Criminosos popularizados na narrativa de divulgação (De 1838 aos Alvores da República)

Abstract

O presente estudo incide sobre obras impressas que tomaram como motivo central as «façanhas» de criminosos com referência histórica celebrizados em Portugal na segunda metade do século XIX e inícios de XX e mostra que, enquanto narrativas elaboradas para o grande público, os textos foram não só um reflexo da popularidade prévia dos famigerados transgressores, como também um fator incontornável da sua «lendarização» ao longo de décadas. São as seguintes as figuras dos infratores que protagonizaram as ficções em apreço: José Joaquim de Sousa Reis, ou «o Remexido» (1797-1838), Diogo Alves, ou «o Pancada» (1810-1841), Francisco de Matos Lobo (1814-1842), José Teixeira da Silva, ou «o José do Telhado» (1816-1875), João Victor da Silva Brandão, ou «o João Brandão de Midões» (1825-1880), e Vicente Urbino de Freitas (1859-1913). A tese agora apresentada aborda um corpus textual de características singulares, nunca antes coligido nem estudado. Comprova que os textos sobre as figuras criminosas tiveram uma função iminentemente noticiosa, pedagógico-edificante e política, apropriando-se de relatos orais, adotando procedimentos de atestação da veracidade (transcrição de documentos na primeira pessoa, referenciação cronológica, espacial, geográfica dos eventos, alusão às fontes) e incorporando diversas fontes do conhecimento dos crimes, quer de origem popular (geralmente designadas de «musa popular», «tradição»), quer de caráter erudito e teórico-científico («estudo», «estudo social»). Assim, foram analisadas as condições históricas excecionais nas quais as ficções emergiram: as características específicas do seu universo editorial, a apropriação a um público amplo (o formato de coleção, uso de sinopses e de outros elementos gráficos), as regularidades discursivas das obras (ocorrência de determinados dispositivos de organização textual), os procedimentos narrativos (recurso abundante a paratextos com intuito explicativo e aproximação a modalidades ficcionais conhecidas do público da época) e, ainda, as configurações imagéticas inspiradas nos discursos oficiais (influência de ciências e doutrinas epocais emergentes, como a criminologia, a antropologia criminal, a frenologia, a psiquiatria, a sociologia). Em suma, estas edições produzidas em diversos contextos e por um elenco autoral heterogéneo não só viveram da relação com as edições predecessoras, ao longo de gerações, como recriaram e ampliaram as «façanhas» dos transgressores em função de diversos propósitos e fontes: ampla divulgação dos casos criminais, condenação pública dos infratores, análise médico-científica dos sujeitos culpados, especulação política, pressão sobre o foro judiciário, edificação moral do público leitor. Trata-se, sem dúvida, de produções únicas, que erigiram a comemoração dos facínoras e sucessivamente reinscreveram as suas histórias reais na problemática do homem criminal e na consciência ética do seu tempo.This study focuses on printed works, which took as central motif the «exploits» of criminals with historical reference who were made famous in Portugal during the second half of the XIXth and the beginning of the XXth century. It shows that, while narratives prepared for the public in general, the texts were not only a reflection of the previous popularity of notorious offenders, but also an essential factor of their popularization for decades. The central figures of these fictions under consideration are as follows: José Joaquim de Sousa Reis, «o Remexido» (1797-1838), Diogo Alves, «o Pancada» (1810-1841), Francisco de Matos Lobo (1814-1842), José Teixeira da Silva, «o José do Telhado» (1816-1875), João Victor da Silva Brandão, «o João Brandão de Midões» (1825-1880), and Vicente Urbino de Freitas (1859-1913). The presented thesis deals with a unique textual corpus never before collected or studied. It prooves the narratives had an imminently pedagogical and political function, by appropriating oral accounts, truth attestation procedures (transcription of documents in the first person, use of chronological, spatial, geographic referencing sources). They also incorporated knowledge of different kind about the crimes, whether of popular origin (generally called «popular muse» or «tradition»), or of scholar and theoretical-scientific one (assuming themselves as «social study» or simply «study»). Therefore, these fictions emerged from historical and literary exceptional conditions. They presented publishing features appropriated to a wide audience (collection, synopsis and other graphic devices). Also presented discursive regularities (occurrence of textual organization devices), special narrative procedures (abundant use of paratexts with explanatory purpose and approach to fiction modes well known of the contemporary public) and imagery settings inspired in official knowledge (influences of emerging epochal sciences and doctrines such as criminology, criminal anthropology, phrenology, psychiatry, sociology). In short, these narratives, produced in different contexts and by a motley cast of authors, not only survived in their relation to the predecessor editions, over generations, as also had recreated and amplified the «exploits» of offenders depending on various purposes and sources. Amongst them, there are wide dissemination of criminal cases, public condemnation of the offenders, medical and scientific analysis of the guilty subjects, political speculation, making pressure over legal authorities, moral edification of the reading public. They are undoubtedly unique productions that have made the celebration of thugs and successively inscribed their real stories in the criminal's issue and in the ethical conscience of their time

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