RESUMO
A dor crónica reflete-se na vida das pessoas e altera os padrões de vida diária e a
perceção do estado de saúde. A disposição para gerir novas situações, desafios e a
aquisição ou desenvolvimento de estratégias para reencontrar o equilíbrio constituem
elementos fundamentais para o controlo da dor. Esta realidade constituiu o fulcro para
o desenvolvimento desta investigação conduzida a partir da questão: Qual o modelo de
cuidados de enfermagem que melhor resposta poderá dar às necessidades da pessoa com
dor crónica, promovendo a articulação e a continuidade dos cuidados?
A investigação tomou por objeto de estudo a dor crónica, tendo por finalidade a
definição de um modelo de intervenção de enfermagem, sustentado no processo de
transição, que se integre na organização de cuidados para acompanhamento da pessoa
com dor crónica. Adotando um paradigma construtivista, foi desenhada uma abordagem
fundada em duas fases distintas: a primeira fase teve como objetivo caracterizar o
processo de viver com dor crónica e o modelo de cuidados em uso nas organizações no
acompanhamento das pessoas com dor crónica; a segunda fase visou o desenvolvimento
de um modelo de acompanhamento de enfermagem à pessoa com dor crónica, que
assegure uma resposta às necessidades da pessoa/família, promovendo a articulação e
a continuidade de cuidados entre os diferentes contextos de cuidados de saúde, com
vista à melhoria do nível de satisfação da pessoa com o controlo da dor e melhoria da
qualidade de vida da pessoa com dor crónica.
A recolha de dados decorreu entre agosto de 2008 e maio de 2013. Participaram no
estudo pessoas com dor crónica utilizadoras de cuidados de saúde de uma unidade local
de saúde e profissionais da saúde da região norte do país, uns como informantes-chave
sobre a organização dos cuidados às pessoas com dor crónica, outros como participantes
num grupo de discussão organizado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento
dos princípios orientadores de um modelo de acompanhamento de enfermagem das
pessoas com dor crónica. Na primeira fase do estudo foram utilizados os seguintes
instrumentos: o Questionário sociodemográfico e clínico; o BPI(pt); a EAEDC(pt); o CADR(
pt) e o SF36v2(pt) na abordagem das pessoas com dor crónica. Recorremos também à
entrevista semiestruturada na abordagem às pessoas com dor crónica e aos informanteschave.
Na segunda fase foi utilizada a estratégia de grupo de discussão, formado por
peritos na área do acompanhamento das pessoas com dor crónica, no sentido de gerar
informação útil para a conceção do modelo.
Dos resultados destaca-se a identificação de grupos de pessoas que vivem com dor
crónica com maior vulnerabilidade, associada à perceção da severidade e interferência da dor no seu quotidiano, nomeadamente: as mulheres, os mais idosos e as pessoas com
baixa escolaridade. O viver com dor crónica é influenciado pelas crenças, significados e
atitudes face à dor. Também variáveis contextuais como o estatuto socioeconómico, o
suporte familiar, os recursos da comunidade, interferem na vivência desta transição.
Apesar dos esforços enveredados, a dor é um fenómeno subdiagnosticado na conceção
dos cuidados de enfermagem e condicionado pela existência de uma informação
insuficiente sobre a dor, e, ainda, por uma deficiente organização dos cuidados.
A proposta do modelo de cuidados de enfermagem no acompanhamento da pessoa com
dor crónica assenta em três elementos estruturantes: as políticas de saúde, a
organização de cuidados de enfermagem e o processo de cuidados.
Os pressupostos subjacentes à política de saúde encontram-se adequados, suportam o
desenvolvimento do modelo proposto, orientados pelo PNS, assim como pelo PNCDor.
Contudo, a operacionalização destas orientações no contexto da prática clínica nem
sempre responde às necessidades efetivas da pessoa com dor crónica.
O modelo proposto pressupõe a centralidade no cliente e família. O recurso a uma equipa
multiprofissional para fazer face à dor crónica é muitas vezes imprescindível. A definição
de circuitos e fluxos de referenciação, incluindo o processo de sinalização para equipas
especializadas no controlo da dor como uma estratégia relevante para a organização dos
cuidados, enfatizando o recurso aos cuidados de saúde primários.
O processo de conceção de cuidados de enfermagem deverá ter em atenção que as
transições estão associadas a mudanças que ocorrem ou podem ocorrer na pessoa,
resultantes deste processo de viver com dor: mudanças na condição de saúde e na forma
como estas se instalam e geram transformações na própria pessoa e nas circunstâncias
que a rodeiam. Por isso, é necessário que o modelo de cuidados de enfermagem no
acompanhamento da pessoa com dor crónica esteja orientado para dar resposta aos
aspetos vivenciados na transição, garantindo por essa via a continuidade e avaliação dos
cuidados