Colbari, Antonia

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Resenha205o&s - v.13 - n.36 - Janeiro/Março - 2006Aos Mestres de AdministraçãoABARROS, Myriam Lins de. Família e Gerações.Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.por Antonia Colbari*família marcou presença na reflexão dos clássicos fundadores do pensa-mento social e continuou a merecer atenção dos pesquisadores contempo-râneos. Nesse percurso, várias facetas da instituição família e do comporta-mento familiar foram descortinadas por pesquisas empreendidas sob diver-sos olhares e crivos conceituais que envolveram diferentes campos disciplinares,sobretudo a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e a Psicanálise.Na área específica da Administração, como tema transversal, a família temsido uma referência constante nos estudos sobre organizações, em particularquando se trata das empresas familiares. E, nesse terreno, um dos aspectos des-tacados é a necessidade de uma compreensão mais refinada das modalidades defamília na sociedade contemporânea. O modelo teórico construído a partir dainterdependência entre os ciclos da vida familiar e os ciclos de vida da empresacontinua sendo uma trilha analítica fértil para entender a mudança, a sucessão ea profissionalização das empresas familiares. No entanto, com certa freqüência,toma-se a família como uma referência abstrata ou no formato ainda muito im-pregnado pelo modelo patriarcal, carecendo de apreendê-la como instituição emconstante transformação que redefine papéis, valores e significados. As diferen-ças geracionais não são incorporadas ou são pouco exploradas como uma variá-vel significativa para entender a dinâmica das empresas familiares.Também nos estudos sobre o trabalho, a reflexão sobre famílias e geraçõesé decisiva, na definição tanto de modelos de gestão quanto de estratégias dequalificação e treinamento. Recentemente, em uma palestra sobre as demandasatuais de formação profissional, realizada na Federação das Indústrias do EspíritoSanto, um representante da área de Recursos Humanos da Companhia Siderúrgi-ca de Tubarão foi claro ao afirmar a necessidade de conhecer melhor o perfil, asexpectativas e os valores dos jovens que estão ingressando no mercado de tra-balho. As estratégias de gestão, sobretudo as práticas de motivação, não podemignorar as mudanças geracionais, uma evidência de que a socialização na empre-sa não se processa alheia às mudanças de valores e de comportamentos ocorri-das na sociedade, principalmente entre as novas gerações.A publicação pela Editora FGV da coletânea Família e Gerações, organizadapela professora Myriam Lins de Barros, é mais uma oportunidade de revitalizar odebate sobre uma velha instituição que se reconfigura com o suceder das gera-ções e sob o impacto das mudanças demográficas, econômicas e culturais queredefinem padrões de comportamento, valores e representações sociais.Apesar do fio condutor — família e geração —, tendo as cidades como cená-rio comum, os seis estudos da coletânea, realizados por pesquisadores da áreade Sociologia, Antropologia e Psicologia, resgatam analiticamente uma diversida-de de experiências e situações típicas de diferentes gerações e em diferentescontextos sócio-espaciais. Captam processos e significados que demarcam os perfisdas gerações, bem como as singularidades de suas relações com as cidades que,por sua vez, vivenciam um movimento próprio de mudanças na sua configuraçãoespacial e na reelaboração dos significados do “viver na cidade e viver a cidade”.A propósito, no capítulo Gênero, cidade e geração: perspectivas femininas,Myriam Lins de Barros vale-se da narrativa de duas gerações de mulheres — jo-vens universitárias e “mulheres velhas” — para evidenciar as relações entre adescoberta de novos espaços da cidade e a de novos espaços sociais, o que, nafala das jovens, está associado ao processo de autonomia em relação à família e* Profª UFESo&s - v.13 - n.36 - Janeiro/Março - 2006206Tânia Fischer, Alexandre Mendes Nicolini & Manuela Ramos da Silvaà comunidade e, também, ao crescimento intelectual proporcionado pelo acessoao ensino superior; e, nas lembranças das “mulheres velhas”, à abertura de no-vas formas de sociabilidade.O texto recompõe uma teia de relações que envolvem a experiência de viversituações etárias revestidas de especial significação e de visibilidade crescente nasociedade contemporânea. Se as gerações têm a oportunidade de conviver com umapluralidade maior nas formas de ser jovem ou ser velho, isto revela que a idade, alémde referência cronológica para estratificar a população e afirmar direitos e deveresassociados às fases da vida, configura também estilos de vida demarcadores defronteiras e de identidades — ser jovem ou ser da “terceira idade”.As jovens mulheres universitárias se sentem contemporâneas de sua épocaao demarcar o tempo