“There is Something Behind It All”: The Narrative Construction of Russian Cultural Memory in Julian Barnes

Abstract

This dissertation addresses the narrative construction of Russian Cultural Memory in the work of Julian Barnes. The literary analysis of the selected texts reflects upon the significance of blurred borders between cultural and communicative dimensions of memory, and a metonymic and metaphorical intertextuality, thus challenging the belief in a homogeneous national identity. Conveying the idea that memories are always constructed, The Lemon Table (2004) displays the memory process as a transcultural mode of the creation of identities. Sweeping across and beyond national boundaries, England, England (1998) reveals how frail the invention of tradition is when leading not only to a solid collective memory but also to its political legitimation. Focusing progressively on the retrieval of literary themes from Russian literature, The Sense of an Ending (2011) narrates an intertextual remembering by duplication, thus working on the prevention of forgetting through the recuperation of the otherwise forgotten meaning. Welcoming the need to constantly revisit canonical works, these texts represent the permanently moving architecture of cultural memory. The Noise of Time (2016) plays with intertextuality as an efficient tool of the displacement of memory. Grounded in the double meaning of a literary image as a mnemonic image of memory and a product of imagination, the so denominated creative stimulus of literature, this text seems to insist that biography can become a mode of fiction about life. The Only Story (2018) draws a parallel between what Lachmann designates the art of memory and writing as a mnemonic act. According to Barnes, this text consciously recovers a forgotten thematic dimension subtly introduced in The Sense of an Ending. Thus, a central relationship between a young man and a middle-aged woman acquires a new voice, becoming its strong moral and emotional dilemma. Alluding to Tolstoy’s ethic and psychological quandary, and to Gogol’s sarcastic sense of humour, its narrative construction (re)defines the multiple ways in which mnemic imagination and poetic imagination interact in Barnes’s fiction.Esta dissertação pretende discorrer sobre a construção narrativa da memória cultural russa na obra de Julian Barnes. A análise literária dos textos seleccionados reflecte sobre o significado da interacção permanente entre a memória cultural e a memória comunicativa, assim como a intertextualidade metonímica e a intertextualidade metafórica, resisitindo assim ao conceito de uma memória nacional homogénea. Partindo do princípio de que as memórias são sempre construídas, The Lemon Table (2004) apresenta o processo de construção da memória como uma experiência transcultural na revelação de identidades individuais e colectivas. Transcendendo as limitações de interpretação da existência humana provenientes das imposições sócio-culturais pelas fronteiras nacionais, England, England (1998) revela a vulnerabilidade de qualquer tradição nacional que pretende manter-se inalterada com o passar do tempo, assim como da sua legitimação geo-política. Focando-se na recuperação de temas literários provenientes da literatura Russa dos séculos XIX e XX, The Sense of an Ending (2011) narra o processo de construção da memória cultural através da intertextualidade assente na duplicação de imagens, propondo assim a recuperação gradual do sentido como alternativa ao seu esquecimento. Acentuando a necessidade de revisitar constantemente obras canónicas, esses textos simbolizam a arquitetura itinerante da memória cultural. The Noise of Time (2016) explora criativamente as mais variadas vertentes estruturais e temáticas da intertextualidade como um instrumento narrativo eficiente na deslocação do processo da memória, personificando a matriz fictícia e criativa na qual a biografia factual frequentemente assenta. Sustentando o duplo sentido inerente à imagem literária que reside, por um lado, na natureza mnemónica da memória e, por outro, no mero produto da imaginação associada à recuperação das memórias, o chamado estímulo criativo da literatura, este texto parece insistir na ideia que a biografia é sobretudo uma ficção sobre a vida. The Only Story (2018) pode ser considerado um bom exemplo daquilo que Renate Lachmann designa como um paralelo "entre a arte da memória e a escrita como um acto mnemónico". De acordo com Barnes, este texto recupera intencionalmente um dos temas mencionados, mas não desenvolvidos, em The Sense of an Ending (2011), debruçando- se sobre a relação entre um jovem e uma mulher de meia-idade, relação cuja construção narrativa ficara, na obra anteriormente publicada, nas suas margens temáticas. Em The Only Story, esta linha do enredo adquire uma nova voz, um argumento reflexivo e consistente, e torna-se num dos seus principais dilemas morais e emocionais. Aludindo simultaneamente aos questionamentos de raiz ética e psicológica revelados, por exemplo, na composição narrativa de Anna Karenina (1877), e ao sentido de humor sarcástico de Gogol que reflecte sobre a condição humana em Almas Mortas (1842) e, por último, intercala com a representação estética das vertentes existenciais da condição humana através da (inter)subjetividade e da incomunicabilidade em Gooseberries (1898), a construção narrativa desses textos (re)define as múltiplas maneiras pelas quais a imaginação mnémica e a imaginação poética interagem na ficção de Barnes. Seguindo a definição do conceito de intertextualidade proposta por Julia Kristeva, cuja reflexão defende a forma dialógica e não linear através da qual as palavras e os textos frequentmente interagem, a dissertação segue a análise do texto sob a perspectiva da sua permeabilidade (inter)textual. O processo da abordagem comparativa dos textos seleccionados traz consigo a importância de considerar o dialogismo bakhtiniano como um princípio fundamental na sua organização temática e