Resiliência, crescimento pós-traumático e trauma : trajectórias de adaptação a um evento potencialmente traumático e a influência do processo de construção de significado

Abstract

As experiências traumáticas, em tempos consideradas raras, são hoje reconhecidas como uma realidade comum, com a qual a maioria dos indivíduos se vai confrontar ao longo da vida. A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2003) alerta que a grande maioria da população mundial estará exposta a estes eventos no decurso da sua vida, o que constitui um fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde mental e sociais, pelo que tem sido recomendada a realização de intervenção psicológica em momentos cada vez mais próximos do evento (Eisenman et al., 2006; WHO, 2003, 2013). Nesta dissertação pretende-se aprofundar o conhecimento científico sobre o indivíduo na adaptação a um evento potencialmente traumático, no sentido de contribuir com linhas orientadoras para a intervenção psicológica em crise e prática psicoterapêutica, tendo como bases teóricas a teoria dos sistemas (Bertalanffy,1950), as teorias de complexidade sistémica (Morin, 2005) e a teoria ecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1979, 1986), posteriormente expandida no modelo bioecológico (Bronfenbrenner, 2005; Bronfenbrenner & Ceci, 1994). No quadro de um paradigma pós positivista, optou-se por uma metodologia essencialmente qualitativa, com recurso à Grounded Theory, bem como a análises temáticas exploratórias. Numa primeira etapa desta investigação procedeu-se a estudos de adaptação e validação de uma escala de resiliência a Connor-Davidson Resilience Scale (Connor & Davidson, 2003) para a população portuguesa, possibilitando a avaliação e investigação da resiliência nas comunidades portuguesas através de uma escala validada com rigor. No entanto, foi decidido não utilizar instrumentos quantitativos nos estudos subsequentes. Posteriormente foi realizado um estudo empírico (estudo 2), com recurso à metodologia qualitativa, e com desenho longitudinal e transversal, onde se analisaram as narrativas de diferentes grupos de adultos expostos a eventos potencialmente traumáticos (fazer parte de uma missão humanitária; viver a morte súbita ou violenta de pessoas queridas; experienciar um acidente de viação; ser agredido; ter estado diretamente envolvido num incêndio de grandes dimensões), com recurso à grounded theory, tendo emergido um modelo teórico substantivo revelando o processo de construção de significado como o processo central, do qual se distinguem quatro trajetórias diferentes. No seguimento deste estudo, realizaram-se outros três estudos qualitativos, com recurso à análise temática exploratória, com o objetivo de aprofundar os temas, ou conteúdos, inerentes ao processo de construção de significado, em participantes que tinham vivido PTE semelhantes. Num primeiro estudo (estudo 3) com desenho longitudinal e transversal, analisou-se as narrativas de indivíduos que tinham sofrido a morte escolhida (suicídio) ou não escolhida (natural ou acidental) de uma pessoa querida. Em consonância com a literatura existente, os resultados sublinharam as dimensões de crenças globais anteriores; procura de informação e compreender o PTE; esforços para construir significado; construção de significado; aceitação; foco no futuro e objetivos de vida e mudança nas crenças globais, tendo-se encontrado diferenças no conteúdo do significado construído em função do tipo de morte e do tempo decorrido desde o PTE. Num segundo estudo (estudo 4), com desenho transversal, analisou-se a experiência de ter sobrevivido a um incêndio de grandes dimensões. Vários temas centrais emergiram da análise temática: exposição ao trauma; suporte social percebido; construção de significado, nomeadamente através da espiritualidade; destino ou sorte e responsabilidade externa. O terceiro estudo (estudo 5), pretendeu contribuir para o aprofundamento do conhecimento face ao fenómeno da migração forçada, no contexto particular do trauma, explorando as narrativas de requerentes de asilo, ainda no país de chegada (Grécia) e refugiados acolhidos em Portugal. Diversos temas emergiram da análise temática realizada, entre eles, a descrição de acontecimentos exigentes, física, emocional e psicologicamente, ao longo de todo o percurso, desde que decidiram sair do seu país de origem até ao acolhimento num novo país, bem como os fatores facilitadores e dificultadores da integração quer no país de chegada, quer no país de acolhimento, o que permitiu a reflexão sobre implicações práticas e clínicas para futuros programas de acolhimento

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