entre o “mundinho” — expressão usada para designar arede de relações familiares de fronteiras mais fechadas que pautavam suas expe-riências de vida antes do ingresso na universidade — e a etapa seguinte, quandoos horizontes se ampliaram e elas passaram a “ter consciência” e “ser conscien-te”. Já as mulheres mais velhas reconhecem as possibilidades abertas pelo pre-sente, mas se referem ao passado como “meu tempo”, uma alusão clara de que,apesar do eufemismo “terceira idade”, o tempo de cada um é o tempo da juventu-de e da vida produtiva e reprodutiva.São indicações interessantes para refletir se a recente glamourização da“terceira idade” não é um recurso para recompor um universo de significaçõespositivas associadas à população que envelhece em uma sociedade que idolatra ajuventude. Ademais, a invenção da “terceira idade”, mais do que uma expressãodo “politicamente correto”, parece fazer sentido na delimitação de uma fase davida, intercalada entre a aposentadoria e a velhice, em que pode ter cessado avida produtiva e reprodutiva, mas permanecem as oportunidades de uma vidaativa por meio de novas formas de sociabilidade, seja nos espaços de lazer ou nasatividades comunitárias. Essa nova categoria social reflete as mudanças no perfildemográfico da sociedade brasileira e, também, a ação das políticas de gestãodas populações das instituições públicas e privadas.No capítulo As negociações no espaço doméstico: construir a “boa distância”entre pais e jovens adultos coabitantes, Elsa Ramos analisa, no contexto de umasociedade individualista, no caso a francesa, o fenômeno de se “tornar adulto sempassar à idade adulta”, evidenciando um processo que permite a construção daautonomia do indivíduo sem passar pela independência. A coabitaçãointergeracional ocorre tanto pelo prolongamento da fase da juventude, pelo au-mento da escolaridade e pela inserção tardia no mercado de trabalho, mas é tam-bém uma opção do jovem adulto de continuar desfrutando da casa dos pais semter que abrir mão de sua autonomia. Nesse caso, a convivência com os pais de-manda uma negociação em torno de alguns aspectos, como a preservação daordem da casa, e certas restrições em torno do consumo de drogas e da vidasexual fora do espaço exclusivo do jovem adulto que “constrói sua casa na casados pais”. O equilíbrio da convivência geracional decorre de uma aceitação tácitade que às diversas idades estão associadas práticas legítimas.De fato, esse perfil de jovem adulto me parece uma decorrência inevitávelda atuação da própria família, detectada desde o momento em que os pais reser-vam, no espaço da casa, um reduto exclusivo do filho, visto como necessário aoaprendizado da organização do próprio espaço e ao domínio de si mesmo.Em Mulheres, corpo e performance: a construção de novos sentidos para o en-velhecimento entre mulheres de camadas médias urbanas, Andréa Moraes Alvesanalisa dois grupos de mulheres de “terceira idade”: as “dançarinas”, que aderemao “culto ao corpo” e freqüentam os bailes como formas de sociabilidade e debusca de oportunidades de realização da afetividade e da sexualidade; e as “mu-lheres católicas”, que se dedicam ao apoio leigo à Igreja Católica e às atividadesassistenciais. Em ambos os grupos, a “terceira idade” pode ser vista como umestilo de vida que define identidades na vida adulta, nas fases em que os filhosestão criados e a aposentadoria extinguiu os vínculos com o trabalho fora do lar. A207o&s - v.13 - n.36 - Janeiro/Março - 2006Aos Mestres de Administraçãomilitância político-religiosa e a presença nos bailes testemunham uma vida quenão se restringe ao espaço doméstico, mas que se faz atuante no espaço público,o que fortalece o sentimento de permanecer ativa nos processos sociais, continuarfazendo escolhas, construindo relações e redefinindo a própria identidade e ossentidos da vida. Por isso, as dançarinas temem a incapacidade física, e as militan-tes, a “perda da consciência”, o que as privaria ou dos espaços de sociabilidadedemarcados pelas atividades de lazer, ou de um projeto de trabalho e de atuaçãona vida pública.Em Transmissão geracional e família na contemporaneidade, Maria Lúcia Rocha-Coutinho retoma a reflexão sobre família e relações intergeracionais à luz de estu-dos clássicos sobre a formação da sociedade brasileira, como os de Gilberto Freyree de Antonio Cândido, e de autores contemporâneos, como Giddens e Stuart Hall,que abordam de maneira inovadora temas antigos como a tradição e a formaçãodas identidades. No percurso que vai do modelo de família partriarcal, em que aautoridade do pai se impõe inconteste, ao modelo de família fundado na intimidadee nos afetos, em que a negociação pauta as relações entre os membros da família,a autora analisa as mudanças das relações familiares, nos modelos identitários enas representações que redefinem as relações entre as