thesis

Contribuição para a caracterização da população de Streptococcus pneumoniae causadora de infecções graves

Abstract

Tese de doutoramento em Ciências da Saúde (Microbiologia), apresentada à Universidade de Lisboa através da Faculdade de Medicina, 2008A espécie Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um agente potencialmente patogénico que pode viver na nasofaringe assintomaticamente ou causar infecções invasivas e não invasivas no Homem. Está associado a uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade, sobretudo em crianças com menos de 2 anos. Face à importância desta bactéria para a saúde humana foram estudados dois temas. O primeiro é a variação de fase, um mecanismo de regulação de factores de virulência usado por S. pneumoniae, cuja importância em infecções no Homem está ainda por esclarecer. O segundo, diz respeito à estrutura da população responsável por infecções invasivas antes e depois da disponibilização em Portugal da vacina 7-valente. a) Recentemente foi descrita a variação de fase nos pneumococos. Segundo o modelo proposto o pneumococo pode reverter espontaneamente entre a forma opaca e a transparente. As formas transparentes têm sido associadas a uma colonização mais eficiente em oposição às opacas, enquanto que as formas opacas são as únicas capazes de causar bacteriémia persistente num modelo murino. A maioria destas experiências foram restritas a apenas algumas estirpes com um contexto genético desconhecido e expressando apenas 6 dos 91 tipos capsulares reconhecidos nos pneumococos. Estas observações não esclarecem se a variação de fase é um fenómeno restrito a alguns serótipos ou perfis genéticos ou se é uma propriedade de todos os pneumococos. Se a variação de fase fosse uma propriedade restrita a alguns clones isso poderia explicar o seu sucesso epidemiológico. De modo a resolver esta questão, estudou-se a variação de fase numa colecção diversificada de estirpes causadoras de infecções invasivas previamente caracterizadas quanto ao serótipo e perfil genómico. Foram analisadas 304 estirpes responsáveis por infecções invasivas que expressavam os 10 serótipos mais prevalentes. A visualização do fenótipo foi feita recorrendo a uma lupa diascópica, através da passagem de luz oblíqua num meio transparente. Verificou-se que a maioria (52,0%) das estirpes responsáveis por infecções invasivas eram opacas e apenas 26,0% eram transparentes, o que está de acordo com a variação de fase ter um papel na infecção pneumocócica no Homem. Por outro lado, observou-se uma notória diferença na prevalência de cada fenótipo em cada serótipo. Por isso tentou-se estabelecer uma associação entre o serótipo e a opacidade, estimando o odds ratio empírico, com referência a todos os outros serótipos, específico para cada serótipo e um intervalo de confiança de 95%. Observou-se que os serótipos 1, 4 e 23F estavam mais associados ao fenótipo opaco do que o espectável, enquanto os serótipos 3 e 14 estavam mais associados ao fenótipo transparente. Esta associação pode, em parte, explicar as diferenças epidemiológicas observadas entre os serótipos, como a preferência para colonizarem a nasofaringe ou para serem mais frequentemente isolados de casos de infecção invasiva. De acordo com o esperado, a frequência de transição de fase variou de 10-3 a 10-6, entre o fenótipo opaco, transparente e intermédio. Nas experiências sobre a estabilidade dos fenótipos, garantiu-se a manutenção do fenótipo dominante no crescimento e nas passagens laboratoriais in vitro. Estabeleceu-se a variação de fase num modelo murino de infecção. Neste modelo observou-se que os pneumococos recuperados do sangue dos ratinhos, que morreram de infecção pneumocócica, apresentaram sempre o fenótipo opaco, independentemente do fenótipo previamente administrado. Isto comprovou que, neste modelo, os variantes opacos são mais bem sucedidos a causar bacteriémia do que os transparentes. De modo a relacionar a presença de certas proteínas de superfície com opacidade quantificou-se a actividade da enzima ß-galactosidase e verificou-se que a maioria dos variantes transparentes tinham