Luto nos médicos

Abstract

Tese de mestrado, Cuidados Paliativos, Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, 2019Introdução: A morte é um acontecimento inevitável e universal que desencadeia sentimentos de luto nos sobreviventes que se relacionaram com o falecido, incluindo os profissionais de saúde. Os médicos estão expostos ao processo de morte e ao sofrimento dos doentes que cuidam. Este contacto com o sofrimento humano e com todo o processo que envolve a morte e o morrer podem ter consequências pessoais e profissionais, com risco de burnout e despersonalização. Contudo, estas experiências permitem também o questionamento pessoal e existencial, e a sua integração de forma menos traumática poderá associar-se a crescimento pessoal. A consciência dos riscos, o desenvolvimento de mecanismos de coping e de autocuidados são essenciais para que os médicos, possam elaborar o luto dos seus doentes e evitem as consequências nefastas do contacto com a morte. Tendo em consideração esta problemática desenvolveu-se um estudo que teve como finalidade caracterizar o luto, as atitudes perante a morte e a qualidade de vida profissional numa amostra de médicos e relacioná-las com fatores sóciodemográficos, profissionais e pessoais. Métodos: Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e descritivo desenvolvido na aplicação de um questionário aos profissionais médicos a exercer funções no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE, ACeS Gaia e ACeS Espinho / Gaia. Foi enviado um questionário eletrónico difundido através de e-mail institucional e disponível entre 21 de maio e 2 de julho de 2018. O preenchimento era voluntário e anónimo. O questionário era constituído por uma seção de caracterização sociodemográfica e experiencial e a aplicação das escalas de Sobrecarga de Luto Profissional, Perfil de Atitudes acerca da Morte e Qualidade de Vida Profissional. A análise estatística foi realizada com recurso ao programa SPSS®. Resultados: Obtiveram-se 99 respostas válidas, correspondentes a uma taxa de resposta de 7.85%. A amostra era composta por 66 mulheres (67%) e tinha uma mediana de idades de 43 anos (25-67). Os especialistas representaram 80% da amostra com 71 participantes a exercerem especialidades médicas e com 26 profissionais de MGF. Embora 76 médicos prestem cuidados a doentes em fim de vida, destes 27 assumem não se sentir competentes para o fazer e apenas 19 receberam formação em Cuidados Paliativos. Os médicos especialistas apresentam valores significativamente mais elevados de perda nostálgica (p=0.01). Os médicos de especialidades cirúrgicas apresentaram significativamente maior esforço emocional no cuidar, maior partilha incompreendida e maior perda nostálgica (p=0.004, 0.006, 0.022, respetivamente). Médicos que prestam cuidados a doentes em fim de vida apresentam valores significativamente mais elevados de Confinamento Atormentado (p=0.009). Obtiveram-se correlações positivas estatisticamente significativas entre o confinamento atormentado e o esforço emocional no cuidar com o medo da morte e o evitamento da morte, e entre todas as dimensões da escala de sobrecarga de luto profissional com o burnout e o stress traumático secundário, com exceção do esforço emocional no cuidar que não atingiu significado estatístico com o burnout. Nos modelos de regressão hierárquica, a dimensão Esforço Emocional no Cuidar foi o fator preditivo mais relevante da escala de Sobrecarga de Luto Profissional para a dimensão Medo da Morte e Evitamento da Morte (24 % e 26%), enquanto que o Confinamento Atormentado foi o fator preditivo mais relevante das três dimensões da escala de Qualidade de Vida Profissional, sendo que prediz valores mais baixos de satisfação por compaixão (17%) e valores mais elevados de burnout e stress traumático secundário(38% e 41%, respetivamente). Conclusões: A originalidade deste trabalho reside em três aspetos: metodologia quantitativa; aplicação a médicos de várias especialidades; aplicação a clínicos que atuam numa mesma área geográfica que serve uma população com acesso a igual nível de cuidados. Este trabalho evidencia a necessidade de promover a aquisição de competências de cuidar em fim de vida a todos os profissionais que assistem estes doentes, quer técnicas quer humanas, quer de autocuidados para o profissional.Introduction: Death is an inevitable and universal event that triggers feelings of mourning in survivors who have related to the deceased, including health care professionals. Doctors are exposed to the death process and the suffering of the patients they care for. This contact with human suffering and the whole process involving death and dying can have personal and professional consequences, with the risk of burnout and depersonalization. However, these experiences also allow personal and existential questioning, and their integration in a less traumatic way may be associated with personal growth. Awareness of risks, the development of coping mechanisms and self-care are essential if doctors are to mourn their patients and avoid the harmful consequences of contact with death. Taking this problem into account, a study was developed to characterize grief, attitudes towards death and professional quality of life in a sample of physicians and relate them to socio-demographic, professional and personal factors. Methods: This is a quantitative, cross-sectional and descriptive study developed through the application of a questionnaire to medical professionals working at Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE, ACeS Gaia and ACeS Espinho / Gaia. An electronic questionnaire was sent through institutional mail and available between May 21 and July 2, 2018. The completion was voluntary and anonymous. The questionnaire consisted of a sociodemographic and experiential characterization section and the application of scales of Overload of Professional Mourning, Revised Death Attitude Profile and Professional Quality of Life. Statistical analysis was performed using the SPSS® program. Results: There were 99 valid answers, corresponding to a response rate of 7.85%. The sample consisted of 66 women (67%) and had a median age of 43 years (25-67). Specialists accounted for 80% of the sample with 71 participants in medical specialties and 26 family doctors. Although 76 doctors provide care to end-of-life patients, out of these, 27 assume they do not feel competent to do so, and only 19 have received training in Palliative Care. Specialists presented significantly higher values of nostalgic loss (p = 0.01). Surgical doctors presented significantly greater personal sacrifice burden, worry and felt isolation and nostalgic loss (p = 0.004, 0.006, 0.022, respectively). Physicians who provide care to end-of-life patients have significantly higher values of heartfelte sadness and longing (p = 0.009). There were statistically significant positive correlations between the heartfelte sadness and longing and the personal sacrifice burden with fear of death and death avoidance, and between all dimensions of the Overload of Professional Mourning scale with burnout and secondary traumatic stress, with exception of personal sacrifice burden in caring that did not reach statistical significance with burnout. The hierarchical regression models showed that personal sacrifice burden was the most relevant predictive factor in the Overload Professional Mourning scale to the fear of death and death avoidance dimensions (24% e 26%, while heartfelte sadness and longing was the most relevant predictive factor of the three dimensions in the Professional quality of Life scale, predicting lower levels of compassion satisfaction (17%) and higher levels of burnout and secondary traumatic stress (38% and 41%, respectively). Conclusions: The originality of this work lies in three aspects: quantitative methodology; application to doctors of various specialties; application to clinicians operating in the same geographical area serving a population with access to the same level of health care. This work evidences the need to promote the acquisition of end-of-life care skills for all professionals who assist these patients, both technical and human, and self-care for the professional

    Similar works