Século XXI. Capitalismo informacional (Castells, 1999). A centralidade  do mundo dos negócios na vida humana é cada vez maior. No cotidiano (de  trabalho), nos sonhos (de consumo), nos destinos (da carreira), nas  relações (de mercado), na aceleração (coercitiva), os indivíduos –  principalmente os que hoje habitam os centros urbanos (empresas) do  globo – apresentam sensível dificuldade de autocentramento como  característica marcante

Sá, Márcio Gomes de

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191o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006Uma Parceria que AfligeS* Prof. CAA/UFPE. por Marcio Gomes de Sá*UMA PARCERIA QUE AFLIGEéculo XXI. Capitalismo informacional (Castells, 1999). A centralidade do mundo dos negócios na vida humana é cada vez maior. No cotidiano (de traba-lho), nos sonhos (de consumo), nos destinos (da carreira), nas relações (demercado), na aceleração (coercitiva), os indivíduos – principalmente os quehoje habitam os centros urbanos (empresas) do globo – apresentam sensíveldificuldade de autocentramento como característica marcante.O mercado financeiro internacional não pára; num piscar de olhos, ou me-lhor, no apertar de um enter. Não há tempo para o “vir a ser”. Como provoca EdgarMorin (1989), estamos cada vez mais próximos de “fazeres humanos” do que de“devires humanos”. Tudo o que parece restar é lutar por um lugar no mercado detrabalho e, caso consiga, sobreviver lutando para mantê-lo. Ou então criar umtrabalho, “empreender”. A ausência de sentido na vida (e no trabalho) impera.Uma sensação de vazio está à espreita de um momento de fragilidade; crise exis-tencial (profissional). Procura-se uma pitonisa (pós)moderna, um oráculo!Sob a coordenação editorial de Gabriel Cohn, prefaciado por Marco AurélioNogueira, Auto-ajuda e gestão de negócios: uma parceria de sucesso é obra na qualCarla Giani Martelli apresenta sua tese de doutoramento defendida na UNESP.Nada melhor do que lê-la nas palavras da própria autora:Defendo a tese de que os sistemas de auto-ajuda se transformaram em fenô-menos que têm a dizer sobre um tipo de homem, um modo de ver a natureza, asociedade, um modo de pensar as relações entre os homens. Nesse sentido, aauto-ajuda não se resume aos livros e manuais. É um fenômeno maior que,justamente por sua amplitude, abarca temas diversos e faz confundir as frontei-ras e as abordagens temáticas. (...)Disso decorre um ponto fundamental: considerando o mundo das organizações,muitos títulos e gurus mesmo que não o reconheçam estão sob os efeitos dessefenômeno da auto-ajuda, porque com eles compartilham idéias, conceitos e sig-nificações, e sobretudo porque, em consonância com ele, assumem um tomprofético, fazendo do imperativo um recurso intrínseco à sua linguagem. Sus-tentamos, então, que o fenômeno da auto-ajuda invade, ainda que implicita-mente, o imaginário organizacional. (...) esse fenômeno está presente tanto nateoria como na prática organizacional (p. 184-5).Não seria então a auto-ajuda fenômeno inerente ao “espírito de nossaépoca”? Em seu criativo livro, Carla aponta que sim.São muitos os seus méritos: não se deixar valer dos preconceitosprevalentes quanto ao tema – tanto na academia quanto no senso-comum; aoriginalidade, pertinência e relevância da temática; a criatividade do trabalho; aconstrução ideal-típica que faz jus à tradição weberiana; e a própria estruturaçãoda obra, bem divida em três partes.Na primeira delas, Um mundo em transição, Carla articula teorizações, me-táforas e análises de autores contemporâneos (e.g., Anthony Giddens, Ulrich Beck,Zygmunt Bauman, David Harvey, Richard Sennett) para construir um panoramasobre questões paradoxais inerentes à modernidade tardia, às mudanças notrabalho hoje, à concepção weberiana e às novas formas de racionalidade e,ainda, à constituição da individualidade neste contexto.Ao apresentar as Mudanças no mundo das organizações, a autora recorre àmetáfora circense como “recurso simbólico” para contextualizar sua leitura dasteorias organizacionais e do que chama de “indústria da gestão empresarial”. EisMARTELLI, Carla Giani. Auto-ajuda e gestão de negócios: uma parceria desucesso. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. 