Tese de doutoramento, Biologia (Ecologia), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2010The fast increase of human population and activities during the 20th century led to an increment in the loading of both land-derived nitrogen from anthropogenic diffuse sources and metal industrial discharges to coastal and transitional waters. Thus, estuaries were subdued to large discharges of nitrogen and metals, which may lead to eutrophication and historical contamination. Salt marshes provide crucial ecosystem functions, such as nitrogen cycling and sequestration, as well as phytoremediation. Therefore, this thesis focuses on a better understanding of nitrogen cycling in warm-temperate salt marshes, metal compartmentalization in salt marsh plants and effects of multiple stressors (nitrogen enrichment and metal historical contamination) on the ability to auto-remediate estuarine systems. Nitrogen sequestration and cycling in salt marshes, namely through nitrogen incorporation in biomass and organic nitrogen burial, is species-specific (Sarcocornia fruticosa, Sarcocornia perennis, Halimione portulacoides, Scirpus maritimus and Spartina maritima) and greatly depends on the maturity of the salt marsh (S. maritima), rather than on the estuary. Denitrification occurring in S. maritima salt marshes is also an important remediation process for nitrogen, namely during winter. H. portulacoides ability to accumulate high metals concentrations is higher in the roots than in the aboveground material and metal compartmentalization mostly occurs in the cell wall, thus, outside key metabolic sites. Regarding the studied multiple stressors, nitrogen loading and metals contamination did not affect the phytoremediation capacity of H. portulacoides for Zn, Cu and Ni, and enhanced the Cd accumulation in this plant species. Denitrification in metals-contaminated salt marsh was higher during the studied season (winter), when compared to a non-contaminated salt marsh. As a whole, multiple stressors affected the auto-remediation capacity of salt marshes. Since ecosystem functions seem to be species-specific, one cannot exclude that multiple stressors threaten the provided ecosystem services and, consequently, ecosystem health and equilibrium may be endangered.Ao longo do século XX, o aumento da população humana nas zonas costeiras e o aumento da pressão exercida no ambiente, inerentes à sua presença e actividades, aumentaram de forma muito rápida, o que conduziu a um grande aumento de descargas azoto de fontes difusas e origem antropogénica, tal como ao aumento de descargas de resíduos industriais (e.g. metais) para as massas de águas marinhas e de transição. Deste modo, os estuários foram sujeitos a grandes descargas de azoto e de metais, cujas consequências são de ordem diversa, nomeadamente eutrofização e contaminação por metais, denominadas, respectivamente, por eutrofização cultural e contaminação histórica por metais. Os sapais desempenham funções ecológicas extremamente importantes, nomeadamente como bio-estabilizadores; também constituem um dos ecossistemas mais produtivos e prestam serviços muito importantes, tais como recliclagem e sequestro de azoto e fitoremediação. Tendo em conta a importância destes ecossistemas, o presente trabalho tem por objectivo estudar e compreender o ciclo do azoto nos sapais; a compartimentação dos metais nos diferentes órgãos das plantas de sapal, e ainda os efeitos dos stresses múltiplos (enriquecimento em azoto e contaminação histórica por metais) na capacidade de auto-remediação dos sapais, bem como os efeitos nos serviços prestados por estes ecossistemas.
O ciclo do azoto nos sapais foi estudado por meio de 3 casos de estudo incluídos no Capítulo I.
Este trabalho consistiu na monitorização bimensal da biomassa e concentração de azoto nos diferentes órgãos das halófitas de sapal e no rizosedimento. De acordo com os resultados obtidos, a acumulação/sequestro e transferência de azoto pelas plantas de sapal é específica para cada espécie (nomeadamente, Sarcocornia fruticosa, Sarcocornia perennis, Halimione portulacoides, Scirpus maritimus e Spartina martitima) e não foi possível estabelecer uma relação entre a capacidade de retenção de azoto e a respectivo mecanismo fotossintético. Este trabalho demonstra que os processos de reciclagem de azoto, promovidos pelas plantas de sapal, contribuem para a redução da eutrofização (via sequestro de azoto), evidenciando os serviços prestados por estes ecossistemas e o papel crucial das halófitas na manutenção das funções e da saúde do ecossistema.
