para que constitua uma resposta de limitação de danos associados a activação exacerbada. Além disso, diversos autores têm vindo a sugerir que a expressão de PD-1 em células T não será, só por si, suficiente para definir um verdadeiro fenótipo de exaustão sendo, para tal, necessária a co-expressão de outras moléculas inibitórias, como o TIM-3. Os doentes VIH-2+ e VIH-1+ apresentaram o mesmo padrão de expressão de PD-1 nas células T, que se observou estar associado à activação e proliferação celular. Estes dados vão contra a ideia de o PD-1 ser um indicador de exaustão, suportando, ao invés, a possibilidade de a sua sobre-expressão indicar activação celular após encontro com o antigénio. Em contraste, a expressão de TIM-3 mostrou-se independente da diferenciação e proliferação celular, identificando uma população significativamente expandida nos doentes VIH-1+, mas não nos VIH-2+. Finalmente, apenas os doentes VIH-2+ apresentaram fortes correlações positivas entre a expressão, quer de PD-1, quer de PD-L1, apesar de não apresentarem aumento significativo da sua expressão, e os níveis de perda de células T CD4+ e activação imunitária. Isto apesar da virémia reduzida e em contraste evidente com os doentes VIH-1+, que não mostraram associação entre expressão de PD-L1 e indicadores de progressão da doença. Estas observações apoiam um modelo em que, durante a infecção pelo VIH-2, ocorre um controlo estrito da expressão de PD-L1 pelas células T que, de alguma forma, está alterado na infecção pelo VIH-1. Neste cenário, uma melhor manutenção global da via PD-1/PD-L1 na infecção pelo VIH-2, na ausência de níveis significativos de TIM-3, poderá, ao invés de indicar exaustão, contribuir para limitar imunopatologia, resultando assim numa perda mais lenta de células T CD4+. A capacidade de conservação/renovação das células T CD4+ é um factor determinante do curso da infecção pelo VIH que depende, em grande parte, da homeostasia das células T CD4+ naïve. Este compartimento celular é mantido, na idade adulta, pela produção contínua de células T, no timo, que tende a decrescer com a idade, e pela subsequente proliferação das células, após saída do timo, na periferia. A citocina homeostática IL-7 tem um papel importante nesta proliferação homeostática, particularmente na da população de células T CD4+ que expressam CD31, que inclui as células recentemente emigradas do timo, contribuindo, desta forma, para a preservação da sua diversidade em termos de TCR. Assim, na terceira parte deste trabalho, investigaram-se os mecanismos envolvidos na manutenção do compartimento de células T CD4+ naïve. Os doentes VIH-2+ e os controlos saudáveis, com a mesma idade, apresentaram telómeros com tamanho idêntico nas células T CD4+ naïve, apesar de os níveis de proliferação serem significativamente mais elevados nos indivíduos infectados. Em contraste, doentes VIH-1+, com idade e níveis de proliferação de células T-CD4+ naïve equivalentes aos dos doentes VIH-2+, apresentaram telómeros significativamente mais curtos, em comparação com os dos controlos. Assim, as duas infecções diferem na capacidade de preservar o tamanho dos telómeros e o potencial replicativo das células T CD4+ naïve. Para além disso, verificou-se que estas células, em particular as definidas pela expressão de CD31, mantinham a capacidade de proliferar em resposta à estimulação com IL-7 em doentes VIH-2+, mas não em VIH-1+ com a mesma idade. Estes dados sugerem uma melhor manutenção da capacidade de proliferação em resposta à IL-7 na infecção pelo VIH-2, que poderá contribuir para preservar o número e a diversidade das células T CD4+ naïve. Em conjunto, estes resultados poderão conduzir a uma menor taxa de perda de células T CD4+ na infecção pelo VIH-2, promovendo uma progressão lenta de doença. Apesar de a perda de células T CD4+ ser a alteração típica da infecção VIH/SIDA, diversas outras perturbações imunológicas ocorrem durante a doença, contribuindo para a imunodeficiência global. Em particular, a infecção pelo VIH-1 tem sido associada a uma diminuição progressiva das respostas humorais e à perda generalizada de células B de memória, perturbações apenas parcialmente recuperadas pela ART. Na última parte deste trabalho investigou-se se a infecção prolongada pelo VIH-2 leva a alterações do compartimento de células B de memória. Verificou-se que a infecção pelo VIH-2 se associou a uma perda de células B de memória, com e sem mudança de classe de imunoglobulinas avaliada pela perda de expressão de IgD, em correlação directa com a activação das células T. Esta perda observou-se mesmo na ausência de virémia, não sendo recuperada pela ART, apresentando os doentes VIH-2+ tratados maiores perturbações, provavelmente devido ao seu maior tempo de infecção. Em conclusão, a progressão lenta da infecção pelo VIH-2 relacionou-se com dois factores. Por um lado, a regulação estrita de vias inibitórias de activação celular, com a sobre-expressão de moléculas inibitórias, por células da imunidade inata e linfócitos T, a constituir uma “assinatura” específica do VIH-2. Por outro, a preservação dos telómeros e da capacidade de resposta à IL-7 das células T CD4+ naïve contribuindo, provavelmente, para manter as células T CD4+. Contudo, a perda irreversível de células B de memória, mesmo em doentes sem virémia, indica que, ao longo da fase “assintomática/crónica” mais prolongada da doença VIH-2, ocorrem alterações irreversíveis e, possivelmente, exaustão imunitária. Este trabalho demonstra que a infecção pelo VIH-2 constitui um modelo natural único para identificar potenciais alvos para novas estratégias terapêuticas complementares dos fármacos anti-retrovirais que permitam uma efectiva reconstituição imunológica na infecção VIH/SIDA.Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, SFRH/BD/36400/2007, POCI 2010) e FSE

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