estrutural. Tanto o conceito dialógico de Bakhtin, inicialmente relacionado com a justaposição ambígua de duas ou mais expressões, como a ênfase de Kristeva na impactante multiplicidade de significados observados num texto literário, que muitas vezes resulta da co-presença dos discursos do outro na construção narrativa de uma determinada personagem, propõem um dos fundamentos teóricos essenciais na construção narrativa do palimpsesto de memória nos textos de Barnes. Em Cultural Memory and Western Civilization (2013), Aleida Assmann reconhece a importância da memória cultural para o desenvolvimento da identidade, tanto nacional como individual. A perspectiva intertextual da presente investigação considera não apenas o processo dialógico teoricamente relacionado com a simultânea alteridade e singularidade dos textos seleccionados, mas tenciona igualmente propor um olhar crítico para a sua dimensão auto- reflexiva responsável pelo processo, não linear e ambivalente, envolvido na construção da memória literária e cultural russas nos textos de Barnes. Considerando a importância da análise discursiva detalhada de várias referênciais temáticas da literatura russa, esta dissertação procura relacionar o processo narrativo da memória com a dimensão narrativa assente na recuperação dos terrenos imaginários esquecidos, sendo ambos os processos responsáveis pelo modo como o ‘outro’ (texto) surge reconstruído na narrativa de Barnes. Salientando a ideia de Bakhtin de que essa reconstrução pode refletir um "contacto dialógico entre várias obras de arte literária", a dissertação procura não apenas identificar as distintas fontes literárias russas articuladas nos textos propostos, mas também criticamente reflectir sobre as complexidades estéticas relacionadas com a tentativa de construção narrativa da memória cultural através das referências intertextuais. Desta forma, os textos narrativos propostos para a análise literária no âmbito desta dissertação procuram demonstrar, por um lado, o modo hermético como as referências (inter)textuais estruturam a perspectiva sócio-histórica da memória cultural, realçando a sua visibilidade extrínseca. Por outro lado, os mesmos textos debruçam-se, através das referências intertextuais cruzadas com os textos provenientes da literatura russa, sobre a problemática da representação estética da realidade sócio-cultural num texto literário que, em condições favoráveis ao "afecto emocional" do escritor, se converte num cruzamento semântico de ideias e de ideais cuja recuperação gradual permite encontar, por detrás da dimensão tendencionalmente hegemónica da memória factual, um patamar escondido de memórias que pode ser recolhido e recriado num período histórico e social diferentes. Os textos de Barnes, seleccionados para o presente trabalho, procuram explorar o repertório institucional da memória literária e cultural russas não somente como um guardião eficaz do pensamento e da expressão de ideias num certo período histórico, mas igualmente como um importante quadro referencial para uma nova e criativa representação de perspectivas culturais e dimensões temáticas armazenadas na literatura dos séculos XIX e XX, transformando-se numa reconstrução narrativa alternativa das memórias do passado. As dimensões do silêncio e da contradição na representação estética da realidade desempenham um papel de relevo no complexo sistema de reconfiguração (inter)textual da arquitectura da memória nas obras de Barnes aqui analisadas. Ao recordar o contexto familiar, em Nothing to be Frightened Of (2008), Barnes revê criticamente a importância das memórias partilhadas, considerando-as como um instrumento narrativo de coesão entre "a terra da contradição e a terra do silêncio". Além disso, o escritor articula a sua perspectiva pessoal de experiência em recontar as memórias, realçando o efeito circular das mesmas, uma vez que a reconstrução narrativa de uma memória torna-se responsável por construir o processo de identidade humana, tal como uma identidade individual ou colectiva é também determinada por uma selecção de memórias construídas. No domínio da criatividade literária, o significado de alteridade na representação estética da realidade pode sofrer uma mudança funcional que pode igualmente ser condicionada, segundo Barnes, por uma tranformação das referências culturais, uma vez que nenhuma memória possui a sua própria finitude, mas depende essencialmente do diálogo intertextual, da interacção e da (re)confirmação com outras memórias. Enfatizando a importância crucial da dimensão do lado afectivo na recuperação ficcional das memórias, Barnes afirma, por exemplo, que "uma história sobre narrativa e memória" pode de facto se transformar numa "história mais, não menos interessante" (Barnes 2008: 231). Por esta razão, explorar lugares de memória na narrativa não se deve limitar a horizontes temporais ou espaciais específicos do passado, uma vez que a concretização narrativa e a (re)construção ficcional da memória podem ser metaforicamente consideradas como aberturas semânticas na estruturação cultural e histórico-social dos processos da memória cujos perfis críticos visam orientar a sua construção numa determinada direcção. Meditando sobre os diversos vínculos de carácter não linear estabelecidos entre a vida e a arte, a escrita de Barnes simultaneamente reflecte sobre a condição humana, a percepção colectiva e individual da história, e a verdade. "Para ser honesto, digo menos verdade quando escrevo jornalismo do que quando escrevo ficção. Pratico ambos e gosto de ambos, mas, para dizer isso de uma forma brusca, quando se escreve jornalismo a nossa tarefa é simplificar o mundo e torná-lo compreensível numa só leitura; ao escrever ficção a nossa tarefa é reflectir sobre as complicações mais intrínsecas da realidade, [...] e produzir algo que possui a capacidade de revelar outras camadas de verdade numa segunda leitura" (Conversations with Julian Barnes, 2009: 65

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