Através da monitorização da biomassa de S. maritima, conteúdo em azoto na planta, nos detritos e no sedimento, este trabalho permitiu concluir que o sapal mais maturo e que está sujeito uma pressão antropogénica superior, apresenta maior produção de biomassa e produção de azoto na parte subterrânea da planta. Apresenta também uma taxa de decomposição mais lenta, contribuindo deste modo para um maior sequestro de azoto no sedimento. Sapais sujeitos a uma pressão antropogénica menos intensa produzem maior biomassa (e incorporam maior quantidade de azoto) na parte aérea da planta. Os resultados deste caso de estudo permitem concluir que a capacidade de retenção de azoto depende, de forma determinante, da maturidade do sapal em que se insere, bem como das características fisico-químicas inerentes. Além disso, este trabalho realça o facto de as funções prestadas pelos sapais, nomeadamente o sequestro de N, contribuírem para a redução da eutrofização em águas de transição.
Foi realizado um estudo sazonal num sapal colonizado por S. maritima e na área adjacente sem vegetação. Através da quantificação de fluxos de oxigénio, NH4-N, NOx-N, nitrificação potencial e desnitrificação (“15N-isotope pairing technique”), observou-se que as taxas de nitrificação potencial foram significativamente superiores no outono e no inverno e que não houve diferenças significativas entre os dois tipos de sedimento analisados: sedimento não colonizado e sedimento colonizado por S. maritima. As taxas de desnitrificação em sedimentos sem vegetação (máx. 151±24 mol N2m-2h-1 (média ± DP) (verão, período nocturno)) estão compreendidas nos intervalos de valores obtidos noutros sistemas comparáveis. As taxas de desnitrificação no sedimento colonizado por S. maritima foram de modo geral superiores aos valores obtidos para a lagoa de Veneza. Relativamente à sazonalidade, as taxas de desnitrificação apresentaram valores superiores no inverno também no período nocturno (676 ± 497 mol N2m-2h-1) (média ± DP). No estuário deste caso de estudo, o estuário do Tejo, a desnitrificação nos sapais de S. maritima, quando comparadas com as obtidas na zona sem vegetação, apresentaram valores superiores no inverno. Este processo pode contribuir potencialmente para uma grande redução da concentração de azoto no estuário do Tejo nesta estação do ano (devido ao aumento da pluviosidade, das descargas fluviais e da escorrência superficial), contribuindo para a redução da disponibilidade de nitrato na coluna de água na primavera seguinte.
O Capítulo II diz respeito à acumulação e compartimentação de metais em halófitas de sapal, tendo como caso de estudo a halófita Halimione portulacoides.
Tendo em conta a elevada capacidade dos sedimentos colonizados por plantas de sapal para acumular elevadas concentrações de metais, e consequentemente a capacidade das plantas para tolerarem estas mesmas concentrações, este estudo teve por objectivo esclarecer quais as estratégias de H. portulacoides para evitar a toxicidade por metais nos diferentes órgãos e ao nível da célula. Neste sentido, foi realizada uma extracção sequencial ao nível da folha, caule e raiz de H. portulacoides e determinadas as concentrações de metais (Zn, Pb, Co, Cd, Ni e Cu) em diferentes fracções do material vegetal.
De acordo com este estudo, todos os órgãos da planta acumulam os metais maioritariamente na parede celular (53 % nas folhas a 65 % nas raízes) sendo o conteúdo a nível intracelular consideravelmente inferior (21% nas raízes a 32% nas folhas). Deste modo, as concentrações metais elevadas existentes no ambiente sedimentar não causam toxicidade às plantas de sapal. Isto deve-se ao facto destas imobilizarem os metais em diferentes compartimentos celulares (parede celular, fracção proteica e intracellular) e fora de locais vitais em termos metabólicos, o que deverá ser crucial para a sobrevivência de H. portulacoides em sapais com elevada contaminação por metais.
No Capítulo III é abordado de duas formas distintas, os efeitos dos stresses múltiplos. i.e., excesso de azoto e contaminação por metais, na capacidade de auto-remediação dos sapais e consequentes ameaças para os serviços prestados por estes ecossistemas.
