Dissertação de mestrado em Biologia Celular e Molecular, apresentada ao Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.A isquémia cerebral resulta de um fornecimento insuficiente de sangue ao cérebro, levando
a uma desregulação no equilíbrio entre a neurotransmissão excitatória/inibitória e
consequente morte celular por excitotoxicidade. No sistema nervoso central (SNC) a
regulação deste equilíbrio é determinada principalmente pelo balanço entre a
neurotransmissão glutamatérgica e GABAérgica e diversos estudos têm mostrado que a
neurotransmissão glutamatérgica e GABAérgica está aumentada e reduzida,
respectivamente, nas lesões isquémicas. Ao contrário das alterações na neurotransmissão
glutamatérgica na isquémia cerebral que têm sido amplamente investigadas, poucos estudos
têm abordado os mecanismos moleculares que contribuem para as alterações na
neurotransmissão GABAérgica. Resultados recentes do nosso laboratório, obtidos
utilizando o modelo de isquémia cerebral baseado na privação de oxigénio e glicose
(OGD), mostraram que o insulto isquémico induz a desfosforilação e consequente
internalização dos receptores de GABA do tipo A (GABAAR), contribuindo para a morte
neuronal. Após a internalização os GABAAR são rapidamente reciclados e voltam para a
membrana plasmática ou são encaminhados para os lisossomas a fim de serem degradados.
O rumo que os GABAAR endocitados tomam depende da interacção das subunidades β1-3
com a proteína associada à huntingtina 1 (HAP1). Estudos anteriores do nosso laboratório
mostraram que a OGD transitória também reduz a reciclagem e o regresso para a membrana
plasmática dos GABAAR, e diminui a interacção dos receptores com a proteína HAP1 em
neurónios do hipocampo em cultura.
A proteína HAP1 existe em duas isoformas, HAP1-A e HAP1-B, que compartilham a
mesma região central (aminoácidos 277-445). A HAP1 está associada a microtúbulos e a
diversos tipos de organelos, incluindo as mitocôndrias, lisossomas e vesículas sinápticas.
Tendo em consideração estas observações, no presente trabalho investigámos o papel da
HAP1 na redução da expressão à superfície e reciclagem dos GABAAR em neurónios de
hipocampo em cultura após OGD. Os resultados obtidos mostram que a exposição
transitória de neurónios de hipocampo a OGD (90 min) reduz os níveis da proteína HAP1,
quando testado por western blot duas horas após o insulto isquémico. Este efeitodependente do tempo de incubação, não foi observado em neurónios incubados na presença
do inibidor das calpaínas MDL28170. A inibição das fosfatases PP1/PP2A com ácido
ocadáico também diminuiu a redução de HAP1 induzida pela OGD.
A diminuição dos níveis da proteína HAP1 foi também observada em neurónios corticais
expostos a OGD, à semelhança dos resultados obtidos em neurónios do hipocampo em
cultura. Porém, a oclusão transitória da artéria cerebral média (MCAO), um modelo in vivo
de isquémia cerebral, teve o efeito oposto sobre os níveis da proteína HAP1 no núcleo
isquémico, localizado na região cortical. Esta discrepância pode ser devida ao efeito do
insulto isquémico sobre os níveis da proteína Hap1 em células da glia, presentes no tecido
cerebral mas ausentes nas culturas neuronais. De acordo com essa hipótese, a análise por
western blot realizada com extractos de células da glia em cultura expostas a 90 min de
OGD seguido de 12 h de pós-incubação mostraram um aumento dos níveis de proteína
HAP1.
Para investigar o papel modulador de HAP1 nas alterações do tráfego dos GABAAR
induzidas pelo OGD, foram realizadas experiências em culturas de neurónios de hipocampo
transfectados com as isoformas HAP1-A ou-1B. A sobre-expressão das duas isoformas de
HAP1, em neurónios de hipocampo em cultura, preveniu a redução da expressão superficial
da subunidade β3 do GABAAR induzida pela OGD. Este efeito foi devido ao aumento da
reciclagem da subunidade β3 do receptor GABAAR, como mostrado através do ensaio de
reciclagem.
Em resumo, os nossos resultados sugerem que a proteína HAP1 desempenha um papel
fundamental na redução da neurotransmissão GABAérgica durante a isquémia cerebral.Cerebral ischemia is a pathological condition characterized by a reduction of blood flow to
the brain leading to an imbalance between excitatory and inhibitory neurotransmission and
consequent neuronal cell death. In the CNS this balance is mostly regulated by glutamate
and GABA meurotransmitters. Several studies have shown that during an ischemic insult
the glutamatergic and GABAergic neurotransmission is up- and down-regulated
respectively. However, few studies have addressed the molecular mechanisms contributing
to the alterations in GABAergic neurotransmission in brain ischemia. Recent data from our
laboratory using the oxygen and glucose deprivation (OGD) model of brain ischemia
showed that the ischemic insult induces the dephosphorylation and consequent
internalization of GABAA receptors (GABAAR), contributing to the death of cultured
hippocampal neurons. Following internalization, GABAAR are rapidly recycled back to the
plasma membrane or targeted for lysosomal degradation. The sorting of endocytosed
GABAAR depends on the interaction of GABAAR β1-3 subunits with huntingtin-associated
protein 1 (HAP1). Previous studies from our laboratory also showed that transient OGD
reduces the recycling of GABAAR back to the plasma membrane and decrease the
interaction of the receptors with the HAP1 protein in cultured hippocampal neurons.
HAP1 consists of two isoforms, HAP1-A and HAP1-B, which share the same middle part
(amino acids 277-445). The protein is associated with microtubules and with various types
of membranous organelles, including mitochondria, lysosomes and synaptic vesicles.
Taking into consideration these observations, in the present work we investigated the
putative role of HAP1 in the reduction of the surface expression and recycling of GABAAR
in cultured hippocampal neurons subjected to OGD. Our results show that exposure of
hippocampal neurons to OGD (90 min) downregulates HAP1 protein levels when tested 2 h
after ischemic insult by western blot analysis. This effect was time dependent and was
inhibited in the presence of the calpain inhibitor MDL28170. Inhibition of PP1/PP2A
phosphatases with okadaic acid also reduced the OGD-induced downregulation of HAP1.
A decrease in HAP1 protein levels was also observed in cortical neurons exposed to OGD,
but transient middle cerebral artery occlusion (MCAO), an in vivo model of cerebral
ischemia, had the opposite effect on HAP1 protein levels in the ischemic core located incortical region. This discrepancy may be due to the effect of the ischemic insult in HAP1
protein levels in glial cells present in the brain tissue but not in neuronal cultures.
Accordingly, western blot analysis performed with extracts of cultured glial cells exposed
to 90 min of OGD followed by 12 h of post-incubation showed an increase of HAP1
protein levels.
To investigate the modulatory role of HAP1 in OGD-induced changes in the traffic of
GABAAR, experiments were performed in cultured hippocampal neurons transfected with
HAP1-A or -1B isoforms. Overexpression of the two isoforms of HAP1 in cultured
hippocampal neurons decreased the OGD-induced downregulation of the surface
expression of GABAAR β3 subunits. This effect was due to the increased recycling of
GABAAR β3 as shown with receptor recycling assay. Taken together, our results suggest
that HAP1 protein has a key role in the down-modulation of GABAaergic
neurotransmission during cerebral ischemia