Tese de mestrado, Biologia Humana e Ambiente, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2016Desde tempos remotos, os insetos têm suscitado um interesse no ser humano, o que se pode confirmar através da observação de artefactos de civilizações antigas como os Egípcios, Chineses, Maias e Aztecas. Estas obras de arte, como pinturas e esculturas, frequentemente associavam determinados insetos não só à morte mas também à reincarnação e vida pós-morte. A aplicação de conhecimentos entomológicos em investigações criminais tem uma história bastante extensa e bem documentada. Começando no primeiro caso registado da aplicação da entomologia na resolução de um homicídio na China Medieval, a utilização desta ciência como uma ferramenta forense tem vindo a percorrer um longo caminho repleto de contribuições científicas provenientes dos quatro cantos do mundo. No entanto, foi a investigação do homicídio de um recém-nascido em França no final do século XVII que marcou o início da entomologia forense moderna e que contribuiu para a publicação da notável obra de Mégnin “La Faune des Cadavres: Application de l’Entomologie à la Médicine Légale”. A partir de então, esta ferramenta forense foi desenvolvida principalmente através de contribuições de investigações científicas durante os anos das grandes guerras e a sua completa aceitação só foi possível devido ao trabalho conjunto de académicos e forças de segurança. Os insetos podem fornecer importantes informações em investigações forenses não só em casos de homicídios como também em casos de negligência tanto de seres humanos como de animais domésticos ou selvagens, por exemplo, em jardins zoológicos. Adicionalmente, numa área complementar designada entomotoxicologia, conjugam-se os conhecimentos da entomologia e da toxicologia para responder a diversas questões, como a possibilidade da presença de substâncias tóxicas no cadáver, em casos de homicídio, suicídio ou mortes acidentais. A entomologia forense pode igualmente ser utilizada em casos de investigação de pragas tanto num âmbito imobiliário como alimentar. Contudo, a utilização dos conhecimentos entomológicos em investigações de homicídios é, possivelmente, a mais mediatizada, principalmente pelos meios de comunicação social e cinematográficos. Uma vez que contribuem para a decomposição do cadáver, os insetos constituem evidências cruciais. Assim sendo, quando é descoberto um cadáver, os insetos possibilitam o conhecimento de diversos parâmetros que, em certos casos, seriam impossíveis de descobrir utilizando outros campos do saber, nomeadamente as técnicas médico-legais, como é o caso da temperatura corporal. Os insetos que colonizam o cadáver permitem não só estimar o intervalo pós-morte (IPM) através dos seus padrões de desenvolvimento e sucessão, como também poderão auxiliar na descoberta do local do crime primário nos casos em que há a suspeita de que o cadáver foi movido postmortem. Contudo, a primeira grande etapa é a recolha, no local do crime, de todos os vestígios entomológicos e sua correta identificação. No entanto, este potencial forense dos insetos só pode ser totalmente reconhecido se se realizarem extensos estudos a fim de compreender melhor não só a sua biologia e funcionamento enquanto seres vivos, como também a sua bioecologia, ou seja, as interações que estes realizam com o meio à sua volta. Contudo, a aplicação de tais estudos a investigações é um processo que necessita de ser realizado com caução uma vez que, estando distribuídos globalmente, os insetos apresentam diferenças de comportamento. Adicionalmente, existem fatores que são relevantes e que necessitam de uma cuidada análise, como é o caso das condições meteorológicas. Sabe-se que a temperatura e humidade são importantes fatores que determinam a velocidade de desenvolvimento dos insetos. O processo de decomposição, apesar de ser uma ocorrência contínua no tempo, pode ser dividido em fases que são marcadas por diferenças significativas que ocorrem no cadáver. Esta divisão, que facilita a sua análise, é, por vezes, realizada diferentemente consoante o investigador mas, frequentemente, considera-se que todo o processo de decomposição é composto por cinco fases diferentes: fase fresca, fase de inchaço, fase de decomposição ativa, fase de decomposição avançada e, por fim, a fase seca. Estas etapas são frequentemente protagonizadas por um conjunto de fauna entomológica que auxilia a investigação e que, nos casos em que a morte ocorreu há mais de 72 horas, tornam-se evidências cruciais. Apesar de muitos insetos visitarem cadáveres em decomposição, as ordens que mais relevância têm no âmbito da entomologia forense são a Diptera (moscas) e a Coleoptera (escaravelhos). As moscas são conhecidas por serem os primeiros colonizadores de cadáveres e são, sem dúvida, as mais utilizadas em casos em que conhecimentos de entomologia forense são requeridos. Ao chegarem ao cadáver, depositam os seus ovos que, após eclodirem, originam larvas que se vão alimentar dos tecidos em decomposição. Estas passam por várias fases larvares, demarcadas pelas diferenças em tamanho, e, quando prontas, pupam por um período variável de tempo. Quando completo o processo de metamorfose dentro da câmara de pupação, adultos emergem, prontos para iniciar um novo ciclo. Uma das técnicas mais utilizadas em entomologia forense é a utilização das fases de desenvolvimento larvar das moscas para a estimativa do IPM. Este método tem, no entanto, uma série de