Avaliação da cultura de segurança e dos eventos adversos nos Cuidados de Saúde Primários

Abstract

RESUMO: Introdução: A comissão europeia nas suas recomendações relativas à segurança do doente (SD), refere que nos seus Estados-Membros, mais de 37 milhões de doentes que recorrem aos cuidados de saúde primários (CSP) são vítimas de acontecimentos adversos devido aos cuidados de saúde prestados1. A frequência destes eventos varia entre os 0,04 e os 2400 Eventos Adversos (EA) por 10.000 consultas efetuadas nos CSP2 . De acordo com Milligan3, de nada vale implementar medidas que promovam as boas práticas (e consequentemente a redução de EA), se os profissionais que trabalham nas organizações de saúde não estiverem sensibilizados para a segurança dos doentes, e a educação dos doentes, dos seus familiares, profissionais de saúde, gestores e políticos não for uma prioridade e um tema de debate, reflexão e uniformização de conceitos. Métodos: Nesta dissertação, descreve-se a avaliação da cultura de segurança dos doentes (CSD) e dos EA nos CSP de uma região autónoma de Portugal. O estudo foi quantitativo, transversal, observacional e analítico, com uma amostragem probabilística e decorreu em três fases principais. Na primeira fase, avaliamos a cultura de segurança dos doentes nos CSP da Região Autónoma da Madeira (RAM), através da tradução, adaptação, aplicação e validação para a língua portuguesa do Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSOPSC). Na segunda fase, quantificamos e analisamos os EA registados pelos profissionais de saúde (médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), internos desta especialidade e enfermeiros) no formulário Estudio de los EA en Atención Primária de Salud (APEAS) que traduzimos, adaptamos e validamos para a língua portuguesa. Na última fase deste estudo, procuramos relacionar os resultados obtidos nas duas fases anteriormente descritas. Para a validação do MOSOPSC e APEAS recorremos também à metodologia inerente aos focus groups. Resultados: Participaram na avaliação da cultura de segurança dos doentes, através da aplicação do MOSOPSC 483 profissionais (médicos, internos da especialidade de MGF, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, assistentes técnicos e assistentes operacionais) que exerciam atividade nos 47 centros de saúde (CS), distribuídos pela RAM. Nos CSP da RAM prevalece uma cultura de segurança burocrático-proactiva, com o trabalho em equipa e o seguimento dos doentes a representarem as dimensões da qualidade mais robustas. Como áreas que exigem implementação de estratégias de melhoria, destacam-se a pressão, ritmo e quantidade de trabalho, o apoio por parte das chefias/liderança/gestão e a abertura na comunicação. Os CSP foram avaliados como muito bom/bom na equidade (84%), efetividade (79%), eficiência (62%), centralização no doente (62%) e oportunidade (57%). A maioria das respostas positivas na dimensão efetividade foram dadas pelos profissionais de saúde com mais tempo de serviço (p-value=0,003). Foram também estes mesmos profissionais que consideraram os CSP da RAM mais centrados no doente, mais oportunos e eficientes (p-value=0,019). Os profissionais de enfermagem, comparativamente com a classe médica, consideraram os cuidados de saúde mais efetivos (p-value=0) e eficientes (p-value=0,001). Preencheram o questionário APEAS 152 profissionais de saúde (médicos, internos da especialidade de MGF e enfermeiros), que desta forma identificaram e analisaram 85 EA e 42 incidentes, o que corresponde a uma prevalência pontual de 3,9 EA por 10.000 consultas, com um intervalo de confiança (IC) compreendido entre os 3,7 e os 4 EA. A maioria dos EA identificados foram considerados, pelos profissionais de saúde, como preveníveis (96%) e ligeiros (54%); tinham por base, problemas relacionados com os cuidados de saúde prestados (74%), com a medicação (70%) e com a comunicação (54%). Os profissionais com mais de seis anos de tempo de serviço registaram mais EA, enquanto que, os com menos tempo de serviço, registaram sobretudo incidentes. 81% dos registos/notificações realizados pelos profissionais de enfermagem diziam respeito a EA, enquanto que esta prevalência foi de 58% na classe médica. Os utentes, que sofreram incidentes de segurança, tinham uma média de idade de 54,5 anos; 60% eram do sexo feminino e 72% apresentava pelo menos um fator de risco ou doença. Os eventos foram mais frequentes nos doentes com hipertensão arterial (HTA), diabetes, insuficiência cardíaca e insuficiência renal (p-value < 0,05). A ansiedade, stress, depressão, necessidade de repetir procedimentos ou consultas e pior curso evolutivo da doença de base, foram também mais frequentes, nos doentes que sofreram EA. Nos agrupamentos de centros de saúde (ACES) com maior registo de EA identificamos: 1) Uma cultura de segurança mais centralizada no doente (r=0,753 e p-value=0,012), mais efetiva (r=0,765 e p-value=0,010), mais oportuna (r=0,689 e p-value=0,027), mais eficiente (r=0,652 e p-value=0,041) e equitativa (r=0,782 e p-value=0,008); 2) Uma melhor classificação dos sistemas e procedimentos que têm lugar nos CSP da RAM para evitar, identificar e corrigir problemas que possam afetar os doentes (r=0,641 e p-value=0,046). Conclusão: Os CSP da RAM são relativamente seguros, equitativos e eficientes. Os profissionais de saúde trabalham em equipa e os doentes são bem acompanhados. Problemas com a pressão/ritmo, quantidade de trabalho, suporte por parte das chefias/liderança/gestão, abertura na comunicação