(Des)construir o Holos : a perceção individual, conjugal, parental, filial e fraternal dos elementos das famílias com militares destacados em missões internacionais

Abstract

Muitas são as motivações que levam um militar a cumprir missões internacionais, das quais se destacam a possibilidade de ter experiências pessoais e profissionais ímpares, onde pode materializar o treino em situações reais, e a oportunidade que tem para conquistar uma “almofada financeira significativa”. Contudo, numerosos estudos revelaram que a motivação dos militares durante as missões está intimamente relacionada com o bem-estar das suas famílias, sendo este um fator potenciador ou inibidor do desempenho do militar no teatro de operações. Tal significa que uma missão promove pressões nos elementos que constituem o sistema familiar do militar, em que cada um responde de forma diferente, e podendo por vezes “sentir” esgotados os seus recursos. Por outro lado, a preocupação com as famílias é um dos mais importantes fatores indutores de stress dos militares destacados em missões militares internacionais. Durante as fases de uma missão, as famílias militares sentem e vivenciam um continuado ciclo de ajustamentos e readaptações, restabelecendo constantemente os papéis e funções familiares, a intimidade e a vinculação entre si. Com este projeto de investigação pretendeu-se aceder à perceção dos elementos das famílias militares que vivenciaram a experiência de ter um familiar deslocado numa missão internacional, identificando fatores de risco e de equilíbrio face às adversidades intrínsecas a esse período, construindo uma leitura sistémica. Assim, utilizando metodologias qualitativas e quantitativas, num processo de investigação abdutivo, exploraram-se os “mapas” dos subsistemas das famílias militares portuguesas, os momentos mais críticos, as dificuldades sentidas e as estratégias de coping utilizadas. O primeiro estudo, exploratório e de natureza qualitativa, foi realizado com 22 militares masculinos do Exército Português, com idades compreendidas entre os 27 e os 51 anos (M = 40,09 anos, DP = 7,61), a maioria com pelo menos um filho na altura da missão, e que já tinham participado pelo menos numa missão internacional (e.g., Afeganistão, Bósnia, Kosovo, Timor). Pretendeu-se investigar o impacto de missões nas famílias portuguesas, mais especificamente nos militares, explorando as suas perceções em relação aos papéis desempenhados nos subsistemas conjugal e parental. Os momentos mais críticos da missão são os últimos dias do pré-deslocamento, o início e o final do deslocamento, e o pós-deslocamento. Manter a estabilidade familiar, resolver questões burocrático-logísticas e estabelecer uma rede de suporte para a família são as preocupações principais no pré-deslocamento. A adaptação ao teatro de operações, a separação física da família e a rotina são fatores indutores de stress durante o deslocamento, havendo nesta fase um esforço para evitar conflitos conjugais. Os militares relataram uma sensação impotência em relação à sua capacidade de apoiar a família. O pós-deslocamento é uma fase de sobrecarga emocional, pois para além de sentimento de perda de independência, existe dificuldade em retornar à rotina familiar e readquirir os seus papéis e responsabilidades familiares. O segundo estudo é igualmente exploratório e de natureza qualitativa. Através das entrevistas semiestruturadas a 13 cônjuges de militares portugueses, do sexo feminino, com idades compreendidas entre 26 e 48 anos (M = 38,38, DP = 6,64), pretendeu-se investigar o impacto de uma missão, mais especificamente na relação conjugal e na parentalidade. Os militares (cônjuges dos participantes) pertencem ao Exército Português e têm entre duas a seis participações em missões internacionais (e.g., Afeganistão, Angola, Bósnia, São Tomé e Príncipe). A análise dos dados indicou que no pré-deslocamento os filhos estão preparados para a ausência física do cuidador militar, investindo este numa comunicação clara para promover a relação pai-filho. A nível da conjugalidade, alguns dias antes da partida do militar os casais tornaram-se mais cúmplices e íntimos. Durante o deslocamento, os cônjuges referiram que os principais desafios dizem respeito ao aumento das tarefas e responsabilidades parentais, revelando também alguma insegurança devido à relação conjugal e uma preocupação com o bem-estar do militar. Porém, a ausência do militar pode ser uma oportunidade para fortalecer os relacionamentos entre pais-filhos. Os principais recursos utilizados durante esta fase são os meios de comunicação tecnológicos, que permitem manter a presença do militar no quotidiano das famílias. No pós-deslocamento, a reintegração do militar torna-se um desafio para a estrutura familiar, envolvendo a reorganização das responsabilidades e papéis parentais, bem como a reconquista da intimidade entre o casal. Também de carácter qualitativo e exploratório, no terceiro estudo realizaram-se entrevistas semiestruturadas a 22 filhos (entre 8 e 21 anos) de militares do Exército Português que vivenciaram ter um dos cuidadores numa missão internacional. Utilizando uma metodologia de análise indutiva-dedutiva, foram identificados fatores de risco e fatores protetores específicos, e estratégias de coping associados às três fases da missão. Os