Fernandes, Felipe Bruno Martins

Irineu, Bruna Andrade

Portuguese

Portal de Periódicos da UFBA

  Vol.3, N.1  Jan. - Abr. 2015  •  www.feminismos.neim.ufba.br                59 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM GÊNERO E SEXUALIDADES  Felipe Bruno Martins Fernandes  Bruna Andrade Irineu  Em setembro de 2014, coordenamos o Eixo Temático “Extensão   Universitária,   Gênero   e   Sexualidades:  engajamento   político   e   transformação   social”   no   II  Seminário Internacional e VI Seminário Nacional Corpo, Gênero e Sexualidade, realizado nos dias 24-26 de setembro de 2014 na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Neste, buscamos reunir pesquisas que primaram por correlacionar as dimensões ensino–pesquisa–extensão, relatos de experiência e/ou produtos finais de projetos desenvolvidos nas universidades (projetos de intervenção, materiais didático-pedagógicos etc.) que articulassem a relação entre universidade e comunidade assim como a parceria entre universidade e movimento social, a partir de iniciativas de extensão universitária em gênero e sexualidades. Observamos uma tendência em buscar a interseccionalidade nas ações entre os marcadores sociais da diferença bem como a transversalidade dos objetivos propostos em diferentes áreas e instituições. Fazer com que o conhecimento em gênero e sexualidades circule na comunidade com vistas à transformação social é prerrogativa de ações que priorizam engajamento político à capacidade transformadora da universidade. O Dossiê “Extensão   Universitária   em   Gênero   e  Sexualidades” surge da iniciativa desafiadora de organizar um conjunto de trabalhos que apresentam resultados de programas/projetos de extensão, entrecruzando gênero e sexualidades em ações engajadas no enfrentamento ao sexismo e à lesbo-homo-transfobia. Os artigos que seguem formam uma rede de experiências que vão desde a assessoria a movimentos sociais ou à equipe de um órgão de política pública, à produção de um espetáculo teatral ou de um documentário audiovisual até a organização de cursos e eventos e a criação de um observatório virtual. Estes diferentes textos trazem ações realizadas no interior de Minas Gerais (Juiz de Fora e São João Del Rey) e nas capitais dos estados do Tocantins, do Rio de Janeiro e da Bahia o que, certamente, constitui uma dimensão importante desses trabalhos. O ensaio que abre este dossiê, assinado pelas/os pesquisadoras/es italianas/os da Rede Italiana de Coletivos Transfeministas e Queer intitulada SomMovimento NazioAnale, analisa o contexto atual do trabalho intelectual marcado pela crise que assolou a Itália a partir de 2010. Para Alessia Acquistapace, Beatrice Busi, Olivia Fiorilli, Caterina Peroni e Darren Patrick, a filosofia produzida por pesquisadores queer deve receber validade e importância, particularmente neste momento de extrema precarização e exploração do trabalho intelectual. Segundo as/os autoras/es, nosso trabalho como pesquisadoras/es de gênero e sexualidades tem sido aprisionado em uma retórica que nos faz trabalhar mais ganhando menos, em que o gerenciamento da diversidade se torna uma forma de maquiar a exploração com as cores do gênero e da sexualidade. As/Os autoras/es propõem novas leituras sobre o nosso trabalho e as formas com que assumimos cada vez mais tarefas devido ao nosso próprio compromisso com a justiça social. Neste sentido oferecem,  de  forma  bastante  original,  uma  “teoria  queer  do   trabalho   intelectual”   que,   com  certeza,   interessará   a  todas e todos as/os leitoras/es desse dossiê. A equipe coordenada pela Profa. Juliana Perucchi, composta por Brune Coelho Brandão e Junior Augusto da Silva, apresenta uma ação extensionista realizada em Juiz de Fora/MG que beneficiou travestis e transexuais afirmando que a extensão universitária é uma estratégia eficaz no estabelecimento de relações entre as universidades, a sociedade e o Estado. Para os autores, a extensão universitária tem interfaces de pesquisa, ou seja, assume a ligação intrínseca entre a prática extensionista e a produção do conhecimento. Neste viés, além de analisarem a produção de subjetividades trans (através de entrevistas), a equipe criou o grupo VisiTrans que atuou em diversas frentes como a proposição de projeto de lei, o oferecimento de apoio  Vol.3, N.1  Jan. - Abr. 2015  •  www.feminismos.neim.ufba.br                60  jurídico, a constituição de uma rede informal de apoio para o processo transexualizador, a publicação de folhetins e a distribuição de insumos de prevenção. Com isso, a equipe propõe que é através da extensão que se rompe processos de hegemonia de poder e, assim, novas relações entre o saber comunitário e acadêmico se estabelecem. Marcia Cristina Brasil Santos e Guilherme da Silva Almeida apresentam o projeto de extensão que teve como objetivo estimular a ampliação e formação da equipe de Serviço Social no processo transexualizador do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro – do Rio de Janeiro em temáticas de gênero e sexualidade. O projeto articulou duas instâncias universitárias, a