Tese de doutoramento, Sociologia (Cultura, Comunicação e Estilos de Vida), Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2018Em várias investigações que têm concentrado a sua atenção no chamado colonialismo tardio português, num tempo dominado pela viragem anticolonial do pós-guerra e pela dissolução dos impérios coloniais europeus, é geralmente assumida a importância do novo clima da opinião internacional enquanto fator que terá condicionado a soberania colonial portuguesa. Contudo, as alusões ao que se sugere ser a diferente disposição das opiniões trazida pelos ventos de mudança anticoloniais carecem de fundamentação empírica. A presente pesquisa propõe-se superar o papel marginal muitas vezes consignado aos meios de comunicação e analisar um amplo acervo de artigos de jornais recolhidos da imprensa portuguesa, britânica e francesa sobre a conjuntura de 1961, o annus horribilis do Estado Novo. Através de uma abordagem que combina a sociologia, a história, as ciências da comunicação e os estudos de media procura-se estudar a situação interna e imperial portuguesa nesse período a partir de um ângulo que privilegia as imbricações entre a imprensa – a sua capacidade para construir acontecimentos mediáticos, as suas formas de agendamento, os seus enquadramentos e linguagem, a sua potência propagandística –, o exercício político do governo de Salazar e as dinâmicas internacionais em matéria colonial e imperial. Como é que um conjunto de episódios que levaram o regime a uma situação limite em redor de um vetor fundamental da sua política tomaram forma na imprensa portuguesa, em plena vigência da censura, e na imprensa britânica e francesa, países onde vigorava a liberdade de imprensa e que tinham iniciado os seus processos de descolonização? A pertinência de um estudo comparativo encontra fundamento na hipótese de a conjuntura de 1961 que conduziu ao deflagrar da guerra em Angola e à queda do Estado Português da Índia ter engendrado textos de sentidos certamente muito distintos. As similitudes e divergências nos textos impressos devem ser pensadas como permeáveis a condições diversas de regime político e às transformações que marcaram as diferentes formações imperiais. Mas o “viés da imprensa”, expressão que integra o título da investigação, remete para a faculdade deste medium de modelar os eventos e os conflitos de poder, de condicionar a vida coletiva pelo que torna visível e pelo modo como enforma e deforma informações e conhecimentos, e de constranger diversos atores a algum tipo de acomodação aos seus critérios e ao seu ritmo, quer para tentar usá-los, quer para os controlar. A análise comparativa harmoniza-se com o pressuposto teórico deste estudo: o de que o início do derrube do império português, além de uma história política e militar, é também a história de uma luta do poder político para direcionar o público num âmbito interno e de uma luta obstinada pela opinião internacional.In the post-war period, with its turn to anticolonialism and the dissolution of European colonial empires, various research projects focussing on so-called late Portuguese colonialism adopted the widespread assumption that the new climate of international opinion was a significant factor affecting Portuguese colonial sovereignty. However, allusions to shifts in opinion reflecting the winds of anticolonial change lack empirical foundation. This research sets out to overcome the marginal role often assigned to the media and to analyse a large collection of newspaper articles from the Portuguese, British and French press on the events of 1961, the annus horribilis of the Estado Novo. An approach combining sociology, history and communication studies, seeks to study the Portuguese domestic and imperial situation in that period from a perspective which focuses on the interactions of the press – its ability to construct media events, the way it sets agendas, its frameworks, language, and potential for propaganda –, the political practice of the Salazar government, and the dynamics of anticolonialism and internationalism in connection with the Portuguese empire. How did the Portuguese press view a series of episodes which drove the regime to an extreme position in one of its fundamental policy areas, at a time when censorship was in full effect? And how did the press view them in Britain and France, countries where there was freedom of the press and which had already started the process of decolonization? A comparative study is justified on the basis of the assumption that the events of 1961, which led to the outbreak of war in Angola and to the fall of Portuguese India, clearly produced articles which differed substantially in their interpretations of those events. While similarities and differences in press articles should admittedly be seen as being subject to the effects of different political regimes and to the changes undergone by different forms of empire, “the bias of press”, an expression which is part of the title of this dissertation, refers to how easily this medium shapes events and power struggles, conditions public life by that which is reveals and the way it informs and deforms news and knowledge, and constrains the various actors to some type of accommodation with its criteria and its rhythm, in order to try to use or control them. Comparative analysis is in harmony with the theoretical assumption of this study, namely that the context in which the fall of the Portuguese empire was set in motion, besides being a political and military story, was also the story of the political regime’s struggle to mould domestic public opinion and to engage in an obstinate effort to win over international opinion