Tese de Doutoramento em Psiquiatria, apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade de CoimbraDa revisão da literatura sobre os relacionamentos das crianças e dos jovens com os seus pares, constata-se a existência de um sólido corpo de informação sobre a influência do grupo de pares no desenvolvimento, sobre a conexão entre os relacionamentos familiares e as capacidades sociais e adaptativas, sobre as formas de avaliação dos relacionamentos entre colegas (sendo as técnicas sociométricas as grandes privilegiadas), sobre os equivalentes cognitivo-comportamentais e afectivos dos estatutos sociométricos, e sobre a capacidade destes em prever risco de desajustamento no futuro. Mas constata-se igualmente a existência de informação escassa sobre a associação entre psicopatologia e a qualidade dos relacionamentos entre os jovens, área que todavia se mostra promissora na investigação em psicopatologia do desenvolvimento. O presente trabalho tem como objectivo ajudar à compreensão do nexo entre esses elementos e à comunicação sempre desejável entre esferas complementares do conhecimento.
Na Escola 2,3 C/C do Ensino Básico de Anadia, foram avaliados sociometricamente, ao longo de três anos consecutivos, jovens do 5o ao 9o anos de escolaridade. No primeiro ano de estudo, foram incluídos 268 jovens, no segundo 454 jovens e no terceiro 393 jovens. Foi analisada a distribuição das populações pelos diferentes estatutos sociométricos (populares, médios, negligenciados, rejeitados e controversos) e, para cada um deles, foram examinados os padrões de interacção social. Foram aleatoriamente seleccionados 121 jovens no terceiro ano de estudo, distribuídos equitativamente pelos quatro estatutos sociométricos mais representativos, e foi também incluído o único elemento controverso. Foi aplicado um protocolo, junto dos jovens e professores, que procurou avaliar e quantificar elementos sobre a psicopatologia, condições sócio-familiares e adaptação escolar. Foi igualmente avaliada a estabilidade versus a mudança de estatuto sociométrico em anos consecutivos, e estudada a sua associação com a psicopatologia detectada. Os elementos obtidos são descritos e, sempre que possível, submetidos a análise estatística.
Os resultados encontrados permitem extrair as seguintes conclusões:
1. O teste sociométrico é um método eficaz para medir os relacionamentos
dos jovens com os seus pares e para detectar grupos relativamente homogéneos
quanto ao funcionamento social, psicológico e académico.
2. Em qualquer grupo de jovens estudado, encontra-se uma percentagem
estável de indivíduos que são sociometricamente populares, médios, negligenciados, rejeitados ou controversos.
3. O bom relacionamento com os colegas encontra-se associado a uma
constelação de factores: bom nível de adaptação social e escolar, desempenho
académico elevado, e satisfação pessoal. Pelo contrário, os grupos sociometricamente desfavorecidos (negligenciados e rejeitados) evidenciam maiores problemas nessas mesmas áreas.
4. Os grupos sociométricos que evidenciam bom relacionamento com os
colegas (populares e médios) apresentam significativamente menos psicopatologia
do que os grupos socialmente problemáticos. Apenas as perturbações de ansiedade
tomam expressão na psicopatologia detectada nos grupos sociometricamente mais
favorecidos.
5. O grupo sociométrico dos negligenciados aproxima-se significativamente
mais do grupo dos rejeitados do que de qualquer outro em medidas de
psicopatologia e desajustamento social e escolar. Distinguem-se, no entanto, pelo
facto de o grupo dos negligenciados ser aquele que apresenta taxas mais elevadas
de perturbações de ansiedade, enquanto que o grupo dos rejeitados é aquele que
apresenta taxas mais elevadas de perturbações relacionadas com comportamentos
disruptivos.
6. Os estatutos sociométricos apresentam estabilidade moderada quando
avaliados dois anos consecutivos. O grupo dos rejeitados mantém-se fortemente estável ao fim de um ano. O grupo menos estável é o dos controversos. O dos negligenciados diferencia-se dos rejeitados por apresentar uma estabilidade menor.
7. Pela singeleza da sua aplicação e pela sua capacidade em discriminar os grupos potencialmente psicopatológícos, o teste sociométrico toma-se um método de eleição para detectar grupos de risco. Estes resultados podem constituir um subsídio para algumas linhas de investigação em psicopatologia do desenvolvimento, concorrendo para a detecção precoce de jovens em risco psicopatológico, para o esclarecimento dos factores subjacentes à psicopatologia, e para o delinear de estratégias e intervenções terapêuticas. Neste sentido, surgem como relevantes para futura investigação as seguintes hipóteses:
A. Grande parte dos indivíduos sociometricamente mal posicionados apresenta psicopatologia, mas a relação causal desta associação não está determinada. Pode considerar-se que formas precoces de perturbação têm uma influência negativa nos relacionamentos interpessoais dos jovens, ou pelo contrário considerar-se que os jovens com dificuldades nos relacionamentos interpessoais se tomam desproporcionalmente vulneráveis aos factores de stress normativos e não-normativos.
B. O isolamento social, mesmo sem a existência de rejeição activa, pode ser
considerado como um factor de risco. Pode assim considerar-se o estatuto sociométrico condicionado por esse tipo de dificuldades nos relacionamentos, o estatuto dos negligenciados, como um grupo potencialmente em risco.
C. Embora uma parte dos jovens sociometricamente mal posicionados
apresente uma evolução favorável, não são conhecidos os factores que determinam
esse desfecho. Poderá haver uma relação com um isolamento temporário, ao invés
dos efeitos mais negativos de um isolamento continuado. D. Atendendo a que os grupos dos populares e dos médios não diferem na
sua adaptação psico-social, poderá não ser necessário um grau de aceitação pelo
grupo superior ao normal para que a vida social na escola seja benéfica.
E. O teste de percepções sociométricas, ao medir a tele, ou a capacidade do
indivíduo perceber correctamente as escolhas de que é alvo, pode igualmente
permitir a medição da capacidade do indivíduo em experienciar afectos, positivos
ou negativos, com um mínimo de distorção perceptual