momentos mais críticos da missão foram o período de notificação, os últimos dias antes da partida dos militares e a fase do deslocamento. A preocupação em preparar as atividades para a ausência do militar durante o pré-deslocamento e o aumento de responsabilidades ao longo do deslocamento foram as mudanças mais referenciadas. Já no pós-deslocamento, realçou-se o rápido reajustamento do sistema familiar. Também para os participantes a maior proximidade com a família nuclear, maior responsabilidade e crescimento pessoal foram considerados consequências da experiência vivenciada. Um quarto estudo qualitativo foi realizado com 12 participantes de quatro famílias nucleares militares, duas insulares e duas de Portugal Continental. Os adultos participantes têm idades compreendidas entre os 37 e os 48 anos (M = 42; DP = 4.30) e os filhos têm entre 12 e 16 anos (M = 13.75; DP = 1.70). Todos os participantes militares pertencem ao Exército Português. Os militares das Ilhas têm entre uma a duas participações em missões internacionais (Afeganistão e Kosovo), e os militares do Continente têm entre três a quatro participações (Afeganistão, Angola, Bósnia, S. Tomé e Príncipe e Timor). Pretendeu-se identificar e analisar as alterações familiares sentidas e os recursos utilizados para lidar com os desafios da missão por cada familiar, mostrando possíveis diferenças entre as famílias militares das Ilhas e de Portugal Continental. Verificou-se que as dificuldades das famílias insulares surgem sobretudo associadas à separação prolongada, começando logo no pré-deslocamento, considerado pelas mesmas como deslocamento, pois a unidade militar do aprontamento está localizada no continente. Os principais recursos utilizados pelas famílias são o suporte social e a comunicação, especialmente com o militar. Sendo exploratório, mas de natureza mista, o quinto estudo teve como finalidade investigar o impacto de uma missão no quotidiano e nas respostas emocionais de progenitores (n=113) e irmãos (n=114) dos militares portugueses. Os participantes responderam a um questionário relativo à missão, focando alterações do quotidiano, suporte social, comunicação e conselhos a outros familiares, e à Escala de Afetos Positivos e Negativos (PANAS) perante a notificação da mesma. Identificaram-se alterações no funcionamento familiar e no suporte funcional durante a missão e os progenitores sofreram mais com a notificação, em relação aos irmãos dos militares. A comunicação com o militar destacado parece fortalecer as relações familiares, a moral e o bem-estar. A preocupação e orgulho foram as emoções mais referenciadas, bem como a atitude positiva face aos militares e à missão. Por último, o sexto estudo recorre a um desenho longitudinal, com uma amostra constituída por 255 militares do Exército Português e 58 cônjuges, com idades compreendidas entre os 27 e os 51 anos (M=40.09, DP=7.61) e 19 e os 52 anos (M=34.09, DP=8.40), respetivamente. Do total dos participantes, 108 militares e 31 cônjuges já tinham tido experiências anteriores de participação em missões internacionais, e 88 militares e 35 cônjuges tinham descendentes na última missão. Todos os participantes responderam a questionários de autorrelato nas três fases da missão (pré-deslocamento, deslocamento e pós-deslocamento) sobre as motivações, ansiedade, afetos, apoio social, funcionamento familiar e satisfação com a vida. No caso dos militares, responderam ainda aos mesmos questionários num quarto momento, passado seis meses do seu regresso (follow-up). Os resultados revelaram que a satisfação pessoal, alcançar de objetivos de carreira e ganhar dinheiro extra são as principais razões para os militares participarem em missões. Estados mais elevados de ansiedade verificaram-se durante o deslocamento para os militares, e no pré-deslocamento e deslocamento no caso dos cônjuges. Os militares evidenciaram mais afetos positivos no pré e pós-deslocamento, e os cônjuges apenas na última fase da missão. Em relação ao apoio social funcional, os militares revelaram sentir mais no deslocamento e pós-deslocamento. Quanto ao funcionamento familiar, os militares revelaram ter mais dificuldade quando destacados, e os cônjuges no pré-deslocamento e deslocamento. Ambas as subamostras revelaram maior satisfação com a vida após o regresso do militar. Os militares que responderam no follow-up percecionaram mais recursos familiares neste momento. Mesmo que cada pessoa experiencie acontecimentos indutores de stress de forma diferente, diacrónica ou sincronicamente, uma missão está caracterizada por padrões comportamentais, sentimentais e emocionais específicos e manifestos. Significa que para um sistema familiar militar, cada fase de uma missão está associada a fatores de risco e de equilíbrio específicos, como também, às estratégias de coping necessárias para ultrapassar os vários desafios que se apresentam durante este período. Ao verificarmos os “movimentos” individuais dos subsistemas constituintes do sistema familiar, pudemos elencar contributos que se constituem como linhas orientadoras para a construção de recursos e programas preventivos capazes de minimizar os fatores de risco e reforçar ou promover fatores de equilíbrio, fortalecendo ao mesmo tempo as relações familiares e os recursos da comunidade

    Similar works