Habitat and population estimates of Príncipe flagship species: Príncipe thrush Turdus xanthorhynchus, and Obô giant snail Archachatina bicarinata

Abstract

Tese de mestrado em Biologia da Conservação, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2020O número de espécies ameaçadas de extinção tem crescido rapidamente devido às atividades humanas, estimando-se que o rácio de extinções tenha aumentado entre 100 a 1000 vezes em relação aos tempos anteriores ao surgimento do ser humano. A alteração do uso do solo é considerada a maior ameaça para a sobrevivência de muitas espécies, com a agravante de facilitar o aparecimento de muitas outras ameaças, como a proliferação de espécies invasoras. Atualmente assistimos a uma rápida alteração dos usos do solo, como tal é urgente identificar áreas prioritárias para conservação, em especial nos trópicos, onde se concentra grande parte da biodiversidade e onde as alterações antropogénicas se têm acentuado mais rapidamente nas últimas décadas. Neste contexto, conhecer a distribuição das espécies e as suas associações ambientais é essencial para desenvolver medidas de conservação. A ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné, faz parte de um hotspot de biodiversidade a nível global, e é uma reserva da biosfera da UNESCO. A maior parte destes reconhecimentos deve-se à sua biodiversidade, que apesar da sua reduzida dimensão é muito rica em endemismos, com pelo menos 9 espécies de aves e 29 espécies de moluscos terrestres endémicas. Entre estas, contam-se algumas espécies particularmente carismáticas, como o tordo-do-Príncipe e o búzio-d’Obô. O tordo-do-Príncipe, Turdus xanthorhynchus, é uma espécie “Criticamente Ameaçada” endémica do Príncipe, que ocorre sobretudo em floresta nativa, desde o nível do mar até aos 800 m de altitude. O búzio-d’Obô, Archachatina bicarinata, é uma espécie “Vulnerável” endémica de São Tomé e Príncipe, que também está fortemente associada à floresta nativa. Ambas as espécies têm sido utilizadas como bandeira para consciencializar os habitantes locais para a perda de biodiversidade e para a degradação das florestas. Apresentam distribuições semelhantes à escala da ilha, acabando por sofrer pressões antropogénicas também semelhantes, sendo assim importante integrar os conhecimentos obtidos sobre ambas as espécies de forma a poder tomar as melhores decisões de conservação ao nível da floresta nativa. Este estudo tem como objetivo modelar a distribuição do tordo-do-Príncipe e do búzio-d’Obô, de forma a avaliar as suas preferências ambientais e fazer estimativas populacionais. Tudo isto para poder apoiar com informação os atuais planos de conservação destas duas espécies, propondo ações concretas para promover não só a sua conservação, como do ecossistema do qual dependem. Para modelar a distribuição das espécies e compreender as suas preferências ambientais foram utilizados modelos lineares generalizados tendo como base variáveis ambientais potencialmente relevantes, como a altitude, a pluviosidade, a topografia, a rugosidade, a distância à costa, o tipo de uso do solo, a inacessibilidade, o declive e a proporção de copas grandes. Esta análise foi feita a duas escalas: para a ilha completa e apenas para a zona de floresta nativa, onde se concentra o maior número de observações de ambas as espécies. No caso do tordo foram recolhidos dados de variáveis ambientais locais (número de árvores, número de árvores mortas, número de árvores grandes, número de palmeiras arbustivas, cobertura de copa, densidade do subcoberto, percentagem de solo coberta por vegetação, percentagem de solo coberta por pedras, percentagem de solo coberta por manta morta e percentagem de solo nu), para avaliar o seu efeito na presença da espécie no sul da ilha. A população das duas espécies foi estimada com dados recolhidos em transetos que estão localizados dentro da área de ocorrência destas espécies, cada um dos transetos foi amostrado por duas vezes, uma em junho e outra em dezembro. Ao nível da ilha a presença do tordo-do-Príncipe estava fortemente associada à floresta nativa, enquanto que dentro desta mostrava uma preferência por zonas mais remotas, afastadas da floresta mais degradada, a altitudes mais elevadas e com menor cobertura de copa. A área estimada como adequada à presença da espécie foi de cerca de 15.4 km2. Estas associações entre o tordo e o habitat são principalmente atribuídas à vulnerabilidade da espécie à pressão da caça e a espécies invasoras, e não tanto devido a uma dependência a floresta bem preservada, apesar de não se poder descartar que a espécie pode estar dependente de certas características ecológicas da floresta nativa. A estimativa populacional do tordo foi de 86 indivíduos (IC 95%: 34 a 180) em junho, e de 314 indivíduos (IC 95%: 201 a 477) em dezembro. Esta variação sazonal era expectável, uma vez que em geral o pico de atividade e conspicuidade das aves corresponde à época de reprodução que na maioria das aves de São Tomé e Príncipe ocorre durante a época das chuvas. Tendo como base dados de pontos de contagem obtidos de estudos anteriores sobre a distribuição e abundância das espécies de aves presentes na floresta nativa do Príncipe, foi feita uma correlação entre a abundância observada e a densidade corrigida de cada espécie, a partir da qual se tentou estimar a população de tordo existente na ilha. Esta análise apontou para uma população entre 178 e 259 indivíduos. À escala da ilha, a presença do búzio-d’Obô apresentou-se fortemente associada à floresta nativa e a elevadas altitudes, enquanto que dentro da floresta nativa esteve associado a as zonas de meia encosta, seguidas de zonas planas e vales. Tal como para o tordo, pensamos que a distribuição do búzio se deve não tanto a características ecológicas da floresta nativa, mas sobretudo