Esta investigação trata da experiência de digitalização no Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS, organização que, no Brasil, é responsável por avaliar, reconhecer e conceder
benefícios aos segurados da Previdência Social, garantindo um subsídio ao contribuinte e
sua família em situações de perda da capacidade para o trabalho. O Projeto INSS Digital
propõe a substituição do atendimento presencial pelo atendimento digital à distância aos
requerentes de benefícios previdenciários. As inovações afetam principalmente os servidores
analisadores de benefícios, os quais passam a desenvolver sua atividade em ambiente virtual,
sem contato face a face com o requerente, e submetidos à avaliação por produtividade
individual. Os objetivos da investigação foram delineados no quadro de uma percepção
partilhada pelos gestores de um comportamento de "resistência à mudança" por parte dos
analisadores com dificuldade em se adaptar ao novo modelo; que, por seu lado, alegavam
dificuldade em atender às metas e assegurar a qualidade do serviço. A questão subjacente ao
estudo foi, portanto, a de saber em que medida as mudanças vêm facilitar ou, ao contrário,
entravam a realização de um trabalho bem feito. Com fundamento na tradição científica da
Psicologia do Trabalho e da Ergonomia da Atividade, foi realizada análise da atividade dos
analisadores de benefícios antes e após a digitalização, com o intuito de: identificar as
transformações mais significativas na prática profissional destes agentes e as exigências que
passam a ter que gerir; e analisar as tensões que emergem no sistema de atividade e as
estratégias de regulação desenvolvidas pelos servidores para fazer face a estas tensões e
assegurar a qualidade do trabalho. O estudo de terreno, desenvolvido entre os anos de 2017
e 2019, incluiu análise documental, entrevistas a 24 trabalhadores (técnicos e gestores), e
observações da atividade acompanhadas de verbalizações simultâneas de 11 técnicos,
totalizando 46 horas de observações em seis diferentes unidades de trabalho. As análises
permitiram evidenciar limites na implementação do projeto de digitalização, demandando
dos trabalhadores a gestão de múltiplos constrangimentos e exigências não antecipados, e a
reconstrução de suas representações sobre o sentido de sua missão. O estudo acrescenta
argumentos sobre os riscos de uma nova organização dos serviços públicos conduzida sob
imperativos fundamentalmente gerencialistas, associada a uma redução progressiva das
possibilidades dos agentes de contribuírem com a qualidade do trabalho; e para os cidadãos,
uma dificuldade acrescida no acesso e no reconhecimento dos seus direitos