Fil: Haddad, Jamil Almansur. Universidad Estadual de Sao Paulo (Brasil)

Haddad, Jamil Almansur

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Axiologia e crítica literariaJ am il  A l m a n su r  H addadUnivcrsulaclc de Sao PaoloO valor literario é wma faceta do valor estético e portanto a crítica das obras literarias, pelo que cncerra de apreciagáo e tentativa de ju l­gamento, é uni processo de valorado e como tal mergulha no dominio pleno da axiologia.O crítico de literatura nao pode prescindir da posse de uní conceito claro de valor. A sua opguo, em última análisc, tem que se fazer entre as duas grandes ram ificares do pensamento axiológico : subjectivismo e relativismo do valor ou entáo a objetividade e a absoluteidade do valor.Evidentemente, a tendencia objcctivista é a que reúne as últimas preferencias dos filósofos. Preferimos, todavía, encarar o problema, mais específicamente, do ángulo do crítico literario.A objectividadc do valor torna impossível a praticabilidade de urna crítica fundamentada nos valores, crítica axiológica por conseguinte. É que aquí 6urge o problema tormentoso da captagáo dos valores. Captamos urna pequeña serie de valores. “A conciencia axiológica do homem” — diz Johannes Hessen— “assemelha-sc a urna calóla lum i­nosa que só pode iluminar alternadamente unía única zona do Cosmos dos valores” .Onde o critèrio, pois, para o julgamento crítico se o do valor é tao grávido de limitagoes? O julgamento dos contemporáneos costuma falhar. Romea e Julieta, para um crítico do tempo, nao passava de « play of itself thè ivorst l  ever heard in my life. Ha vería a crítica da posleridade, a permanencia estabelecida como criterio de valor. Um crítico da altura insigne de I. A. Richards póe em quarentena éste criterio. O que decide da permanencia nem sempre é o mérito da obra. Iiá  livros maus sobrenadando e livros bous que naufragaran! no oceano implaeável e ilógico do tempo. Basta que urna obra seja14751476 J amil Almansur H addadtipica do tempo —assevera Richards— para tornar-se obsoleta. A produgáo literaria que menos adere ao tempo é a que mais possui condigòes de intemporalidade e portanto de transmissibilidade mais segura aos porvindouros.A crítica axiológica, partindo-se da premissa da absolutidade e ob- jectividade dos valores é —repitamos— inaplicável. O fenòmeno lite­rario é demasiado inconsistente, aéreo, incerto para pretender apelar a táboas mais rígidas de estimativa. Nao é possivel, à crítica, fugir ao sentido de aventura, táo cbeia que eia está das contingencias do acaso. Tanto quanto a obra de criagáo. Diz Henry Peyre: —“A crítica será sempre urna aventura ou um ato de fé”. E o fato de o autor estar morto nao melbora as nossas condigòes quanto a seguranga do julga- mento. A posteridade, as vezes, nao tem efeito mais sensível que o de criar urna sèrie de prejuizos escolares que ajudam a turvar e de ma- neira por vezes grave a compreensáo de determinados autores.Dentro destas premissas, a crítica literária nao poderá beneficiar*6c de teorías objetivistas como a de um N. Hartmann por exemplo. Agora as concepgoes de um Marshall Urban —psicológicamente fundadas— sao pelo contràrio plenamente eficientes, principalmente em duas de suas leis, a lei do limiar, e a do valor decrescente. Da primeira decorre que “o que importa nao é o objeto exterior, o excitante provocador do desejo, mas sim o individuo pensante, as disposigoes de conciencia que avalia”. A segunda é referível a lei do hábito de Maine de Biran e afirma “que a sensibilidade se.entorpece com o continuar da exci* tagáo e que o valor se extingue quando a saciedade é atingida”. Ex­plica o dinamismo da historia literaria, o suceder perene das escolas, dos movimentos literários, classicismo, romantismo, etc. etc.Como valer a teoría da objetividade do valor, se para urna visao rigorosamente esteticista dos fatos, todos os autores, seja qual for o seu passado, 6áo contemporáneos nossos? Dilthey faz um Goethe contemporáneo, o que consegue mediante a aplicagáo da propria mor­fologia goetheana a historia literária alema. Nesta tradigao, Gundolf fèz também um Goethe anti-histórico. Cy6arz, por 6ua vez, é de pare­cer que o que importa nao é reconstituir o passado mas simplesmente ter-se era conta um presente, apreender a atualidade de urna obra. E com éste espirito Bertram faz o seu Nietzsche, pois diz logo no pre­facio: “A historia que é no fundo urna ciencia e urna exploragáo da alma nao é nunca sinònimo de reconstrugáo do passado seja ele1477Axiolocia e crítica literariaqual for ncm mesmo o esfórgo de se aproximar o mais possível de urna realidade passada. Ela consiste antes em esvasiar esta realidade pasea­da de sua realidade para transportada para luna categoría de ser com­pletamente diversa; ela é urna criagáo de valores e nao a restaurado  de urna realidade”. E T. S. Elliot: “A diferenga entre o presente e o paseado é que o presente conciente é uní conliecimento do