a fatores externos como a pressão antropogénica e a sensibilidade a espécies invasoras, nomeadamente quando até há poucos anos a espécie era abundante por toda a ilha. A área estimada como adequada para a presença da espécie foi de cerca de 32 km2. Estimou-se uma população de 8881 indivíduos em junho (IC 95 %: 7874 a 9963), e de 4440 indivíduos em dezembro (IC 95%: 3736 a 5213). O maior número de indivíduos em junho foi um resultado surpreendente, pois era expectável que a maior atividade e abundância fosse durante a época das chuvas quando existe mais alimento disponível. É importante realçar que os resultados obtidos para ambas as espécies devem ser interpretados com grande cuidado, devido especialmente a uma amostragem pequena e potencialmente enviesada; especialmente no sul da ilha, onde o terreno é muito acidentado, houve certamente uma amostragem mais intensiva nas zonas mais acessíveis, o que pode enviesar as estimativas de abundância, as associações com variáveis ambientais e os mapas de probabilidade de ocorrência. Os resultados obtidos indicam que a sobrevivência de ambas espécies está fortemente dependente da proteção dos ecossistemas de floresta nativa, localizados quase exclusivamente no Parque Natural do Príncipe, que para isso precisa de um reforço nas capacidades de fiscalização e implementação. Para além do parque funcionar como refúgio para espécies ameaçadas, foi também possível perceber que estas espécies não ocupam esta área uniformemente, pelo que se mostra relevante compreender os complexos padrões de distribuição de ecossistemas ao longo do parque para permitir uma atuação mais focada nas áreas e nas ameaças mais importantes a curto prazo. Além disso, estes resultados sugerem que o estatuto do tordo deve ser mantido como “Criticamente Ameaçado” dentro dos critérios atuais, enquanto que o do búzio deveria ser reavaliado para pelo menos “Em Perigo”, devido a ter uma área de ocorrência inferior a 5000 km2 e estar limitada a duas localizações (Príncipe e São Tomé) onde está a decorrer um declínio ao nível da ocorrência, área de ocupação, qualidade do habitat e do número de subpopulações. Para garantir a adequação de medidas específicas de conservação, a monitorização é extremamente importante, pelo que a extensão e frequência da monitorização deveriam ser aumentadas. Recomendamos ainda que estudos futuros se dediquem a compreender a ecologia destas espécies, em particular ao nível da reprodução e da alimentação, bem como ao desenvolvimento de trabalhos que visem perceber o impacto das espécies invasoras nas espécies endémicas, com um foco particular na interação entre o búzio-d’Obô e o búzio-vermelho, Archachatina marginata, que foi introduzido no Príncipe nas últimas décadas. Finalmente, encorajamos o desenvolvimento de programas de educação ambiental em que estas duas espécies sejam utilizadas como bandeira para que os habitantes do Príncipe possam estar informados sobre a situação atual da biodiversidade da ilha, e sobre a importância das florestas e das espécies endémicas, para continuar a promover a alteração de atitudes e comportamentos em relação ao ambiente.Habitat change is the main cause for biodiversity loss, and namely for the decline of bird and land snail populations. Thus, preventing and reversing population declines requires information on how species use different ecosystems. The “Critically Endangered” Príncipe thrush, Turdus xanthorhynchus, and the “Vulnerable” Obô giant snail are two endemic species that occur on Príncipe Island, in the Gulf of Guinea. They are reported to be almost restricted to the less accessible southern forests, for which that have been used as flagship species for the conservation of the native forests of the island, but very little is known about their ecology. This study aims to model the distribution, to assess habitat preferences, across the island and within native forest, and to estimate population size for both of these species. Species distribution models for the full island showed that the thrush occurs over an area of about 15.4 km2 and is strongly associated to native forest. Within this forest type, it preferred remote areas away from degraded forest, at higher altitudes, and with lower canopy cover. Using data obtained in transects that have been surveyed systematically, the species was estimated to have 86 individuals (95% CI: 34 to 180) in June, and 314 individuals (95% CI: 201 to 477) in December. Using data from point counts, population estimates ranged from 178 to 259 individuals. Using similar analyses, the snail was shown to occur over an area of about 32 km2. At island level, it was clearly associated to native forest, while within native forest it preferred middle slopes, followed by valleys and flat plain areas. We estimated that the species had a population of 8881 individuals (95% CI: 7874 to 9963) in June, and 4440 individuals (95% CI: 3736 to 5213) in December. It is important to note that these results must be interpreted with great care, not only because the data available is relatively scarce, but also because difficulties of access due to the rugged terrain may have spatially biased data collection. The survival of these species relies on effective protection of the Príncipe Natural Park, supplemented by additional pro-active conservation actions. We advise that the conservation status of the thrush is kept as “Critically Endangered” and that the snail should be reassessed and classified at least as “Endangered”. We recommend future studies on the breeding and feeding ecology of these species. Finally, local environmental education programs are encouraged to continue using these species to raise awareness regarding the importance and threats to the biodiversity of Príncipe

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