e falta de recursos materiais e humanos, necessitam de intervenções urgentes. Neste estudo para além de validarmos dois instrumentos (alfas de cronbach superiores a 75%) fomos ao encontro das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), da União Europeia e da Direção Geral da Saúde (DGS). Contribuímos desta forma, para a SD e para colmatar a lacuna no conhecimento científico sobre esta temática nos cuidados de saúde em geral e nos CSP em particular.ABSTRACT: Introduction: The European Commission in its recommendations on patient safety affirm that in its member states more than 37 million patients using Primary Health Care (PHC) are victims of Adverse Events (AE) due to health care provided1. The frequency of these events range between 0.04 and 2.400 AE per 10.000 consultations in PHC2. According to Milligan3, there is no use in trying to implement measures that encourage good practice (and hence reduce the occurrence of AE) if the professionals who make up the organizations are not particularly aware of PS and the education of patients, families, healthcare professionals, administrators, managers and policy makers is not a priority and point of approach, reflection and standardization of concepts. Methods: In this dissertation, we describe the evaluation of the PSC and AEs in PHC in an autonomous region of Portugal. The study was quantitative, cross-sectional, observational and analytical, with probability sampling, and carried out in three main phases. In phase one, we assess the PSC in PHC of the Madeira Island through the translation, adaptation, application and validation into the Portuguese language of the “Medical Office Survey on Patient Safety Culture” (MOSOPSC). In a second phase, we quantify and analyze the AE registered by healthcare providers (physicians, physician’s assistants and nurses) on formulary APEAS - “The Study of AE in Primary Health Care” (which was translated, adapted and validated for the Portuguese population). In the last phase, we try to correlate the two studies. For the translation and validation of the instruments (MOSOPSC and APEAS) we also use the methodology of focus groups. Results: 483 professionals (general and family physicians, physician’s assistants, nurses, psychologists, nutritionists, social workers, technical assistants and operational assistants) who worked in the 47 health centers, distributed by the Autonomous Region of Madeira (RAM), participated in the evaluation of PSC. A bureaucratic-proactive PSC prevails in PHC of RAM, with teamwork and patient follow-up representing the most robust quality dimensions. Areas that require implementation of improvement strategies include pressure, pace and quantity of work, support from management / leadership / management and openness in communication. PHC were evaluated as very good / good in equity (84%), effectiveness (79%), efficiency (62%), patient centralization (62%) and opportunity (57%). Healthcare providers with more time of service were those who considered the PHC of the RAM more patient-centered, more timely and efficient (p-value = 0,019). Nursing professionals considered health care more effective (p-value = 0) and efficient (p-value = 0.001). A total of 152 healthcare providers completed the APEAS questionnaire, identified and analyzed 85 AEs and 42 incidents, which corresponds to a point prevalence of 3.9 AE per 10.000 visits, with a 95% confidence interval (CI) between 3.7 and 4 AE. Most of the AE were preventable (96%) and mild (54%). The majority of AE were based on health care problems (74%), medication (70%) and communication (54%). Providers with more than six years of service time registered more AE, while those with a shorter period of service registered mainly incidents. 81% of registrations made by nursing professionals are related to AE, while this prevalence was 58% in general practitioners. The users, who suffered patient safety incidents, had an average age of 54.5 years, 60% were female and 72% had at least one risk factor or disease. The events were more frequent in patients with hypertension, diabetes, heart failure and renal failure (p-value <0.05). Anxiety, stress, depression, need to repeat procedures or consultations and worse evolutionary course of the underlying disease, were more frequent in patients with AE. In the Areas/ACES with the highest AE register, we identified: 1) A more patient-centered safety culture (r = 0.753 and p-value = 0.012), more effective (r = 0.765 and p-value = 0.010), more timely (r = 0.689 and p-value = 0.027), more efficient (r = 0.652 and p-value = 0.041) and equitable (r = 0.782 and p-value = 0.008); 2) A better classification of the systems and procedures that take place in RAM-PHC to avoid, identify and correct problems that may affect patients (r = 0.641 and p-value = 0.046). Conclusion: The PHC in Madeira Island are secure, equitative and effective; The healthcare providers work as a teamwork and the patients are well follow. Problems with pressure, quantity of work, support by the bosses, communication openess and scarce material and human resources need urgent interventions for improvement. In this study, besides validating two instruments (chronbach alphas greater than 75%) we are following the WHO, EU and Directorate-General of Health (DGS) recommendations, and contribute to patient safety and to bridge the gap in scientific knowledge about this subject, in health care in general, and in PHC in particular

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