No intuito de compreender melhor como é afectada a capacidade de fitoremediação das plantas de sapal (fitoacumulação de metais) pela “eutrofização cultural”, foi realizada uma experiência sob condições controladas. A contaminação histórica foi simulada expondo as plantas (H. portulacoides) a elevadas concentrações de metais (Zn, Cu, Ni, Cd) e foram testados diferentes níveis de enriquecimento em azoto na forma de nitrato, de modo a simular diferentes níveis de eutrofização. De acordo com o presente trabalho, e tendo em conta as condições testadas, a “eutrofização cultural” parece não afectar a capacidade de fitoremediação de Zn, Cu e Ni por H. Portulacoides. Mais, o serviço de fitoremediação de Cd parece ser promovido. Todavia, a elevada toxicidade do Cd e a sua bioacumulação devem ser tidas em conta, tal como a vulnerabilidade dos sapais, cuja redução terá consequências drásticas para a saúde do ecossistema.
Tendo em conta a possibilidade de auto-remediação de N nos sapais através do processo de desnitrificação, o segundo caso de estudo deste capítulo, teve como objectivo testar se a desnitrificação em sapais é afectada pela contaminação por metais. Deste modo, foi comparada a taxa de desnitrificação (“15N-isotope pairing technique”), durante o inverno, em sapais com diferentes níveis de contaminação por metais. As taxas de desnitrificação foram inferiores no sapal não contaminado e também inferiores em condições de luz, i.e. durante o período diurno. Nas condições testadas, a taxa diária de desnitrificação obtida foi cerca de 2285 ± 420 μmol N m-2 dia-1 no sapal de S. maritima não contaminado e 11046 ± 7398 μmol N m-2 dia-1 no sapal contaminado. No entanto, a variabilidade é bastante superior no sapal contaminado. Em suma, este estudo contribuiu para avaliar a capacidade de auto-remediação dos sapais através da desnitrificação, tendo em conta stresses múltiplos, i.e. “eutrofização cultural” e “contaminação histórica” por metais. Todavia, serão úteis mais resultados comparáveis com este.
De um modo geral, a presente tese evidencia os serviços dos sapais na redução/mitigação potencial da eutrofização, ainda que, no mesmo sistema, apresente alguma variação espacial. A espécie de sapal Spartina maritima, nativa da Europa, contribui para a remediação de azoto através da intercepção do azoto proveniente de montante e reduzindo a descarga de azoto reactivo para o oceano. Este processo poderá ser efectuado através da incorporação de azoto na biomassa (e.g. aminoácidos e proteínas), acumulação de azoto orgânico nos sedimentos colonizados (e.g. acumulação de detritos vegetais e aumento das taxas de sedimentação) e desnitrificação. Além disso, demonstra-se a capacidade das plantas de sapal para acumular elevadas concentrações de metais e consequentemente proceder à fitoremediação do ambiente estuarino envolvente. Por último, os stresses múltiplos estudados (enriquecimento em azoto e contaminação por metais) não afectaram a capacidade de fitoremediação de Zn, Cu e Ni por H. portulacoides. Por outro lado, estes factores aumentaram a capacidade de acumulação de Cd por esta espécie. Todavia, a toxicidade de Cd e a bioacumulação ao longo da cadeia trófica, tal como a vulnerabilidade dos sapais não deve ser desprezada. A desnitrificação no sapal contaminado por metais (Al, Fe, Zn, Mn, Pb, Cr, Cu, Ni, Co, Cd e o metalóide As) foi superior na estação do ano estudada (inverno), o que sugere uma adaptação de S. maritima e da comunidade microbiana às elevadas concentrações de metais no sedimento. Contudo, tal como acima mencionado, será relevante obter outros resultados comparáveis. Em suma, a capacidade dos sapais de auto-remediação de azoto e metais é afectada pelos stresses múltiplos estudados. Dado que muitas funções das halófitas de sapal são específicas para cada espécie não poderemos excluir que os stresses múltiplos possam constituir uma ameaça aos serviços prestados pelos sapais e consequentemente ameaçar a saúde e o equilíbrio do ecossistema.Fundação para a Ciência e a Tecnologia(SFRH/BD/23634/2005