Instituto Politécnico do Porto. Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo
Abstract
“Nós reverenciamos Cláudio Arrau, cuja arte tinha a profundidade e o fôlego de um
velho sábio e o virtuosismo estonteante de um jovem vencedor de um concurso”1. Este
comentário de Pedro de Alcântara, graduado em música pela Yale School of Music e
professor de Técnica Alexander, será seguramente secundado por qualquer melómano.
Arrau confessa numa entrevista a Elyse Mach:”… quando tinha dezoito ou dezanove
anos, entreguei-me aos cuidados de um psiquiatra2 porque havia em mim uma espécie de
bloqueio que me impedia de expressar o meu eu musical […] muitas vezes voltei a
visitar este homem maravilhoso […]. Eu aconselharia qualquer intérprete a falar com um
psiquiatra e, se necessário fazer análise. A paz de espírito que daí resulta vale a pena.”3
Qualquer intérprete, cantor, instrumentista ou maestro, tem consciência da existência do
tipo de bloqueios de que fala Arrau. Conforme se pode constatar pelo comentário
extraído do célebre tratado de flauta de Quantz em 1752, nem sequer é um problema
recente: “Se o flautista que quer ser ouvido publicamente é timorato e não está ainda
acostumado a tocar na presença de muitas pessoas, deve tentar, enquanto está a tocar,
dirigir a sua atenção apenas para as notas à sua frente, nunca encarando os presentes,
uma vez que isso distrai os pensamentos, e destrói a sua tranquilidade. […] O medo
causa uma ebulição do sangue que disturba o regular funcionamento dos pulmões, assim
como dos braços, da língua e dos dedos. Daí surge uma tremura dos membros muito
obstrutiva ao tocar e, como resultado, o flautista será incapaz de produzir uma passagem
mais longa num fôlego, ou quaisquer outros actos especialmente difíceis, tal como faria
num estado de espírito tranquilo.”4
Ao longo dos séculos, todos os grandes intérpretes tiveram que lidar com os problemas
associados à performance musical pública, e, mais ou menos inconscientemente
desenvolveram rotinas, atitudes ou superstições que, com maior ou menor sucesso os
ajudam a ultrapassá-los.
É obviamente um assunto que muitos intérpretes preferem evitar. A sua racionalização
implica enfrentar os próprios fantasmas, e sobretudo, traz implícita a constatação de que
esses receios existem, algo que nunca é fácil de admitir por parte de alguém que durante
muitos anos poderá ter sobrevivido à custa de um exercício de negação.
Existem estratégias muito eficazes para ajudar a superar o stress relacionado com a
performance musical. Urge analisá-las, compreendê-las, sistematizá-las e passá-las às
gerações vindouras. Só assim se perpetuará o alto nível de execução que o acumular de
experiências ao longo dos últimos séculos proporcionou, numa sociedade que cada vez
mais pressiona os seus elementos para o êxito profissional como factor indissociável da
felicidade e do sentimento de realização enquanto seres humanos