Biophysical characterization of measles virus fusion-inhibitory peptides: a focus on membrane interactions and self-assembly

Abstract

Tese de mestrado, Bioquímica (Bioquímica Médica), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2017O vírus do Sarampo é um dos vírus patogénicos mais contagiosos, que infeta anualmente 20 milhões de pessoas por todo o mundo, apesar da existência de uma vacina eficaz. É, mundialmente, uma das principais causas de morte infantil. O vírus do Sarampo é transmitido através de gotículas de aerossol que entram no trato respiratório ou por contato direto com secreções respiratórias infetadas, causando uma doença infeciosa aguda, a doença do Sarampo, caracterizada por febre e erupção cutânea maculopapular, muitas vezes combinado com tosse, coriza e conjuntivite. As primeiras células a serem infetadas pelo vírus são os macrófagos e células dendríticas que expressam o recetor CD150, presentes no trato respiratório. Após a migração das células infetadas para os tecidos linfáticos, o vírus infecta e prolifera em linfócitos B e T CD150+, com a consequente disseminação sistémica para os restantes órgãos e tecidos, causando uma profunda supressão do sistema imunitário, o que pode levar ao aparecimento de infeções secundárias fatais. O recetor nectina-4 é também reconhecido pelo vírus do Sarampo em células epiteliais, e está associado à transmissão viral em fases posteriores da infeção. Em casos raros de infeção persistente do vírus do Sarampo, podem desenvolver-se doenças neurológicas fatais, nomeadamente encefalomielite disseminada aguda, encefalite por Sarampo com corpos de inclusão e panencefalite esclerosante subaguda. A ação coordenada das proteínas hemaglutina (H) e de fusão (F) do invólucro viral é essencial para a entrada do vírus nas células alvo. Previamente ao contacto com as células hospedeiras, a proteína F do vírus encontra-se numa estrutura trimérica prefusogénica metaestável. Com a ligação da proteína H do vírus aos recetores, CD150 ou nectina-4 da célula hospedeira, esta sofre uma mudança conformacional que insere o péptido de fusão da proteína F na membrana celular da célula hospedeira. A energia resultante da ativação por parte da proteína H, provoca uma mudança conformacional na estrutura prefusogénica da proteína F, induzindo a reorientação dos trímeros numa estrutura posfusogénica, que aproxima e funde as membranas viral e celular, levando à formação de um poro de fusão. Os componentes do vírus são introduzidos no interior da célula hospedeira, iniciando a replicação viral. O vírus do Sarampo foi declarado eliminado dos Estados Unidos da América em 2000, contudo, o ressurgimento deste vírus em países desenvolvidos tem vindo a ser verificado, devendo-se principalmente ao aumento de propaganda anti-vacinação, com consequente decréscimo na cobertura de vacinação, que resulta na acumulação de populações suscetíveis à infeção e transmissão deste vírus. O aumento dos casos de infeção pelo vírus do Sarampo e a inexistência de tratamentos para infeções agudas e persistentes do vírus exigem a procura por novas terapias. Na última década, os avanços tecnológicos nas técnicas de síntese de péptidos permitiram o desenvolvimento de uma nova geração de péptidos terapêuticos. Estes péptidos terapêuticos são capazes de se ligar com alta especificidade aos seus alvos in vivo, sendo bastante eficientes e com fracos efeitos secundários. Uma das classes destes péptidos são os antivirais inibidores de entrada, que são direcionados para a fase primária de infeção, atuando sobre o reconhecimento, acoplamento e entrada do vírus na célula alvo. Uma vez que inibem o avanço do ciclo viral antes da invasão celular, estes inibidores possuem claras vantagens perante outros antivirais que atuam em estágios tardios. Um dos casos de sucesso desta classe de antivirais é o enfuvirtide, o primeiro péptido sintético a ser aprovado para o tratamento do VIH. Estes péptidos são derivados da região heptad repeat do terminal C (HRC) das proteínas de fusão gp41 do VIH, atuando sobre a região heptad repeat do terminal N (HRN), impedindo a mudança conformacional que leva à fusão das membranas viral e celular. O desenvolvimento de inibidores de fusão com um modo de ação semelhante ao enfuvertide, que atuam sobre outros vírus, tem demonstrado resultados promissores. Péptidos HRC, derivados da região HRC da proteína F do vírus do Sarampo, inibem com eficácia o processo de fusão do vírus. O modo de ação proposto para os péptidos HRC consiste em bloquear as mudanças conformacionais fusogénicas da proteína F do vírus do Sarampo, mimetizando as interacções naturais do HRN e HRC durante a infeção. A estes péptidos foram aplicadas estratégias de dimerização e de conjugação com domínios lipófilos (colesterol e tocoferol) de modo a melhorar a sua eficácia antiviral. Estudos biológicos e biofísicos com estes péptidos demonstraram que a presença dos domínios lipófilos nos péptidos provoca a sua agregação em solução, enquanto que a dimerização aumenta o tamanho e diminui a compactação dos agregados, aumentando a sua