Dissertação de mestrado em Investigação Biomédica, apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de CoimbraA epilepsia é uma patologia crónica caracterizada por ataques epiléticos espontâneos. Esta patologia
afeta cerca de 65 milhões de pessoas no mundo inteiro, de todas as idades e ambos os géneros. Pensa-se
que a génese e/ou propagação dos ataques epiléticos tem origem na hiperexcitabilidade neuronal. No
sistema nervoso central, o balanço entre a atividade excitatória e inibitória é maioritariamente mediada
pelo glutamato, um neurotransmissor excitatório, e pelo ácido gama-aminobutírico (GABA), um
neurotransmissor inibitório. O GABA atua, em parte, através da ativação de recetores de GABA do tipo
A (GABAAR), os quais são, na sua grande parte, constituídos por duas subunidades α, duas β e uma
subunidade γ2. Os GABAARs apresentam uma grande mobilidade na membrana, podendo deslocar-se
entre as regiões sinápticas e extra-sinápticas. A acumulação dos GABAARs nas sinapses inibitórias é
regulada pela proteína scaffold gefirina, a qual desempenha um papel importante no controlo da
neurotransmissão GABAérgica rápida. A expressão superficial dos recetores GABAA é também
influenciada pela taxa de internalização, a qual ocorre em regiões extra-sinápticas, assim como por
mecanismos de regulação intracelular que determinam a taxa de reciclagem.
Ataques epiléticos simples ou recorrentes provocam uma desregulação das sinapses GABAérgicas a
diferentes níveis. Porém, os mecanismos moleculares responsáveis por esta desregulação ainda não estão
completamente estudados. Resultados obtidos por imunohistoquímica sugerem que o aumento do
número de axónios e de terminais GABAérgicos observados na epilepsia do lobo temporal, tanto em
humanos como em modelos animais, pode estar relacionado com o sprouting de neurónios
GABAérgicos. No entanto, a possibilidade deste efeito ser devido a um aumento da produção de GABA
ou de marcadores relacionados não foi descartada. Foi também sugerido que alterações na população de
GABAARs pós-sinápticos podem contribuir para a redução da atividade inibitória do GABA em
neurónios principais durante o status epilepticus (SE). Efectivamente, no status epilepticus foi
demonstrada uma perda rápida de GABAARs sinápticos que contém subunidades β e γ, enquanto que
GABAARs extra-sinápticos que contém subunidades α e δ não sofrem alterações. Estas alterações na
expressão superficial dos GABAAR estão correlacionadas com o decréscimo nas mIPSCs observadas
após a indução de SE. Porém, os mecanismos responsáveis pela alteração na expressão superficial dos
GABAARs no SE não estão ainda bem esclarecidos. O objetivo principal deste trabalho foi o estudo das
alterações pós-sinápticas induzidas pelo SE ao nível das sinapses GABAérgicas. Para este propósito,
implementámos um sistema in vitro simples que consiste em culturas de neurónios de hipocampo que
foram expostos transitoriamente a uma solução desprovida de Mg2+ (SE). Observámos que o SE aumenta
os níveis de [Ca2+]i através de um mecanismo dependente da ativação de recetores N-metil-D-aspartato
(NMDA). Imagiologia de cálcio em células individuais, usando Fluo-4, permitiu observar diferentes
padrões de variação de [Ca2+]i em função do período de exposição ao SE. Usando o mesmo modelo,
verificámos um aumento da internalização de GABAARs, acompanhada por um decréscimo da
fosforilação da subunidade β3 e uma clivagem da gefirina. Estes resultados indicam que a estabilidade
sináptica dos GABAARs é comprometida pelo SE, durante e depois da crise. Mostrámos também que o
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SE provoca uma redução na taxa de reciclagem dos recetores GABAAR. No conjunto, os nossos
resultados demonstram que o SE provoca diversas alterações na sinapse GABAérgica, nomeadamente
no tráfego dos recetores e na modulação do seu destino pós-endocitose, acompanhado por uma
destabilização da homeostasia do cálcio. Esta dissertação oferece as bases para uma nova linha de
investigação tendo por objetivo o estudo dos danos provocados pelo SE em neurónios de hipocampo.
