AVANÇOS E RUPTURAS EM ENTRAVES (2017), DE DIVANIZE CARBONIER

Souza, Marinete Luzia Francisca de

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331R EV I S T A  ALERE  - PROG RAMA  DE PÓ S-GRADUAÇÃO EM  ESTUD OS  L I TERÁR IO S-PPGEL - Ano 11,  Vol .  18 ,  N . o 02 , Dez.  2018  - I SSN  2176-18411 Marinete Luzia Francisca de Souza é docente do Programa de Pós-graduação em Estudos deLinguagens – PPGEL/UFMT/Campus de Cuiabá e do Curso de Letras do Campus Universitáriodo Araguaia.AVANÇOS E RUPTURAS EMENTRAVES (2017), DEDIVANIZE CARBONIERIADVANCES AND RUPTURESIN ENTRAVES (2017), BYDIVANIZE CARBONIERIMarinete Luzia Francisca de Souza(PPGEL/UFMT)1Em Entraves, livro de poesia de autoria de Divanize Carbonieri,composto por 61 poemas, vencedor do prêmio Mato Grosso deLiteratura 2017 e publicado no ano pela Editora Carlini&Caniato,encontramos movimentos de rupturas e continuidades.Pela leitura do índice do livro nota-se que a disposição dospoemas indica movimento e parada: de “Rumo”, passando por uma“Lacuna” e desaguando em “Entraves”, retomando, por fim, omovimento com o tempo pretérito com que se inicia o poema332R EV I S T A  ALERE  - PROG RAMA  DE PÓ S-GRADUAÇÃO EM  ESTUD OS  L I TERÁR IO S-PPGEL - Ano 11,  Vol .  18 ,  N . o 02 , Dez.  2018  - I SSN  2176-1841“Riscos”: “quando o risco do tempo corria solto8 riscavam-se ospotes e suas tampas8e os traçados dos dias compridos pelo 8 corpoda cunhatã na tempestade de pó”. Daí passa-se ao tempo presenteque pode ser lido no poema “Tramoia”. Instalado o contemporâneo,a coletânea é ritmada pelo ato de “musicar a letra” no qual avultamsentimentos como o medo e a persistência daquele que valoriza acontenda, pelo movimento animal das ruas cuiabanas, pelo ritmodo dia-a-dia, no caso do moço que joga sinuca e planeja atos emrelação às mulheres.Outra vez a linha temporal que interrompe, “que ceifa a linhada vida”, surge em Entraves, por meio do poema “Esporófito”. Avida é atravessada pelo movimento do “machado” e, depois, da“foice” que atingem o pescoço do ser representado e do qual jorraum “igarapé de sangue”, num “mangue verde do espírito”. Asmetáforas do mangue e do igarapé deixam entrever algumas linhasestilísticas de ligação entre a poética da vida e da natureza, cultivadasem Entraves.Em “Esporófito”, o corte realizado na altura do pescoçodecepa o colo e solta a alma por aquela abertura. A alma não seretrai com o golpe, ao contrário, cresce, se agiganta. O corte é torpeporque causa a morte, mas também é gentil, não só porque a lâminaé afiada e produz um corte preciso e rápido, mas porque serve paralibertar a alma. O golpe interrompe a corrente da vida. É dessemangue verde do espírito que provém a dispersão 8proliferação(“esporófito”) da sina, do destino do ser vivente, que envolve amorte do corpo, mas também a sobrevivência do espírito.Natureza e suas formas de saberes podem ser colhidos empoemas como “Transeunte”, no qual o tamanduá e o jacaré transitampela capital do Estado de Mato Grosso e cruzam fronteiras entre ourbano e o mundo animal.As inundações de terra e volumes de água viajam “pelos veioslenhosos nos troncos8 nas selvas das folhas verdes”. A água transitapela valas tal qual a poesia transita pelos versos: “tropeçar pelas333R EV I S T A  ALERE  - PROG RAMA  DE PÓ S-GRADUAÇÃO EM  ESTUD OS  L I TERÁR IO S-PPGEL - Ano 11,  Vol .  18 ,  N . o 02 , Dez.  2018  - I SSN  2176-1841palavras 8 feito aluvião no leito”. Daí que se note que, no veio poéticode Carbonieri, também está presente a metaliteratura e que os entravessão também linguísticos.O tempo é, portanto, um importante marcador de leitura dapoesia de Carbonieri. No poema “Riscos”, a imemorialidade estápresente “quando o risco do tempo corria solto”, e a cunhatãesperava pacientemente enquanto sua pele era pintada e riscada comesmero. O mesmo acontecia com os utensílios de cerâmica, todoscuidadosamente feitos. As mentes estavam tomadas de serenidade,mas isso não impedia os gestos ousados, como o acertar dos alvosna caçada ou mesmo na guerra. Mas houve uma alteração. Há lapsosde memória. No presente, não se risca ou se pinta a pele com tantocuidado. Qualquer aspereza na epiderme tem agora outras razões enão as detalhadas inscrições feitas por