capacidade de integração nas membranas, e levando a uma inibição eficaz do processo de fusão do vírus do Sarampo in vitro e in vivo. Estes resultados sugerem que o equilíbrio entre a agregação e a integração nas membranas, regula a eficácia in vivo dos péptidos inibidores de fusão. Com os resultados promissores obtidos para os péptidos HRC, questionou-se a possibilidade de aumentar a eficácia antiviral dos péptidos ao introduzir mutações na cadeia peptídica. Entre os anos de 2009 e 2010, um surto do vírus do Sarampo identificado na África do Sul, levou à infeção de mais de 18 000 indivíduos, tendo vários pacientes desenvolvido encefalite por Sarampo. Uma análise sequencial do vírus do Sarampo presente nos cérebros de 2 dos pacientes que sofreram de encefalite, revela uma mutação U para G na posição 1944 do gene da proteína F do vírus, o que se traduz numa mutação nos aminoácidos de uma leucina para triptofano na posição 454 (L454W) da proteína F. Estudos posteriores revelaram que a mutação L454W na proteína F do vírus do Sarampo aumenta a destabilização do estado prefusogénico metaestável desta proteína, o que promove a sua alteração conformacional para o estado posfusogénico. Verificou-se ainda que o aumento da temperatura, mesmo na ausência de um recetor celular, era suficiente para iniciar a mudança conformacional, facilitando a fusão entre as membranas viral e celular, o que explica a neurovirulência verificada durante o surto. Dado o efeito da mutação L454W na destabilização da proteína F do vírus, aplicou-se essa mesma mutação aos péptidos HRC, sintetizando-se um novo grupo de péptidos inibidores de fusão, denominados péptidos HRC-L454W. Tal como com os péptidos HRC, os péptidos HRC-L454W foram conjugados com domínios lipófilos nas formas monoméricas e diméricas. O modo de ação proposto é semelhante ao dos péptidos HRC, contudo, colocamos a hipótese que a instabilidade adquirida pela mutação promova uma ligação melhorada dos péptidos à região HRN, tal como se verifica no vírus mutado. Estudos biológicos preliminares revelaram uma eficácia viral in vitro promissora, principalmente para o péptido HRC-L454W dimérico conjugado com colesterol. Contudo, a eficácia antiviral in vivo não apresenta diferenças significativas entre os péptidos HRC-L454W, revelando também uma eficácia antiviral reduzida em comparação aos péptidos HRC. Neste estudo, em conjunto com o anteriormente descrito para os péptidos de HRC, foram avaliadas propriedades físico-químicas, agregação e cinética de inserção de membrana dos péptidos HRC-L454W inferindo sobre seus efeitos na eficácia antiviral in vivo. Os resultados obtidos sugerem que a presença do triptofano, contribui para o aumento da instabilidade e tamanho nos agregados formados pelos péptidos HRC-L454W. Semelhante aos péptidos HRC, os agregados apresentaram dois tipos organização estrutural. Péptidos monoméricos conjugados, formam agregados menores e compactos, conectados pelos domínios lipófilos formando um núcleo hidrofóbico relativamente estável, mantendo-se em estruturas micelares em solução ao longo do tempo, apresentando uma menor afinidade para a interação com as membranas. Péptidos diméricos conjugados, formam agregados maiores e menos compactos, formados por clusters de agregação instáveis. Estes aparentam ser resultantes do aumento das restrições estéreas no seu interior, capazes de se ligar através de interações entre as moléculas dos domínios lipófilos e as cadeias peptídicas de diferentes clusters, aumentando o seu tamanho em solução ao longo do tempo, apresentando uma maior afinidade para a interação com membranas. A maior hidrofobicidade das moléculas de colesterol, em relação às moléculas de tocoferol, favorece a formação de mais interações entre clusters de agregação, resultando em agregados mais instáveis, menos compactos e maiores. Propomos que, devido ao seu tamanho e natureza química, a presença do resíduo de triptofano eleve as restrições estéreas entre as cadeias peptídicas dentro dos agregados, aumentando significativamente a sua instabilidade. O aumento da instabilidade e desordem no sistema de clusters de agregação aumenta a probabilidade de interações entre moléculas lipófílas e as cadeias peptídicas de péptidos presentes em diferentes clusters, o que contribui para o aumento do tamanho e instabilidade dos agregados. A elevada instabilidade e aumento do tamanho dos agregados em solução, principalmente para a péptido HRC-L454W dimérico conjugado com colesterol, induz a perda de suas propriedades como nanopartículas, reduzindo a biodistribuição dos péptidos, e diminuindo a sua eficácia antiviral in vivo. A análise biofísica realizada neste estudo, introduz características relativas à instabilidade na agregação peptídica, que podem ser usadas no design eficiente de péptidos antivirais inibidores de fusão. A perda do equilíbrio ideal entre agregação e interação com as membranas, devido à instabilidade elevada nos agregados formados pelos péptidos, afeta negativamente a eficácia antiviral in vivo

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