gerações. Parry Scott, em Gerações, comunidades e o Programa Saúde da Família: repro-dução, disciplina e a simplificação administrativa, analisa o Programa de Saúde daFamília em Recife (PE). Destaca como as percepções simplificadas das relaçõesfamiliares e comunitárias vigentes entre os administradores e profissionais envol-vidos no programa facilitam a atuação técnica pautada pela racionalidade da “lógi-ca médico-sanitária e biológica”. Ao privilegiarem determinados grupos com baseem critérios biológicos acabam por operar com uma concepção limitada do ciclo davida, que ressalta a reprodução. A ênfase nos eventos e nas referências biológi-cas em detrimento das relações e significados que a comunidade associa à gera-ção, idade, maturidade, e que pautam a convivência do grupo, impede a percep-ção da complexa integração entre os idosos e seus familiares, a “contextualizaçãocomunitária e de parentesco na interação entre todos”. Observa-se a tensão en-tre a racionalidade técnica dos profissionais e a “ordem moral da família”, típicados setores populares submetidos à situação de pobreza e de exclusão, tal comose verifica nas comunidades atendidas pelo referido programa.No último artigo, Casa, família nuclear e redes sociais em bairros de trabalhado-res, Simoni Lahud Guedes e Michelle da Silva Lima partem da casa como “patrimôniomaterial e simbólico” e analisam as relações entre família nuclear, rede de paren-tesco e vizinhança em bairros de trabalhadores. Desvendam a lógica cultural quepreside as relações amistosas e conflitivas estabelecidas entre as famílias e osagentes sociais, sobretudo a cooperativa habitacional financiada por uma organi-zação não governamental e operacionalizada pelo “regime de mutirão familiar damão-de-obra”, o qual impõe a obrigação de todos os núcleos familiares participa-rem com trabalho na construção das casas. Além da exploração do tema família, oestudo desperta interesse pela análise da organização de uma cooperativa quefunciona na troca de trabalho; pressupõe uma “organização comunitária” assen-tada em uma nova rede de relações que convive com aquelas mediadas peloslaços de parentesco e de vizinhança. Nesse aspecto, é possível identificar algumasemelhança com a situação analisada no artigo anterior, ou seja, a complexidadedas relações firmadas entre segmentos da população carente e as agências queorganizam e implementam políticas públicas. São casos que ilustram as tensõesentre a racionalidade organizativa e os valores da cultura popular, entre a lógicainstitucional e a visão de mundo, o projeto de vida e a forma peculiar como asfamílias se inserem nas redes de parentesco e de vizinhança.O breve percurso por esses artigos reitera a importância de análises que,centradas na família e nas gerações, descortinam temas amplos e pontuais —como individualismo, mudanças no perfil demográfico, mercado de trabalho, de-mocratização da educação, mudanças no espaço e nos valores urbanos, repre-sentações sociais e identidades, entre outros — que, por sua vez, perpassamo&s - v.13 - n.36 - Janeiro/Março - 2006208Tânia Fischer, Alexandre Mendes Nicolini & Manuela Ramos da Silvavários campos do conhecimento e da intervenção social, incluindo a produção inte-lectual e a prática na área da administração privada e da pública.Inserida em um universo de múltiplas faces e recortada por diversas discipli-nas científicas, a família preserva a sua condição de instituição relevante na confi-guração da sociedade contemporânea. Reveste-se de uma complexidade desafia-dora, pois em suas diversas modalidades reflete os novos padrões de relaçõessociais e as mudanças simbólico-culturais. Alimenta representações ambíguas,sendo ainda criticada como instituição da ordem, do controle e da integração dosindivíduos aos papéis sociais legítimos, mas é, também, cobrada por ser incapazde garantir satisfatoriamente a socialização das novas gerações e ser negligenteno exercício de funções afetivas e materiais. No terreno das organizações, essaambigüidade também se faz presente: a família ora é associada ao padrão tradi-cional de gestão e à matriz cultural paternalista, inimiga do profissionalismogerencial, ora é parceira na construção de referências éticas e de imagens positi-vas que nutrem a esfera da cultura organizacional.Por fim, ainda que na forma de um breve registro, cabe destacar o lugar dafamília nos contextos sociais em que a cultura pública empalidece frente à fragili-dade das identidades coletivas e à exaltação da individualidade, da vida privada,da intimidade e da subjetividade.

BARROS, Myriam Lins de. Família e Gerações. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.

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BARROS, Myriam Lins de. Família e Gerações. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.

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