ossos e8ou espinhos realizadasanteriormente. Hoje a mente está desatenta, distraída e isso faz aspresas escaparem e o pensamento seguir sem rumo. Identificamosaqui uma poesia sobre a existência.A temporalidade volta a estar presente no poema “percurso”.Há alguém inerte, no espaço de sua casa, que observa o “limiar davida lá fora”. A partir do postigo da porta, vislumbra-se apena umponto da avenida. Do lado de fora, há movimento, há vida epossibilidade de seguir pelo asfalto, uma imagem da trajetória“irisdescente” do destino das probabilidades que se desenrolam acada passo nos itinerários pessoais. Muitos são os caminhosapontados, sendo mesmo ilimitados. Porém, os seres que percorremos caminhos do existir podem trilhar poucos deles durante seupercurso de vida, que é entendida, de qualquer forma como vã, semsentido. A palavra “viandante” está no feminino, marcando o gênerode quem faz as escolhas.Mas há também as lacunas, as inércias. No poema “Lacuna”,as imagens poéticas da jovem morta sobre um lençol de linho setingem do mesmo tom da pele dela. E um pequeno ponto vermelhoindica que o líquido perdido faz com que seu seja o “torso exangue”.334R EV I S T A  ALERE  - PROG RAMA  DE PÓ S-GRADUAÇÃO EM  ESTUD OS  L I TERÁR IO S-PPGEL - Ano 11,  Vol .  18 ,  N . o 02 , Dez.  2018  - I SSN  2176-1841Essas sinestesias demonstram que a trama do tecido é comparada àepiderme sem vida da menina. A morte ainda que antecipada ouprecoce parece ter sido anunciada, um paradoxo porque mortes dejovens não são esperadas. Mas a morte simbólica, o amadurecimento,que transforma jovens em adultos, é algo com que se containexoravelmente, e pode ser isso que se anuncia. A menina há detornar-se mulher. Neste processo, as personagens, contos de fadasou os ícones que povoam sua infância também perecem. A mulhersegue viva como uma falta, uma lacuna, impossível de ser preenchida,estando toda a inteireza interior perdida para sempre.O veio temático feminino surge também em outros poemascomo “Mestiça”, no qual a mulher negra é aludida como “decúbitoventral 8 teatral para um tombo 8 o lombo açoitado” que“rememora o ancestral”. A mulher é, enfim, o “não”, o “menos” eo “não seja” do poema “Mulher”, modo de expressão que passaora pela definição, ora pela descrição patentes na poesia deCarbonieri. Corpo e alma feminina não se equivalem no cotidianodas personagens poéticas criadas pela autora, mas elas existem epõem em causa a negatividade em torno do feminino, são memóriae presença.Trata-se de uma poesia relativa à vida, que aborda elementoscomo o teto azul das casas, Semíramis e Miosótis, gatas sorrateiras,que andam pelos assoalhos das casas como seres de palavras e ritmo.Retrata ainda mobiliários que, grandes, atravancam as portas eimpedem a mobilidade no interior da casa ou aquilo que consome,aflige ou arruína por meio da metáfora presente em “Carcoma”.Sons, rupturas, continuidades encontrados nos poemas daautora são a tópica de Entraves. Ou melhor, os “brutos urros” e aconsciência social convivem com saberes advindos do mundodoméstico e ancestral, que estão para lá das materialidades visíveis.Esses saberes são postos em linha de continuidade ou de justaposição,o que resulta na ausência de sinais como vírgulas e pontos; as oraçõespoéticas encontram seu complemento no verso sucedente.335R EV I S T A  ALERE  - PROG RAMA  DE PÓ S-GRADUAÇÃO EM  ESTUD OS  L I TERÁR IO S-PPGEL - Ano 11,  Vol .  18 ,  N . o 02 , Dez.  2018  - I SSN  2176-1841A poética de Cabonieri apresenta variada versificação, comodoze, onze ou dezoitos versos, de única estrofe e versos curtos ecujas frases poéticas encontram seu complemento e rimas no finaldelas mesmas ou externamente. Valoriza as ambiguidades dalinguagem e da vida como no poema “Rumo”, que inicia com ovocábulo “piso” (eu piso ou o piso). Mais uma vez a poesia de tomcontemplativo ganha nuances de ação ou de contempla-ação. Afluidez dos versos dá-se pelo ritmo e pelas aliterações (como em“Úvula” e “Mulher”) numa escrita que desliza como que valorizandoos “entraves” e suas possibilidades de avanços.RECEBIDO EM 16/07/2018APROVADO EM 09/11/2018

AVANÇOS E RUPTURAS EM ENTRAVES (2017), DE DIVANIZE CARBONIERI

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