288p.o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006192Márcio Gomes de Sáaqui mais um dos lampejos criativos que tornam o livro singular – sugiro inclusiveque a autora invista mais nesta metáfora circense, em outros trabalhos, parailustrar personagens, números e o próprio “picadeiro” organizacional. Martelli,então, faz um duplo movimento. Primeiramente, lança um olhar histórico para asprincipais correntes teóricas da administração, enfocando a eterna busca porprodutividade inerente a todas elas, para depois apresentar os meandros das“teorias-receitas” contemporâneas com as quais os gurus presenteiam os ávi-dos consumidores da literatura administrativa de mercado ou, então, os espec-tadores-clientes de seus espetáculos-palestras, MBAs, cursos de aperfeiçoamentoempresarial, consultorias e afins. O olhar descortinador de nuances desta indús-tria da gestão empresarial (que cada vez mais ocupa maior espaço e dígitos na“indústria cultural”) é outro mérito de Auto-ajuda e gestão de negócios.Sobre esta parte da obra posso, e devo, me alongar um pouco mais. Nocampo dos estudos organizacionais existem olhares críticos sobre a “ideologiada produtividade” (e são relevantes no meu modo de ver). Estes poderiam tersido melhor aproveitados. Um exemplo. Em A nova ciência das organizações, AlbertoGuerreiro Ramos (1981) fundamenta sua proposição teórica sobre a delimitaçãodos sistemas sociais numa crítica às teorias organizacionais que diz atenderem auma “política cognitiva” que padroniza e aliena uma sociedade centrada no mer-cado. É obra clássica. Traz argumentos que poderiam ter sido observados nafundamentação-crítica da autora. É ausência notada no vasto e rico referencialpesquisado. Também gostaria de comentar que Tragtenberg (1989), por fazeruma análise consistente do papel ideológico de algumas destas abordagens te-óricas (em especial a de recursos humanos), e Pagès et al. (1993), por observarque uma “nova religião” é elaborada dentro das empresas capitalistas modernas(não estaria a cargo da auto-ajuda empresarial a “pregação” desta?), muitoembora referenciadas, poderiam ter sido melhor exploradas.Por fim, em Formas de auto-ajuda e formas de gestão, após recuperar asorigens remotas e as mudanças no que se denomina historicamente como “auto-ajuda”, Carla apresenta a tipologia que constrói para caracterizar as duas for-mas que identifica na literatura específica hoje, diz ela, a auto-ajuda manifesta ea auto-ajuda latente. Em seguida, o fenômeno da auto-ajuda empresarial e ahipótese deste ser uma alternativa a qual se recorre diante do “sofrimentoorganizacional” contemporâneo são os temas centrais trabalhados nessa partefinal.A análise construída pela autora ao longo do seu trabalho, visto sob aperspectiva de uma ciência social transformadora, pede por um segundo movi-mento numa próxima obra. Não que, para isso, se procure gerar uma “receita debolo”, ou, para não fugirmos do tema, uma “auto-ajuda para emancipar-se daauto-ajuda”. Longe disso. Mas sim um esforço no sentido de contemplar, analisar,refletir e teorizar sobre o processo de emancipação dos indivíduos em relação àforça da auto-ajuda empresarial neste contexto de modernidade tardia. É ape-nas uma incitação que não posso aqui deixar de registrar...Sendo minha graduação em administração, vi e vivi muito do que Carlaanalisa com propriedade. Seu livro faz-me viajar a um tempo de aluno acrítico(num curso também acrítico), jovem empolgado com uma carreira precoce nomundo dos negócios, assinante e leitor de títulos da literatura administrativa demercado. Enfim, vivenciei em minha formação, atuação profissional e visão demundo, a “parceria de sucesso”, a simbiose que resulta na auto-ajuda empresa-rial. Ouvi e acreditei em “teorias” sobre como melhor liderar e motivar funcionári-os (e como estes devem se dedicar ao máximo para “chegar ao topo”), comofazer para ser bem-sucedido o mais cedo possível, como é importante o marketingpessoal, além de inúmeras receitas para conquistar o cargo tão desejado. Ourode tolo.Eis um fato. Como aponta a autora, o fenômeno da auto-ajuda está paraalém das páginas de livros. Faz-se presente na concepção de tipos padrões deseres humanos. Num modo geral de ver a natureza, a sociedade e até mesmo as193o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006Uma Parceria que Afligerelações entre os indivíduos. Nos cerca. Nas prateleiras das livrarias, nos escritó-rios, nas universidades, nas cabeceiras, nas receitas dos gurus-curandeiros-con-sultores, nos cursos de aperfeiçoamento, nos conselhos padrões, na mente, navida (corporativa) e na prática das pessoas (trabalhadores). Pode até funcionar– como aponta Carla em sua conclusão que observa o fenômeno sob diversosprismas e perspectivas. Conforta, traz esperança e incita à mudança para mui-tos. Muito me afligiu. Aliás, muito me aflige.REFERÊNCIASCASTELLS, Manuel. A sociedade em rede – A era da informação: economia, socie-dade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999a. v.1.MARTELLI, Carla Giani. Auto-ajuda e gestão de negócios: uma parceria de sucesso.Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006.MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. Rio de Janeiro: Forense Universitá-ria, 1989, v. 1.PAGÈS, Max; BONETTI, Michel; GAULEJAC, Vicent de; DESCENDRE, Daniel. O poderdas organizações. São Paulo: Atlas, 1993.RAMOS, Alberto Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituaçãoda riqueza das nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981.TRAGTENBERG, Maurício. Administração, poder e ideologia. São Paulo: Cortez,1989.

Auto-ajuda e Gestão de Negócios: uma parceria de sucesso

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