Recensão crítica contextualizadora da investigação fixada no estudo "A “Livraria” do Convento da Arrábida : 1542-1834", de Aurelia Ionel.info:eu-repo/semantics/publishedVersio

Silva, Carlos Guardado da

Portuguese

Silva, Carlos Guardado da, 1971-

Universidade de Lisboa: Repositório.UL

   PREFÁCIO Apesar do elevado número de bibliotecas monásticas e conventuais no território português até ao século XIX, nomeadamente até à extinção das Ordens Religiosas em 1834, de que os Catálogos de Livros redigidos para a Real Mesa Censória, em 1769-1770, e os Inventários de bens das ordens religiosas, elaborados em 1834, depositados no Arquivo Nacional Torre do Tombo, são testemunhos, aquelas bibliotecas não têm merecido a atenção dos investigadores, quer dos historiadores, quer dos cientistas da informação. Esta afirmação, não sendo nova, continua a manter-se atual.  Todavia, o conhecimento não apenas da história religiosa, das práticas de leitura e dos modos de ler, da circulação dos livros e das ideias, bem como da história da ciência em Portugal passam necessariamente pelo estudo destas bibliotecas. Com maior destaque, foram pioneiros nesta abordagem Paulo Barata, em Os livros e o Liberalismo: da livraria conventual à biblioteca pública: uma alteração de paradigma (2003), um estudo distinguido em 2001 com o Prémio Raul Proença, e, mais recentemente,  Fernanda Maria Guedes de Campos, com Para se achar facilmente o que se busca: biblioteca, catálogos e leitores no ambiente religioso (séc. XVIII) (2015), e Luana Giurgevich e Henrique Leitão, com Clavis Bibliothecarum: Catálogos e inventários de livrarias de instituições religiosas em Portugal até 1834 (2016). Este último, não sendo um estudo, é a ‘chave’ da investigação sobre a temática, apontando o caminho das fontes de informação aos investigadores, cumprindo plena-mente a função de mediação entre os 901 instrumentos de acesso à informa-ção provenientes de cerca de 400 instituições religiosas e os investigadores. Deste modo, podemos considerar estas três obras como seminais no estudo das bibliotecas das ordens religiosas, as quais se complementam, oferecendo--nos um quadro sintético, porém riquíssimo, quer das fontes de informação, quer da escassez e da natureza dos estudos, para além de cerca de uma dezena de artigos sobre a temática. Por outro lado, tendo Paulo Barata estudado o depósito das livrarias dos extintos conventos, enquanto Fernanda Campos se debruçou sobre o livro de história nas bibliotecas religiosas de Lisboa na centúria de setecentos, in-cluindo práticas de leitura e modos de organização das bibliotecas, importa-12 A U R ELIA  IO N EL   va, como continua a ser pertinente, investigar cada biblioteca monástica ou conventual per se, de modo a permitir-nos aprofundar o conhecimento sobre as mesmas. Assim se entende o estudo de Aurélia Ionel, que se debruçou sobre uma biblioteca conventual específica – A ‘Livraria’ do Convento da Arrábida: 1542-1834, um estudo tão pertinente quanto atual, muito bem estruturado e cientificamente conduzido. Este é um ensaio que se desenvolve em quatro ‘tempos’, partindo de uma revisão da literatura acerca das bibliotecas con-ventuais no Antigo Regime para se situar, uma vez na serra da Arrábida, na fundação e na construção do Convento de Nossa Senhora, incluindo nesta análise, como não poderia deixar de ser, a comunidade, que correspondia, na prática, à comunidade de leitores. Depois, procura analisar a estruturação e a organização, espacial e documental (informacional) da ‘livraria’, velha e nova, entre os séculos XVI e XIX, incluindo, em anexo, as transcrições do Catálogo de 1769-1770 e do Inventário elaborado em 1834. No que diz respeito à ‘livraria nova’, Aurelia Ionel efetuou o levanta-mento rigoroso da sua organização espacial, situada em lugar de eleição na casa conventual, próximo da igreja e das celas dos prelados. Em termos do acervo, não sendo uma biblioteca de grande dimensão, revelou-se, porém, uma biblioteca naturalmente rica em termos de temáticas religiosas, mas também de história, jurisprudência, ciências e belas letras, destacando-se as obras de teologia, no valor de cerca de 70%, em consonância com as demais ‘livrarias’ conventuais do Antigo Regime.  De igual modo, a preponderância dos livros em latim cede lugar, a partir do século XVII, à língua portuguesa, cada vez mais crescente, mesmo no seio das comunidades religiosas. Acres-centa-se, ainda, para além da análise dos números de títulos e volumes para as áreas de conhecimento, os anos de impressão, que nos permitem datar a sua constituição maioritariamente nos séculos XVII e XVIII (76%), e os lugares de impressão, em que a imprensa portuguesa apenas se afirma a partir do século XVII, seguindo-se a espanhola. Este aspeto justifica-se naturalmente pela proximidade geográfica, mas também pela União Ibérica, entre 1580 e 1640, durante a qual se promoveu a escrita e a impressão em língua castelhana. Existindo um primeiro estudo da biblioteca do Convento da Arrábida, de Ilídio Rocha, sob o título Catálogo da livraria do Convento da Arrábida e do acervo que lhe estava anexo (Lisboa: Fundação Oriente, 1994), este e o estudo de Aurelia Ionel, elaborado no âmbito do mestrado em ciências da documentação e informação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, trazendo ambos perspetivas distintas, complementam-se. Pelas razões expostas, e não só, o estudo A ‘Livraria’ do Convento da Arrábida: 1542-1834, de Aurelia Ionel, afirma-se como paradigmático para outros estudos desta natureza, que se queiram desenvolver, importando conhe-cer as demais bibliotecas conventuais arrábidas, de forma a que possamos, a  A  L IVRARIA  D O  C O N V ENTO  D A  A R R ÁB ID A  –  1 542 - 1 834  13 partir dos estudos de caso, consolidar o nosso conhecimento acerca das ‘livrarias’ no contexto de cada ordem religiosa e de cada Observância. Além disso, este é um estudo muito bem fundamentado e escrito, sendo de relevar este aspeto quando a língua portuguesa é a terceira língua da autora, depois das línguas romena e russa. Por todas estas razões, este estudo merece a presente distinção, sendo premiado com a sua edição, o n.º 10 da Coleção CI – Ciência da Informa-ção, dada a elevada qualidade do mesmo reconhecida pelo júri de defesa da prova de mestrado e, sobretudo, pela Fundação Oriente que, através do Presidente do Conselho de Administração, o Dr. Carlos Monjardino, se asso-ciou às Edições Colibri e ao Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para esse fim. Uma vez mais, a Fundação Oriente está de parabéns, cumprindo aqui os seus fins de promoção cultural, educativa, científica, social e filantrópica, bem como de valorização do patri-mónio cultural, que é seu (mas não só!). Tendo sido decisivo o seu apoio para a presente edição, que, desta forma, alcança um público mais alargado, aqui deixamos expresso o nosso reconhecimento, bem como o mais penhorado e sincero agradecimento.  Carlos Guardado da Silva Professor Auxiliar com Agregação em Ciência da Informação Diretor do Mestrado em Ciências da Documentação e Informação Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Estudos Clássicos                     

Prefácio [A “Livraria” do Convento da Arrábida]

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