RESUMO
Diferentemente do que ocorreu com o homem do ciclo econômico da cana-de-açúcar, desde cedo controlado por um processo normativo de trabalho em que a hierarquização se impunha fortemente ante o caráter massificado das tarefas profissionais, o homem do ciclo do gado, cumprindo tarefas irredutíveis à massificação, conservou e desenvolveu a extremos os traços primitivos do individualismo, da sobranceria, do livre arbítrio e da improvisção, características que, diante da emergência de estímulos não raro de pouca monta, desaguavam em aventureirismo e num acentuado gosto pelas soluções violentas de caráter pessoal ou familiar. A exarcebação dos conceitos de honra e propriedade, o nomadismo, ao lado do culto da coragem e de uma desconfiança “a priori”, são ainda fatores que caracterizam o homem pecuário do Nordeste do Brasil. A dificuldade de penetração da área sertaneja e o isolamento em que permaneceriam os seus colonizadores por séculos foram fatores responsáveis pela formação e conservação até décadas atrás de uma uma tradição cultural onde a violência tinha livre curso, sendo mesmo aplaudida e estimulada pelo sentido épico que nela se contém. Inúmeras figuras deram vida a essa violência que, de necessária à vitória do empreendimento colonizador e, como tal, legítima nos primeiros momentos dessa colonização, passa a ser, com a afirmação crescente da ordem pública, necessariamente malsinada e coibida. O valentão, o cabra, o capanga, o jagunço, o pistoleiro e o cangaceiro são essas figuras principais. Ainda que como fenômeno o cangaceiro apresente traços comuns que o aproximam de ocorrências semelhantes verificadas em quase todos os continentes, em diferentes períodos da história, no Nordeste do Brasil e particularmente na área seca em que se desenvolveu o ciclo pecuário ele assume feições de verdadeira convulsão social, estimulado por uma cultura profundamente tolerante para com a violência. A sociedade sertaneja só se voltava contra o banditismo quando ele evoluía do estado crônico ou endêmico para o estado agudo ou epidêmico, o que aconteceu algumas vezes. Fora desses casos a atitude da sociedade sertaneja era de tolerância e mesmo de estímulo e apoio ao fenômeno.
ABSTRACT
Cattle cycle in the Northeast of Brazil. v.7, n. 2, p. 263-306, jul./dez. 1979.
In a different way that happened to the man of the sugar-cane economic cycle soon controlled by a normative process of work where the hierarchization was strongly imposed before the crowd character of the professional tasks, the man of the cattle cycle, undertaking tasks, that did not have crowd character, he preserved and developed very well the primitive traits of individualism, of haughtiness, of the free will and the improvisation. These characteristics due to many stimulus, caused this way, the adventurism and the marked preference by the violent solutions of personal or family character. The exaggeration of the concepts of honour and property, the nomadism, by the side of the cult of courage and of a mistrust “at first”, are still factors that characterized the cattle raising man of the Northeast of Brazil. The difficulty of penetration of the country area and the isolation where its colonizers would be kept during centuries, were the responsible factors for the formation and preservation until ten years ago, of a cultural tradition where the violence freely took its course, being approved and stimulated by the epic sens that it has. Several people stimulated this violence, which being necessary to the victory of the colonizer´s undertaking, and this way a legitime behavior in the first moments of this colonization, becomes, with the crescent affirmation of the public command, necessarily denounced and restrained. The braggart, the mestizo, the bodyguard, the “jagunço” (Antonio Conselheiro´s follower in Canudos Campaign) the contracted killer, the brigand of the Northeast Brazil, all of them are the main representatives of the violence. Since that, as a phenomenon, the living of the brigands in Northeast Brazil presents common traits, that make them similar to other events in almost all the continents, in different eras of history, in the Northeast of Brazil and particularly in the drought areas where the cattle raising cycle was developed, the living of the brigands in Northeast Brazil takes the aspect of a true social convulsion, stimulated by a epic tolerant culture, with the violence. The country society was only turned to the banditry when this way of living developed from the chronic state to the epidemic state, and that fact happenend sometimes. With exception of these cases, the country society had an attitude of tolerance, stimulus and protection to the phenomenon.
RESUMÉ
Le cycle du bétail dans la région Nordeste du Brésil: une culture de violence? v.7, n.2, p.263-306, jul./dez. 1979.
Au contraire de ce qui est arrivé à l’homme, le cycle économique de la canne à sucre, dès le debut controlé par un procédé de travail normatif dont la hiérachie s’imposait fortement devant le caràctere massifiant des tâches profissionelles, l’homme du cycle du bétail, exécutant des tâches irréductibles à la massification, a conservé et développé à l’excés, les aspects primitifs de l’individualisme, de l’arrogance, du libre arbitre et de l’improvisation, caractéristiques qui, devant l’émergence de stimulus très souvent de peu importance, débordaient en aventures et en un goût exarcebé pour les solutions violentes de caractère personnel ou familial. L’exarcébation des concepts d’une méfiance “à priori”, sont encore, des facteurs qui caractérisent l’élèveur du Nordeste brésilien. La difficulté de pénetration dans l’intérieur du pays, et l’isolement dans lequel les colonisateurs sont réstés pendant des siècles, ont été les facteurs responsables par la formation, et conservation pendant des années, d’une tradition culturelle, où la violence avait libre cours, étant même applaudie et stimulée par le sens épique qu’elle avait. De nombreux personages ont stimulé cette violence qui était nécessaire à la victoire de l’éntreprise colonisatrice, et comme telle, un comportement légitime dans les premiers moments de cette colonisation, devient, avec affirmation croissante de l’ordre public, nécessairement dénoncée et réprimée. Le fanfaron, le “cabra”, le “capanga”, le “jagunço”, le mercenaire et le “cangaceiro” sont ces personnages principaux. Quoique le phénomène du “cagaceirisme” présente des traits communs qui le rapprochent d’occurences semblables verifiées en presque tous les continents, pendant différentes périodes de l’histoire, au Nordeste du Brésil et particulièrement dans la région sèche où le cycle du bétail s’est développé, il prend l’air d’une vraie convulsion sociale, stimulée par une culture profondément tolérante à la violence. Les gens de l’intérieur du pays se soulévaient contre le banditisme seulement quand il évoluait de l’état chronique ou endémique, à l’état aiguë ou épidémique, ce qui est arrivé quelquefois. Excepté ces cas, la position de la société de l’intérieur était d’indulgence et même de stímulation et d’appui au phénomène