Eller, Rosiane Rivas de Souza

Santos, Djenane Alves dos

Silva, Amauri Moret da

Portuguese

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS): Periódicos UEMS

 Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 145 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA NÃO NATIVOS: DISCUSSÕES ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER IMPLICADAS NAS RELAÇÕES LINGUÍSTICAS1   Amauri Moret da Silva (PPGL-UNEMAT/UNIR)2 amaurimoret@gmail.com  Djenane Alves dos Santos (PPGL-UNEMAT/UNIR) 3 djenane.santos@unir.br  Rosiane Rivas de Souza Eller (PPGL-UNEMAT/UNIR) 4 rosiane.ribas@unir.br   As implicações que envolvem o ensino de línguas são complexas e abarcam questões de cultura, linguagem, identidade e sociedade. Segundo Schmidt (2015, p. 360), esse choque entre as línguas não acontece de forma amigável, pois há sobremaneira um enfrentamento da língua majoritária, assim “a situação conflituosa é gerada pelo contato entre falantes de línguas, cujo status é diferente (uma é mais valorizada que a outra)”. Caminhando nessa direção compreende-se que a língua determina quem é o sujeito da aprendizagem e quais as ferramentas serão utilizadas nesse processo de aquisição. Em meio ao espaço de ensino da língua portuguesa para não nativos, não só a língua demarca seu território na aprendizagem, bem como a cultura entrelaça os sujeitos, conduzindo-os a uma cultura verdadeira e absoluta.   No encontro de culturas e de línguas proporcionados pelo contexto que envolve o processo de ensino e aprendizagem de línguas causa o consequente conflito das relações sociais entre grupos hegemônicos e minoritários, evidenciando as relações de                                                1 Texto apresentado à Disciplina de “Sociolinguística” do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística – Linha de Pesquisa em: Estudos de Processos de Práticas Sociais da Linguagem e Estudos de Processos Descritivos, de Análise e de Documentação de Línguas Indígenas, da Universidade Estadual do Mato Grosso - UNEMAT.  2 Doutorando em Linguística – PPGL/UNEMAT; Mestre em Letras pela UNIR; Licenciado em Letras Português – Literatura pela FAP.  3 Doutorando em Linguística – PPGL/UNEMAT; Mestre em Letras pela UNIR; Licenciada em Letras Português – Espanhol pela UNIR. 4 Doutorando em Linguística – PPGL/UNEMAT; Mestre em Letras pela UNIR; Licenciada em Letras Português – Literatura pela UNIR.   Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 146 poder e forças implicadas nas relações linguísticas. Sobre isso, Gumperz (1996) apud Bortoni-Ricardo (2014, p.13), comenta que, [...] as formas como a comunicação influi e reflete as relações de poder e dominação, com o papel que a linguagem joga na formação e perpetuação de instituições sociais, assim como, com a transmissão da cultura”. O conceito de cultura baseia-se em uma análise semiótica, visto que o ser humano constrói a sua teia de significados a partir do ponto de vista dele, e remodela o ambiente que o circunda, sempre preso a essa teia. Por outro lado, a cultura pode se tornar um jogo de poder, ao promover conflitos, diálogos e contestações para produzir significados que sustentam as representações sociais (GEERTZ, 1989). No pensamento de Bortoni-Ricardo (2014), a sociedade é constituída de um agrupamento em que os grupos estabelecem as funções a serem desempenhadas pelos sujeitos envolvidos, neste sentido, “a interação humana é, portanto, constitutiva dos papéis sociais, considerados como um conjunto de prerrogativas e de deveres em um determinado domínio social” (p.147). Portanto, essas relações humanas coadunam para um determinado comportamento que é a área de estudo da sociolinguística.  Ainda neste pensamento Gumperz (1996) apud Bortoni-Ricardo (2014, p. 13). aponta que a sociolinguística assume papéis importantes na sociedade, principalmente na comunicação verbal, pois as investigações iniciais propostas no início de sua criação como disciplina ultrapassaram as barreiras das mudanças e difusão da língua. A centralidade passou agora a analisar os aspectos de comunicação dos falantes e como essas relações interferem na formação linguística e nas trocas culturais. Os estudos sobre esse assunto e a realidade educacional de ensino de línguas confirmam que “as relações entre línguas e vida social, são ao mesmo tempo problemas de identidades de cultura, de economia, de desenvolvimento” (CALVET, 2007, p. 19). Desta forma, a escola e o momento do processo de ensino e aprendizagem tornam-se o contexto no qual se produzem as implicações dessas relações. Assim, neste ensaio, nosso olhar se volta para as questões que envolvem o ensino de língua portuguesa para não nativos para refletir sobre as relações de poder implicadas nessas relações linguísticas.  Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 147 Para Bortoni-Ricardo (2014, p. 41), a língua portuguesa se apresenta como a primeira e única língua reconhecida pelo país, apesar de haver outras línguas minoritárias, o português é a língua de prestígio, obrigatória a todos os falantes que vivem no Brasil. As línguas indígenas, assim como as línguas de sinais são subalternas e devem ser subordinadas ao português, ou seja, elas existem, mas os falantes devem se submeter ao aprendizado da língua portuguesa. Calvet (2002, p. 35) explica que “o plurilinguismo faz com que as línguas estejam constantemente em contato”, no entanto, este lugar em que se refere o autor pode ser até o próprio falante, uma vez que ele pode dominar mais de uma língua. Afirma também que o contato linguístico está atrelado ao espaço de aquisição desta língua, ou seja o ambiente de ensino e aprendizagem. Já para Bortoni-Ricardo “a convivência de duas ou mais línguas no mesmo território, denominada multilinguismo e identificada também como plurilinguismo, tem sido objeto de muita reflexão na história da humanidade, como comprovam as tradições religiosas” (2014, p. 26). Contudo, embora o multilinguismo e a variedade linguística seja uma realidade no Brasil, há uma tendência ou tentativa de ignorar essa realidade por meio da crença de um Brasil monolíngue, o que ocasiona um verdadeiro abismo entre os falantes do português brasileiro e os falantes das línguas consideradas minoritárias, conforme Bagno (2002).   Diante dessas considerações, a Sociolinguística tem estudado os fenômenos sociais presentes na língua e assumido, conforme Tarallo (2005), o “caos” linguístico, no qual o pesquisador tenta processar, analisar e sistematizar o universo aparentemente caótico da língua. Tarallo (idem) esclarece que o “caos” se configura como um campo de batalha, um duelo conflitante das variedades linguísticas que lutam por subsistência e coexistência. Este quadro é assumido pelo pesquisador como objeto de estudo em sociolinguística. No que se refere ao duelo entre a língua portuguesa, considerada hegemônica e as línguas consideradas minoritárias, os estudos demonstram que [...] crianças oriundas de grupos linguísticos minoritários apresentavam desempenho escolar muito inferior ao  Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 148 das crianças provenientes de classe média e classe alta (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 12). Sá (2010) argumenta que na condição de grupos étnicos, podemos assim definir segundo a ideologia enraizada, os valores qualitativos que lhe são subtraídos, em que a utilização de uma língua específica fica às margens dos projetos de universalização linguística de cunho nacionalista. O que se vai legitimar  nos espaços escolares, através da língua portuguesa, como mecanismo principal de ensino. Não obstante Calvet (2002, p. 148), contribui nessa discussão, abordando que obrigar um povo a aprender uma língua que ele não vê valoração, ou que a considera não muito útil é o mesmo que fazer a nação maior aprender a língua minoritária. Para ambos os grupos sociais as línguas a serem aprendidas não possuem utilidades. Por mais que a língua portuguesa assuma as facetas do ensino e impunha seu método de aprendizagem, os não nativos acabam por não considerar este ensino significativo, por isso a aquisição da língua padece. Brito (1993, p. 75) contribui com o seguinte: “O problema das minorias linguísticas é, pois, muitas vezes, não apenas a privação de sua língua materna, mas, sobretudo a privação de sua identidade cultural”. Sendo assim, “a língua é um símbolo de identidade (talvez o mais poderoso) que permite que nos reconheçamos como naturais de uma cidade, de um país, e ao mesmo tempo que identifiquemos aqueles