uma maior actividade desta enzima do que os opacos. Todos estes resultados indicam um papel da variação de fase na infecção pneumocócica e sublinham a importância deste fenómeno no ciclo de vida dos pneumococos. b) A elevada incidência de infecções invasivas em crianças com menos de dois anos deidade, bem como a maior frequência de resistência aos antimicrobianos, associada à rápida dispersão de alguns clones, levou à necessidade de uma monitorização contínua da epidemiologia de S. pneumoniae. A vacina conjugada 7-valente, recomendada para crianças com menos de dois anos de idade, foi introduzida em Portugal em 2001. O número limitado de serótipos presentes nesta vacina é expresso pela maioria das estirpes resistentes aos antimicrobianos. De modo a avaliar os efeitos causados pela implementação da vacina na estrutura genética da população pneumocócica causadora de infecções invasivas, determinaram-se os serótipos, a susceptibilidade aos antimicrobianos e a distribuição das linhagens genómicas das estirpes isoladas de 2004 a 2005.Os resultados foram comparados com os dados das estirpes isoladas entre 1999 e 2002 e com os dados disponíveis no laboratório referentes às estirpes isoladas no ano 2003. As alterações na estrutura genética da população pneumocócica ocorreram sobretudo desde2003. Tal como noutros países, após a introdução da vacina, verificou-se uma redução de casos de infecção invasiva causados pelos serótipos da vacina e um aumento de casos causados por serótipos menos comuns não cobertos pela vacina. Entre os dois períodos de estudo observou-se que os serótipos da vacina 4, 14 e 23F, diminuíram de frequência, enquanto que os serótipos não incluídos na vacina 3, 7F e 19A aumentaram. A vacinação levou à diminuição da potencial cobertura da vacina 7-valente de 63,2% (1999 a 2002) para apenas 28,6% (2004 e 2005), em crianças com menos de dois anos. Isto deveu-se, sobretudo, à prevalência do serótipo 19A que representava 37,1% das estirpes isoladas deste grupo etário entre 2004 e 2005. A potencial cobertura da vacina 23-valente permaneceu elevada, acima dos 80% em todos os grupos etários. Um efeito positivo foi a redução da resistência à penicilina entre os dois períodos de estudo.A não susceptibilidade à penicilina decresceu de 43,9% (1999 a 2002) para 30% (2004 e 2005), em crianças com idade < 6 anos, e atingiu 17,5% na totalidade das estirpes analisadas (2004 e 2005). Isto deveu-se à redução na prevalência dos serótipos 6B, 14 e 23F anteriormenteassociados com a não susceptibilidade à penicilina. Contudo, a resistência à tetraciclina aumentou de 7,1% para 12,8% e a resistência aos macrólidos aumentou de 9,4% para 15,1%, entre os dois períodos de estudo, na totalidade das estirpes analisadas. Em estirpes não susceptíveis à penicilina a multiresistência, relacionada com a resistência à tetraciclina e aos macrólidos, quase duplicou em crianças e adultos, atingindo valores próximos de 50%. O serótipo 19A passou a ser o mais frequente entre estirpes com o fenótipo MLSB e M e a resistência à tetraciclina apareceu pela primeira vez em estirpes com o fenótipo M isoladas em 2004 e 2005. O impacto da introdução da vacina conjugada em Portugal levou a uma alteração na composição clonal da população pneumocócica, caracterizada pelo aparecimento de 15 novas linhagens, desde 2003, e pelo aumento na prevalência de clones já estabelecidos expressando serótipos incluídos e não incluídos na vacina. Os resultados indicaram que fenómenos de troca capsular não foram frequentes pelo que a vacinação levou a uma menor importância de certos clones reconhecidos pela PMEN. Os clones Spain6B-2, Spain9V-3 (9V e 14), Colombia23F-26 e Spain23F-1 (19A) diminuíram de frequência entre 1999-2002 e 2004-2005. No entanto, estes clones continuam a agregar uma grande parte das estirpes resistentes aos antimicrobianos. Em conjunto, estes resultados sobre o impacto da implementação da vacina 7-valente em Portugal apontam para uma redução num curto prazo, dos potenciais benefícios da vacina.FCT (bolsa de doutoramento SFRH/BD/14158/2003

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