condicionantes que necessitam de cuidada atenção, como é o caso da temperatura e humidade a que as larvas estão expostas. Estas variáveis podem alterar significativamente o tempo de desenvolvimento uma vez que estes insetos são poiquilotérmicos, condicionando assim a estimativa do IPM. Outro método utilizado para estimar o IPM é a sucessão entomológica de insetos no cadáver. Sabendo que diferentes fases de decomposição atraem diferentes espécies de insetos, a utilização deste padrão único de sucessão pode ser bastante útil, especialmente em casos em que o IPM é mais longo. O trabalho pioneiro de Mégnin, que descreveu a existência de oito ondas de colonização de cadáveres ao longo das cinco fases de decomposição, é ainda nos dias de hoje, amplamente referido quando se utiliza esta técnica. Em casos em que é necessário utilizar estes conhecimentos o cadáver já se encontra, frequentemente, em estados de decomposição mais avançados e as moscas deixaram de ser os seus principais colonizadores, passando a ser os escaravelhos os artrópodes mais relevantes. Apesar de poderem estar presentes nas fases iniciais de decomposição (frequentemente como predadores de fases larvares de outros insetos), os escaravelhos encontram-se mais associados a fases tardias deste processo e, muitas vezes, as únicas evidências entomológicas em casos nas quais a morte ocorreu há meses ou até anos. Apesar de ser uma ferramenta válida e estabelecida no âmbito das ciências forenses, a entomologia forense é ainda pouco utilizada em Portugal. No entanto, a realização de estudos científicos cujo principal objetivo é a compreensão das interações entre insetos e cadáveres tem sido uma importante contribuição para o desenvolvimento desta ciência em Portugal. Este estudo centra-se em oito famílias de coleópteros presentes em Portugal, fortemente relacionadas com casos de entomologia forense: Carabidae, Cleridae, Dermestidae, Histeridae, Nitidulidae, Scarabaeidae, Silphidae e Staphylinidae. O seu principal objetivo é utilizar imagens para caracterizar morfologicamente as espécies mais representativas dessas famílias. Para tal, foram utilizados espécimes previamente capturados em armadilhas com isco ou em carcaças de animais provenientes de diversas zonas de Portugal: Serra da Estrela, Sertã, Campo Grande e Aroeira. Estes espécimes foram recolhidos utilizando armadilhas do tipo “pitfall” e “malaise” e, após a sua captura., preservados em álcool 70%. Seguidamente, montaram-se os exemplares em alfinetes entomológicos e procedeu-se à sua observação utilizando um estereomicroscópio. Com o auxílio de chaves dicotómicas e galerias fotográficas, procedeu-se à sua identificação e seleção de características diagnosticantes que foram posteriormente fotografados num segundo estereomicroscópio com melhor definição. O registo fotográfico obtido foi então utilizado para a construção de chaves pictóricas interativas e caracterizações fotográficas, disponíveis online (www.csicoleoptera.weebly.com). Esta é uma importante ferramenta de auxílio em investigações com os mais variados quesitos uma vez que permitirá uma fácil e rápida identificação de grupos relevantes por técnicos forenses sem experiência em entomologia.Since ancient times, humans have shown a unique interest in insects, which can be seen in artworks of ancient civilizations like the Egyptians, Chinese, Mayans and Aztecs. These works of art, like paintings and sculptures, often associate certain insects not only with death but also with the reincarnation and afterlife. Despite of the fact that criminal investigations arouse the most curiosity within the scope of forensic entomology, this science can be used to deal with a wide range of other investigations. Neglect cases in civil investigations are also known to use this tool to answer several questions. Another known and well developed area is the entomology of stored products. In the last years, the union of toxicology and entomology created another field of work within forensic entomology: entomotoxicology. This recent tool is very useful to know if, at the time of death, toxic substances were present in the body. Insects can provide significant information in death investigations because of their contribution to corpse decomposition. As so, if a dead body is discovered, insects can help in the estimation of the postmortem interval (PMI). However, to apply entomological knowledge to criminal investigations is essential not only to have information regarding insects’ bioecology that is valid for the geographic place where the body was found but also to accomplish an accurate identification of the species found on the corpse. The focus of this study lies in eight Coleoptera families present in Portugal, strongly related to forensic entomology cases: Carabidae, Cleridae, Dermestidae, Histeridae, Nitidulidae, Scarabaeidae, Silphidae and Staphylinidae. Its main goal is to use pictures to characterize morphologically the most representative genus and species belonging to these families using specimens previously caught in baited traps or on animal carcasses. To proceed with this analysis, the diagnostic structures of the specimens are described and photographed using optical microscopy and the data obtained was used to build pictorial interactive keys and characterizations, available online (www.csicoleoptera. weebly.com). This will allow an easy identification of relevant groups for forensic technicians without expertise in entomology