Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, E.P.E.
Abstract
Desde Hipócrates que as alterações psiquiátricas causadas por doença hepática têm fascinado os médicos, mas só em finais do
século XIX é que Marcel Nencki e Ivan Pavlov
sugeriram a relação entre o aumento
de concentração de amónia e a Encefalopatia
Hepática (EH). O fruto da reacção entre
a amónia e o glutamato (a glutamina, verdadeiro “Cavalo de Tróia da neurotoxidade
da amónia”) continua sendo considerado o
principal responsável pelas lesões neurológicas, confirmadas recentemente através de estudos de neuroquímica e de neuroimagiologia. A glutamina espoleta processos inflamatórios
a nível do sistema nervoso central
para os quais parecem também contribuir
o manganésio, e os sistemas neurotransmissores
gabaérgico e endocanabinóides.
Actualmente consideram-se três grandes
grupos etiológicos, qualitativos, de EH: tipo
A associada a falência hepática aguda; tipo
B associada a bypass porto-sistémico; e tipo
C associada a insuficiência hepática crónica
por cirrose. Quanto ao estadiamento clínico,
este ainda se baseia no sistema West Haven,
mas com a novidade da introdução de um
Grau 0 pré-clínico (a chamada EH Mínima);
à medida que agrava a EH pode ser quantificada entre o Grau 1 (com alterações subtis ao exame médico), e o Grau 4 (onde se instala o estado comatoso). Neste trabalho pretende-se fazer uma revisão bibliográfica de 30 artigos recentes, que focam os vários aspectos psicopatológicos,
fisiopatológicos, etiológicos e de
estadiamento nesta entidade clínica transversal à Psiquiatria e à Gastrenterologia. São descritas a nível da vigilidade e consciência: a desorientação no tempo, espaço e pessoa. Ao nível da atenção, concentração e memória há alteração dos testes neuropsicológicos logo na fase pré-clínica. O humor pode oscilar
entre o eufórico e o depressivo.
As alterações da personalidade podem instalar-se de forma óbvia e abrupta ou de forma subtil e insidiosa. Na percepção há alucinações visuais mas também acústico-verbais. O pensamento pode ser delirante paranóide, sistematizado ou não. O discurso poderá estar acelerado, lentificado ou imperceptível.
O insight surge prejudicado na EH Mínima,
nomeadamente para a capacidade de condução
de veículos. Na vida instintiva, várias
perturbações de sono atingem metade dos
doentes com EH; o apetite surge diminuído
mas foi descrito pelo menos um caso de
pica; enquanto que a libido poderá parecer
aumentada em contexto de uma desinibição
semelhante à verificada nas lesões do lobo
pré-frontal