passado de urna forma e coin alcance tais como nao pode avahados o conhecimento que o passado tem de si mesmo”. E o poeta e crítico inglés nao acha absurdo que “o passado seja alterado pelo presente, assim como o pre­sente é alterado pelo passado”. E dentro desta atitude, a crítica nao poderá assumir jamais carácter de estabilidade, é um perpetuo vir a ser. A crítica e o valor. Como considerado objetivo, imutável, per­manente e absoluto, pois?A par déste debate, objetivismo-subjectivismo, a crítica axiológi- ca impóe outro: o da hierarcjuia dos valores. Temos aqui em última análise a questao da finalidade da arte. É o problema da arte utili­taria e o da arte pela arte. A primeira atitude corresponde urna larga e imponente tradigao (Platáo, Aristóteles, Hegel, Tolstoi, Ruskin . . .) Na corrente antagónica temos Kant e o próprio S. Tomas de Aquino que atribuem á arte um campo de agáo autónomo, independente da verdade e do bem. Geiger é um que esclarece que “nenhuma das formas de derivagao moral do valor estético influiu no desenvolvimento da estética científica” . Heineman está tambéra nesta linhagem do autono­mismo estético: “A unidade estética representa urna qualidade espe­cífica de unidade baseada em atividades específicas do espirito humano (especialmente a fantasía) e despertando qualidades específicas de emogáo” .A corrente utilitaria (a arte visa o bem, a democracia, o partido etc.) é de urna inanidade frívola pois implica numa cissiparidade entre fundo e forma, quando a arte é unidade total, e forma e fundo coexistem c reciprocamente se condicionam. Qualquer divisáo de con- teudo e forma só pode ter o sentido de abstragáo intelectual. E assim iríamos recair na descoberta de Charles Lalo quando verifica na obra a presenga simultanea de elementos estéticos e anestéticos, quando nao os inestéticos. Sentimentos, ideologías, programas contendo urna plataforma 6ocial, filosófica ou política, tudo isto está na obra de arte como conteudo anestético. E para estimar-se o valor da obra de arte, é preciso decantá-la da presenga de todos estes valores de natureza1478 J amil Almansur H addadpreponderantemente ética e fazer incidir a análise no residuo pura­mente estetico que fico«. O que interessa è a vibragao do lirismo, no sentido da estética de Croce e a presenta do mistério no sentido da poética de Bremond.Vem a proposito urna referencia ao dilema croceano, verdadera­mente dramático. De duas luna : ou o elemento social é inerente à arte e, por estar necessàriamente incluido no ámbito de seu conceito, o problema da finalidade social da arte passa a nao ter sentido; ou entSo o que se chama social é algo que se visa fora da arte e por consegrante nao é arte, é outra coisa, é politica, é sociologia, é biografia, tudo o que se quizer, menos arte.0  mito do gènio romantico trazia necessàriamente em seu bojo a ideia de submissao dos valores estéticos aos extra-estéticos. A legenda do poeta condutor foi retomada em nossos dias pelos totalitarios da direita e da esquerda, principalmente os da esquerda. E a poesia fica sendo boletim, panfleto incendiario, manifesto à nagao, exorta- gao patética pela fraternidade dos bomens, reposigao, sob designagao nova, da velila antitese —gente pobre e gente rica, nababos e famin- tos— ou na linguagcm mais do dia, capitalistas e proletàrios.Q que há é arte e mais nada. Nao compreendem esta verdade os extremismos da bora como nào o compreendeu a Igreja nos seus mo­mentos de mais opressiva dominagáo. E Ferdinand Lot aduz que “toda c qualquer Igreja é conquistadora por natureza porque eia se julga na posse do Absoluto. A propaganda é urna necessidade ritual”.A arte de conteudo político nao é necessàriamente uni bem como tainbém necessàriamente nao é um mal. Eia é plenamente justificável quando corresponde ao dinamismo interior do artista, sendo expressáo de urna verdade interior sua, portanto. É o momento em que o poeta, em virtude de urna configuragáo psíquica especial, se transforma numa especie de ima capaz de atrair, específicamente, partículas portadoras de determinada carga afetiva que no caso sao as do sofrimento e da angustia, táo igualmente nobres, do ponto de vista estético, quanto as da alegría e da vida beata.O que bá na verdade é “arte pela arte”. Ideologia é mera coinci­dencia. E desde que exista a ideologia quem estará em condigoes de afirmar qual a certa, qual a errada? Éste é um aspeto que nao inte­ressa à arte. Quanto aos valores, eia norteia-se por unía cruel indi-ANTOLOGIA K CRITICA LITERARIA 1479ferenga que se traduziria por urna lei de polaridade ou ambivalencia, pela qual urna tendencia ideologica justifica a tendencia ideologica contrària, donde decorre a conclusáo de que, do ponto de vista da arte, impassivcl, paganismo e Igreja, monarquía e república, direita e esquerda, sao valores análogos como análogos sao o azul e o amarelo.

Axiologia e crítica literária

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