saber, uma unidade de ensino (o departamento de serviço social) e uma unidade técnico-assistencial (o hospital universitário). Promoveu, assim, encontros quinzenais nos moldes de estudos dirigidos com a equipe do projeto que buscou, com esta formação, intervir junto a outras equipes do HUPE envolvidas no processo transexualizador, tornando-o mais humanizado com as contribuições dos saberes e práticas das ciências humanas e sociais. Como apontam os autores, a população transexual, beneficiada direta pelo projeto, merece um atendimento em saúde que seja equitativo, integral e de qualidade e para que este atendimento ocorra de fato é necessária a difusão do conhecimento acadêmico em gênero e sexualidades para a sociedade em geral. Com financiamento do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), o professor Alberto Tibaji reflete, em seu texto, sobre   o   “Projeto   Araci”,   proposta  interdisciplinar de Cultura, Direitos Humanos e Educação em que discentes e comunidade produziram uma cena espetacular construída a partir de situações do cotidiano de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT). A dinâmica do projeto envolveu a realização de oficinas teatrais em escolas e pontos de cultura a partir das quais eram escolhidos membros da comunidade para trabalharem no espetáculo que se tornou o produto final do projeto. Desta forma, a experiência vivencial da comunidade beneficiada e a técnica teatral se articularam na produção de autobiografias teatrais que foram, em parceria com o movimento social LGBT, apresentadas para a comunidade. Neste sentido, a ação extensionista em teatro e diversidade sexual possibilitou abrir espaços de discussão e de expressão do gênero e da sexualidade fornecendo, a um só tempo, escuta empática e formação política. A antropóloga Suely Aldir Messeder analisa o projeto “Masculinidade   em   corpos   femininos”   executado   na  Universidade do Estado da Bahia, desde 2010. Sem dissociar pesquisa e ação extensionista, a autora apresenta vasta metodologia de intervenção em que o foco se deu na vivência de mulheres que se reconheciam como masculinizadas. Com isto, os produtos (curso, biografias e documentário) possibilitaram a construção de um novo olhar sobre o gênero e a sexualidade de mulheres masculinizadas que desnaturaliza visões hegemônicas e coloniais das identidades de gênero e sexuais. Desta forma, a autora defende um saber “implicado  pela  ética”  em  que  a  ciência  tem  o  papel  de  contribuir na construção de uma sociedade mais justa e feliz na qual os Estudos de Gênero e Sexualidade questionam saberes e práticas androcêntricos, lesbo-homo-transfóbicos e a patologização das identidades trans* e homossexuais. Bruna Andrade Irineu e Mariana Meriqui Rodrigues refletem sobre o projeto de extensão que teve como objetivo a produção de um documentário que re-criasse a  “memória  política  da  homossexualidade”, na região de Palmas, no estado do Tocantins. O projeto envolveu discentes do curso de Comunicação Social e contou com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e da Diretoria de Tecnologias Educacionais da UFT. As autoras retomam no texto, o percurso que realizaram para a preparação do roteiro de edição do documentário, destacando a pesquisa sobre memória e audiovisual, memória LGBT, cinema LGBT e queer que desenvolveram juntamente com as/os discentes envolvidas/os no projeto. O processo de seleção das/os entrevistadas/os, a gravação das entrevistas e a edição do vídeo culminaram em um documentário de 25 minutos que destaca a identidade, a territorialidade e a memória de sujeitos LGBT que constroem suas vivências e resistências na capital mais nova do país. A partir dos depoimentos de dois militantes, um artista e um pesquisador, as autoras reconstroem a história do movimento LGBT tocantinense.   Vol.3, N.1  Jan. - Abr. 2015  •  www.feminismos.neim.ufba.br                61 Por fim, como último artigo que compõe esse dossiê, Mariângela Moreira Nascimento e Felipe Bruno Martins Fernandes apresentam o projeto realizado em 2014 com apoio da Pró-Reitoria de Extensão da UFBA que monitorou os discursos sexistas, homo-lesbo-transfóbicos, de intolerância religiosa e racistas durante as eleições de 2014. Os autores apontam para o caráter democrático das atividades extensionistas que articulam saberes e fazeres populares na universidade, antes tão elitizada. Ressaltam que foi através dos cursos de formação política oferecidos para mulheres líderescomunitárias em bairros populares de Salvador que puderam compreender elementos centrais na baixa representatividade das mulheres e outros grupos marginalizados em todos os níveis de participação política no Brasil. Ao finalizarmos a apresentação do Dossiê, esperamos que a leitura dos artigos possibilitem a compreensão da dimensão central que a extensão universitária pode e deve ocupar numa universidade comprometida com a equidade, o respeito a diversidade sexual e de gênero e a transformação social.  

Extensão Universitária em Gênero e Sexualidades

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