Uma melhor compreensão destes mecanismos moleculares pode permitir identificar novos alvos
terapêuticos para o tratamento do SE e novas estratégias para prevenir o desenvolvimento de epilepsia
crónica.Epilepsy is a chronic condition characterized by recurrent unprovoked seizures. The disease affects
approximately 65 million people worldwide, from all ages and both genders. It is thought that neuronal
hyper-excitability is one of the main permissive factors for the genesis and/or propagation of epileptic
seizures. In the Central Nervous System (CNS) the balance between excitation and inhibition is mostly
regulated by the excitatory neurotransmitter glutamate and the inhibitory γ-aminobutyric acid (GABA),
respectively. The neurotransmitter GABA acts, in part, through activation of GABAA receptors
(GABAAR), which are mostly composed of 2α-, 2β-, and 1γ2-subunits, and the accumulation of these
receptors at inhibitory synapses is regulated by the scaffold protein gephyrin. GABAAR present a
dynamic mobility between synaptic and extrasynaptic localization, and modulation of the interaction
between GABAAR and gephyrin plays an important role in the control of fast GABAergic signalling
strength. Total surface expression of GABAAR is controlled by their internalization at extrasynaptic
sites, in addition to post-internalization sorting mechanisms which determine the rate of recycling.
Single and recurrent seizures lead to a dysregulation of GABAergic synapses at different levels, but the
mechanisms involved are still not fully understood. Sprouting of GABAergic neurons may account for
the observed persistence or increase in labelling of GABAergic axons and terminals in human temporal
lobe epilepsy and related animal models. However, the possible contribution from an increased
expression of GABA or related markers in other neurons was not ruled out. Alterations in the population
of postsynaptic GABAAR were also suggested to partly contribute to the reduction of GABA-mediated
inhibition of principal neurons in status epilepticus (SE). SE was shown to trigger a rapid loss of synaptic
GABAAR containing β and γ subunits, while extrasynaptic receptors containing α and δ subunits remain
unaffected. These alterations in the surface expression of the receptors directly link the decrease in the
miniature inhibitory post-synaptic currents observed after induction of SE with the selective
internalization of synaptic GABAAR containing β and γ subunits. However, the mechanisms underlying
the effects of SE on the surface expression of GABAAR is not fully elucidated. The main objective of
this work was to further investigate the SE-induced post-synaptic alterations in GABAergic synapses.
For this purpose we implemented a simple in vitro system consisting in cultured hippocampal neurons,
which were exposed transiently to a solution lacking Mg2+ (status epilepticus; SE). We observed that
SE increases the [Ca2+]i by a mechanism dependent on the activation of N-methyl-D-aspartate receptors.
However, single cell calcium imaging with Fluo-4 showed different patterns of [Ca2+]i, which were also
determined by the duration of the SE period. Using the same experimental approach we found an
enhanced internalization of GABAARs which was accompanied by a decrease in the phosphorylation of
the β3 subunit and a cleavage of gephyrin. Together, these results indicate that GABAAR synaptic
stability is compromised during and after SE, and additional experiments showed a reduction in the rate
of receptor recycling in hippocampal neurons subjected to SE. Our results demonstrate that SE evokes
short- and long-term alterations in GABAergic synapses, namely in receptor trafficking and in their
post-endocytotic sorting, accompanied by a disruption of calcium homeostasis. This work sets the basis
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for further studies on the mechanisms underlying the SE-evoked alterations in hippocampal neurons. A
better understanding of these mechanisms may provide new targets for the therapy of SE and strategies
for preventing the development of chronic epileps