que não o são” (BERENBLUM, 2000, p. 41-42). Desse modo, a língua localiza o aluno na sala de aula, e ele sem ser reconhecido como falante de outra língua ocupa esses espaços em busca do aprendizado da língua portuguesa. O professor orientado pelo livro didático assim como por sua construção ideológica, conduz o aprendizado pautado em uma metodologia de ensino de língua materna. As ferramentas pedagógicas caminham considerando que os discentes já conhecem a língua e isso provoca diversas falhas na organização dos conteúdos, pois para os estudantes as abordagens não fazem sentido. Para se trabalhar com o estudante que está em aquisição do português como segunda língua é preciso usar estratégias de ensino de aquisição de língua e não as mesmos passos para se alfabetizar falantes nativos (QUADROS; SCHMIEDT, 2006).  Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 149 Dessa forma, o aluno que está em processo de formação é desconsiderado em suas particularidades e necessidades subjacentes ao processo de aprendizagem e ignorar o aluno em sua especificidade constitui uma forma de exclusão social. É preciso no processo de aquisição de língua que não seja baseado em transferência de conhecimentos, mas de um processo de valorização dos lugares em que as duas línguas em questão são colocadas de modo a apresentar os valores sociais e culturais ora representados. Este fato é muito prejudicial à educação, pois impõe uma metodologia incapaz de alcançar as metas de aprendizagem para estes grupos, levando a uma visão e prática de línguas e culturas superiores, imposta por uma visão de superioridade linguística de perpetuação de domínio. A língua de status e prestígio é percebida como um capital linguístico imprescindível para a ascensão social e cultural, entretanto, um padrão inalcançável para estes grupos. Portanto, torna-se imprescindível refletir sobre as implicações ideológicas de perpetuação da restrição cultural e linguística, a fim de  propor um ensino de línguas que considere a existência de alunos, cuja língua materna não é o português. Assim a necessidade de uso de uma metodologia adequada ao contexto multilingue e multicultural que não transmita uma visão hegemônica muito menos de desprestígio linguístico, mas, conscientizada, da riqueza e diversidade linguística. Neste sentido, ampliando as possibilidades de ruptura daquilo que nos prende ao nosso próprio eu e que nos impede de ver no outro o caminho da aceitação da diferença. Em síntese, podemos destacar que há a necessidade urgente, no contexto multicultural e multilíngue em que vivemos. Ou seja,  de um despertamento por parte dos profissionais do ensino de línguas para as questões ideológicas e de poder que envolvem as manifestações linguísticas, assim como para as questões metodológicas de ensino da língua portuguesa como segunda língua.   REFERÊNCIAS  BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 14ª ed., São Paulo, Loyola, 2002.  Web  -  Revista  SOCIODIALETO Núcleo  de  Pesquisa  e  Estudos  Sociolinguísticos e Dialetológicos  -  NUPESD Laboratório  Sociolinguístico  de  Línguas  Não-Indo-europeias  e  Multilinguismo  -  LALIMU ISSN: 2178-1486 • Volume 10 • Número 29 • Nov 2019  Web-Revista SOCIODIALETO – NUPESD / LALIMU, v. 10, nº 29, nov 2019 150 BERENBLUM, Andréia. Escola, Língua e Cidadania. In: VALLE, Lílian (Org.) [et al]. O Mesmo e o Outro da Cidadania. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014. BRITO, Lucinda Ferreira. Integração Social & Educação de Surdos. Rio de Janeiro: Babel Editora, 1993. CALVET, Louis Jean. As políticas lingüísticas. São Paulo: Parábola Editorial: IPOL, 2007. _____________. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989. QUADROS, Ronice M.; SCHMIEDT. Magali L.P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, Poder e Educação de Surdos. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2010. SCHMIDT, Cristiane.  Língua: na perspectiva da mudança e da diversidade. Web-Revista Sociodialeto, v. 5, n. 15, 2015, p. 360-363. TARALLO, Fernando. A Pesquisa Sociolinguística. 7ª. Ed. São Paulo: Ática, 2005.                   Recebido Para Publicação em 27 de setembro de 2019. Aprovado Para Publicação em 30 de outubro de 2019. 

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